19.3.1995 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 19 de março de 1995. Caderno A – 3
Multimídia eletrônica e verbo dominam “A Tentação de Santo Antão Por Frank Dell”, peça da companhia norte-americana
VALMIR SANTOS
O Wooster Group nasceu há 20 anos na esteira da vanguarda do seu conterrâneo norte-americano Living Theatre. Enquanto este radicalizava com um teatro eminentemente político e social, o primeiro circunscrevia-se ao palco e, por extensão, à tela de cinema e ao tubo de televisão. A montagem de “A Tentação de Santo Antão Por Frank Dell” (Frank Dell’s The Temptation of St. Antony), em cartaz até amanhã na capital, foi escolhida para a turnê brasileira por sintetizar a linguagem cênica do grupo de Elizabeth LeCompte.
“Eu não sou uma pessoa de teatro”. É uma frase da diretora que ilustra seu trabalho. O entrecruzamento de linguagens desponta como componente fundamental para LeCompte. Em “A Tentação de Santo Antão”, a ênfase recai sobre o vídeo.
São seis aparelhos de TV dispostos no palco. A fragmentada história das visões e êxtases do eremita do século 4 ganha sintonia com o final do século 20. Toda a carga religiosa é potencializada pela multimídia eletrônica; uma visualidade forte e ao mesmo tempo obscura.
A fumaça, a sobreposição de planos, a presença marcante da margem filmada simultânea à interpretação no palco – um teatro catódico -, enfim, tudo isso, porém não derruba a barreira da língua. “A Tentação de Santo Antão” tem na palavra o sustentáculo da maior parte das cenas.
Para reverberar ainda mais o poder da palavra, os atores falam ao microfone. O aparelho surge como extensão do corpo.
Trazido por intermédio do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), dirigido por Antunes Filho, o Wooster Group não tem uma recepção positiva unânime do público. O espetáculo, neste sentido, lembra as montagens de Gerald Thomas onde a preocupação com a estética é tanta que qualquer resquício de linearidade vai para o espaço.
Além da multiplicidade de recursos cênicos, o texto inspirado em “La Tentation de Saint Anoine”, épico do século 19 escrito por Gustave Flaubert, tem inserções várias, transformando-se praticamente num segundo.
Ao original de James Strahs foram adicionados diálogos ocasionais de “O Mágico” (1958), filme de Ingmar Bergman; de “Senhoras e Senhores, Lanny Bruce!” (1974), de Albert Goldman (Frank Dell era o apelido do ator americano Lanny Bruce nos anos 50), entre outros. Já o vídeo tem como fonte o talk show “Interlúdios Depois da Meia-Noite”, da TV a cabo norte-americana Canal J, onde os participantes eram entrevistados nus.
“A Tentação de Santo Antão” faz uma alegoria da virtualidade sem perder a ironia. O humor é uma constante nas interpretações. Willem Dafoe, ator de filmes como “Platoon” e “Corpo em Evidência”, faz dois papéis. É Frank Dell, o protagonista, e também Hilarion, discípulo de Santo Antão que depois se converte em demônio.
Dafoe incorpora bem a multimídia do espetáculo. Convite harmoniosamente com efeitos especiais graças à carreira paralela no cinema. Mas a força interpretativa, teatral, está com as atrizes Peyton Smith (Phylis), Cynthia Hedstrom (Sue) e Kate Valk (Onna).
A Tentação de Santo Antão Por Frank Dell – Últimas apresentações hoje, 20h e amanhã, 21h. Com o Wooster Group (Cynthia Hedstrom, Dave Shelley, Clayton Hapaz, J.J., Tracy Leipold etc). Direção: Elizabeth LeCompte. Teatro Sesc Anchieta (rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, tel. 256-2322 ou 256-2281). R$30,00 (50% desconto para comerciários). Duração: 95 minutos.