Reportagem
O Magiluth está em crise existencial. Individualmente, a crise dos 30 anos remexe com a cabeça do elenco; e, coletivamente, a crise dos dez anos, remexe com as ideias do grupo. “Vivemos questionamentos de buscas e permanências”, conta o ator Giordano Castro. E se os conflitos abalam o grupo, explodiram também em cena, com nova peça, que estreia na próxima quinta, 11/6, no Recife. O ano em que sonhamos perigosamente, “a mais profunda”, como diz Giordano, de uma trajetória iniciada em 2004 e hoje uma das mais importantes da cena teatral pernambucana.
Há três anos o grupo não criava uma nova montagem. A última foi Luiz Lua Gonzaga, que estreou em dezembro de 2012, sobre o universo poético das composições do Rei do Baião. Meses antes, os atores encenaram uma versão premiada de Viúva, porém honesta, de Nelson Rodrigues.
Agora, a imersão é bem mais profunda. “Criamos um público cativado pelos estilos das peças anteriores. Com Aquilo que meu olhar guardou pra você (2012), falamos das delicadezas; em Viúva, usamos a brincadeira de cena; e em Luiz, a afetividade. Desta vez, vamos ser duros e bem difíceis”, afirma Giordano.
O novo espetáculo “magiluthiano” é uma ideia que surgiu em 2013, e foi maturada aos poucos, entre as tantas viagens que o grupo fez, nos últimos anos, encenando seu repertório de peças pelo Brasil. Metafórica, a montagem lança olhar sobre a realidade conflituosa do mundo, das crises econômicas às desconformidades, para refletir sobre o teatro e a coletividade. “Cinco homens treinam. Buscam novas formas e composições de/para construir algo belo, algo que ainda não se sabe o nome. A ação, por si mesma e em si mesma, não muda. As pessoas, sim. As pessoas dançam”, está escrito no texto de apresentação.
É uma peça ‘dedo na ferida’. Vamos propor sensações para pensar sobre o caos – e nem a gente tem essas respostas
Tomando como bases o cinema do ácido diretor grego Yorgos Lanthimos (vencedor do Prêmio do Júri, em Cannes, no mês passado, com o filme A lagosta) e o livro O ano em que sonhamos perigosamente, do filósofo esloveno Slavoj Žižek, o texto discute as dicotomias e a angústia que pairam a sociedade atual.
“Yorgos usa a família, o poder e paternidade para falar da crise grega e dos movimentos de emancipação. Já Žižek pensa sobre a crise do capitalismo, as falências dos moldes capitalistas”, diz Giordano. “Na peça, queremos falar das ocupações, da arbitrariedade, de um déspota morto. Enquanto o país se mata por dinheiro, a gente se mata para fazer teatro”, brinca Giordano Castro, que assina a dramaturgia com Pedro Wagner.
Engajado nos movimentos questionadores que surgem em Pernambuco, o elenco do Magiluth tomou como inspiração, entre outras situações, o Ocupe Estelita. “É inegável o quanto ele é fundamental para nós. A cidade, nos último dois anos, reviu sua maneira de questionar os governos e os poderes.”
“É uma peça ‘dedo na ferida’”, resume Giordano. “Vamos propor sensações para pensar sobre o caos – e nem a gente tem essas respostas”, conta o ator. Para o Magiluth, O ano em que sonhamos perigosamente é uma obra aberta a múltiplas interpretações, um ensaio de resistência ético-estético-político.
Além de Giordano, a peça tem no elenco Erivaldo Oliveira, Mário Sergio Cabral, Pedro Wagner e Thiago Liberdade – que volta oficialmente ao elenco da companhia (ele foi um dos fundadores do Magiluth). A direção é de Pedro Wagner. Lucas Torres assina a produção e Pedro Vilela, o desenho de luz.
Criada com patrocínio do Prêmio Myriam Muniz, a peça é a primeira de duas que o grupo vai estrear em 2015. Em outubro, os atores lançam Sobre a felicidade (nome provisório), em parceria com o a companhia portuguesa Mala Voadora.
“Menos afetuosa e mais violenta.” É assim que o diretor Pedro Wagner define O ano em que sonhamos perigosamente. Um dos mais expressivos atores do Magiluth, o rapaz volta a assumir a direção de uma montagem do grupo, cinco anos depois.
Em 2010, Pedro dirigiu O torto, marco na trajetória de pesquisa do grupo, símbolo da “quebra” de uma estética que vinha sendo criada pelos jovens atores, e novo norte para o que eles chamam de “jogo teatral”.
Agora, no novo espetáculo, a promessa é de uma nova quebra. “Deixamos de lado o estilo aristotélico (representativo, com uma trama de início, meio e fim) para assumir o pensamento de (Gilles) Deleuze (filósofo francês, com pensamento mais político), para quem ‘a arte está em todas as coisas naturais’”, explica o diretor.
Pedro Wagner diz que sua direção é erguida por um processo provocativo. “Não me interessa a racionalidade. No Magiluth, não interessa a interpretação, mas a presentificação do ator. Não estamos ali interpretando uma sentimento. Estamos ali.”
A acidez do novo espetáculo, conta Pedro, deve causar estranhamento ao público mais acostumado com a “delicadeza” das outras peças do Magiluth. Na última quinta-feira, o grupo fez um ensaio aberto e, afirma, o diretor, deixou muita gente tonta. “É uma peça desagradável”, provoca.
.:. Publicado originalmente no Jornal do Commerecio, Caderno C, p. 1, em 8/6/2015.
Serviço:
Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife, tel. 81 3355-3320)
Quando: Quinta a sexta-feirra, às 20h. Estreia dia 11/6. Até 26/6.
Quanto: R$ 20
Ficha técnica:
Direção: Pedro Wagner
Dramaturgia: Giordano Castro e Pedro Wagner
Com: Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Mário Sergio Cabral, Pedro Wagner e Thiago Liberdade
Preparação corporal: Flávia Pinheiro
Desenho de som: Leandro Oliván
Desenho de luz: Pedro Vilela
Direção de arte: Flávia Pinheiro
Fotografia: Renata Pires
Design gráfico: Thiago Liberdade
Caixas de som: Emanuel Rangel, Jeffeson Mandu e Leandro Oliván
Técnico: Lucas Torres
Realização: Grupo Magiluth
Formou-se em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e cursa o mestrado em Artes Cênicas na Universidade Estadual Paulista (Unesp), desenvolvendo uma pesquisa sobre masculinidade no teatro, com foco na obra do Grupo Magiluth. Escreve para a Folha de S. Paulo, UOL Entretenimento e revista Continente. Foi repórter de cultura do Jornal do Commercio, de 2011 a 2016, e titular do blog e da coluna Terceiro Ato. Integrou o núcleo de pesquisa da Ocupação Laura Cardoso (2017), do Itaú Cultural. Coordena a equipe de comunicação da SP Escola de Teatro. E é membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro (AICT-IACT).