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O Diário de Mogi

“O Capeta” azucrina praça da Matriz

15.12.1991  |  por Valmir Santos

O Diário de Mogi – Domingo, 15 de dezembro de 1991 – Local – Página 6

VALMIR SANTOS 

Um cavalo provido de cabeça humana casou-se ontem com uma moça acometida pela doença do coqueiro — mais para girafa —, filha do cangaceiro António das Almas. O enlace aconteceu em frente à Igreja Matriz. Antes das pazes, porém, houve muita confusão. Quem passou pela praça Coronel Almeida a partir das 12 horas viu de perto as armações de uma bruxa escatológica tentando azucrinar o pacato cotidiano de uma cidade de Pernambuco. Eram os 18 integrantes do grupo Teatro da Universidade de Mogi das Cruzes, o Tumc, encenando “O Capeta de Caruaru”, de Aldomar Conrado.

Sob a direção de Adamilton Andreucci Torres, 38 anos, o Tumc optou por levar o teatro às ruas e praças públicas na passagem dos seus dez anos de existência (veja o box). “O Capeta de Caruaru” encerra a trilogia iniciada em 89 com “A Cara Nossa de Cada Dia”, seguida por “Cenas em Cena”, apresentada na UMC no final do ano passado, com participação especial do grupo folclórico Meninos da Porteira, de Sabaúna.

Por l hora e 20 minutos a praça Coronel Almeida serviu de território-limite de Caruaru.   O   cenário, resumido num painel de pano de cerca de oito metros de largura, lembrando o formato de uma casa, traz os indícios da caatinga nordestina: o sol abrasador, o cacto ressecado, a mula esquelética e a pequena igreja, símbolo da fé daqueles que só deixam   o cariri no último pau-de-arara.

O prefeito António Cipriano e o padre Damião — que também passam, respectivamente, pelo beberrão Chico e o caipira Piu — são o pivô da história. A troca de personagens confunde os moradores. Dona Cosma está preocupada com o marido que transou com uma égua, dando origem ao cavalo de cabeça de gente. Este se apaixona pela moça que não pára de crescer e já está com a cabeça ao nível das telhas da casa. O pai, António das Almas, reivindica fervorosamente, junto à prefeitura local, um guindaste para que a filha possa se locomover. Eis os fenômenos absurdos que indicam a presença do capeta em Caruaru. Tudo, é claro, pincelado pelo humor escrachado dos nordestinos, profundos amantes da superstição.

 

Muitos assistiram teatro pela primeira vez na vida

A apresentação do Tumc foi marcada pela descontração. Meia hora antes do início do espetáculo, as pessoas olhavam curiosas o elenco que se maquiava e vestia a roupa de cena. Com o cenário colorido, de autoria do artista plástico Ulisses Torraga Miranda Bruno, tudo exalava teatro. Aos poucos, o público se acomodou e estava formada a roda — o palco da rua ou, no caso, da praça.

Muitos assistiam a uma peça pela primeira vez na vida. “Estava passando por aqui e resolvi apreciar. É tudo muito bonito”, disse o ajudante-geral João de Assis Siqueira, 52 anos, emocionado com a arte cênica que nunca assistiu “por falta de tempo e muito trabalho”.

A escriturária Luciana de Moraes, 21 anos, chegou na metade de “O Capeta de Caruaru” e diz que foi “pega” pela energia transmitida pelos atores do Tumc. “É difícil acompanhar teatro em Mogi”, lamenta. “Felizmente, ainda temos o Tumc por aqui.”

Crianças, acompanhada pelos pais assistiam à apresentação, sorridentes. A Bruxa horrorosa, por incrível que pareça, era o personagem que mais provocava risos. “Esse pessoal é muito divertido. Tem tudo para fazer sucesso”, comenta o garoto Ricardo Vieira dos Santos, 16 anos, que já havia conferido a peça na praça João Pessoa, no sábado passado.

“E o primeiro espetáculo que assisto. É um barato”, elogia.

 

Tumc faz público soltar risos e cumpre seu papel

De antemão, o teatro é das manifestações culturais que mais interfere nas transformações sociais. Quando ele é levado às ruas, às praças públicas — chega às pessoas que por “n” motivos jamais pisaram nos acarpetados teatros tradicionais— então ele assume proporções ainda maiores.

O Tumc fecha os seus dez anos de vida com chave de ouro. “O Capeta de Caruaru” disse a que veio. O público riu o tempo todo. A peça de Aldomar Conrado foi feita para isso. Mas o escracho recheado com pitadas de LBA e crise econômica fica ainda mais interessante.

Sob um sol comportado, comparando-se com a temperatura dos últimos dias, o elenco suou a camisa mais uma vez. Com idades que variam de 19 a 30 anos, são todos estudantes ou ex da UMC. Compartilham os estudos com os ensaios. Adamilton os preparou muito bem. Na verdade, o Tumc tem uma característica que o difere de um grupo de teatro convencional: é um conjunto de pessoas umbilicadas pelo coleguismo de escola. Mas a amizade transcende e faz com que continue entre aqueles que já concluíram os estudos.

 

Uma década em cena

1981  – “O Planeta dos Palhaços”, de Pascoal Lourenço Teudesch, e “Pluft, o Fantasminha”,  de Maria Clara Machado.

1982  – “A   Bruxinha Que   Era   Boa”,   de   Maria Clara   Machado,    e “Uma Chama de Luz”, de Botira Camorin.

1983   –   “Uma Luz no Céu”, de Jane Gatt.

1984   –   “Pluft, o Fantasminha   de   Maria   Clara Machado no Século da Te-le-Visão    do  Pessoal do Tumc”,  uma  adaptação anarquista de  Ademilton Andreucci Torres.

1985   – “A Vida Escrachada de Joana Martins e Baby Stompanato”, de Bráulio Pedroso.

1986/87 – “Uma Eleição em Bruxópolis”, do mogiano Denerjânio Tavares de Lyra.

1989   –  “A Cara Nossa de   Cada   Dia”,   montagem coletiva do Tumc,  a partir da    poética    dos    próprios atores.

1990  –  “Cenas em Cena”, montagem coletiva do grupo, com colagem de textos de  Brecht,  Peter Weiss, Oswald de Andrade e Nelson Rodrigues. Participação especial do grupo folclórico Meninos da Porteira, de Sabaúna.

  

 

 

Sob a direção de Adamilton Andreucci Torres, 38 anos, o Tumc optou por levar o teatro às ruas e praças públicas na passagem dos seus dez anos de existência (veja o box). “O Capeta de Caruaru” encerra a trilogia iniciada em 89 com “A Cara Nossa de Cada Dia”, seguida por “Cenas em Cena”, apresentada na UMC no final do ano passado, com participação especial do grupo folclórico Meninos da Porteira, de Sabaúna.
Por l hora e 20 minutos a praça Coronel Almeida serviu de território-limite de Caruaru.   O   cenário, resumido num painel de pano de cerca de oito metros de largura, lembrando o formato de uma casa, traz os indícios da caatinga nordestina: o sol abrasador, o cacto ressecado, a mula esquelética e a pequena igreja, símbolo da fé daqueles que só deixam   o cariri no último pau-de-arara.
O prefeito António Cipriano e o padre Damião — que também passam, respectivamente, pelo beberrão Chico e o caipira Piu — são o pivô da história. A troca de personagens confunde os moradores. Dona Cosma está preocupada com o marido que transou com uma égua, dando origem ao cavalo de cabeça de gente. Este se apaixona pela moça que não pára de crescer e já está com a cabeça ao nível das telhas da casa. O pai, António das Almas, reivindica fervorosamente, junto à prefeitura local, um guindaste para que a filha possa se locomover. Eis os fenômenos absurdos que indicam a presença do capeta em Caruaru. Tudo, é claro, pincelado pelo humor escrachado dos nordestinos, profundos amantes da superstição.Um cavalo provido de cabeça humana casou-se ontem com uma moça acometida pela doença do coqueiro — mais para girafa —, filha do cangaceiro António das Almas. O enlace aconteceu em frente à Igreja Matriz. Antes das pazes, porém, houve muita confusão. Quem passou pela praça Coronel Almeida a partir das 12 horas viu de perto as armações de uma bruxa escatológica tentando azucrinar o pacato cotidiano de uma cidade de Pernambuco. Eram os 18 integrantes do grupo Teatro da Universidade de Mogi das Cruzes, o Tumc, encenando “O Capeta de Caruaru”, de Aldomar Conrado.Sob a direção de Adamilton Andreucci Torres, 38 anos, o Tumc optou por levar o teatro às ruas e praças públicas na passagem dos seus dez anos de existência (veja o box). “O Capeta de Caruaru” encerra a trilogia iniciada em 89 com “A Cara Nossa de Cada Dia”, seguida por “Cenas em Cena”, apresentada na UMC no final do ano passado, com participação especial do grupo folclórico Meninos da Porteira, de Sabaúna.Por l hora e 20 minutos a praça Coronel Almeida serviu de território-limite de Caruaru.   O   cenário, resumido num painel de pano de cerca de oito metros de largura, lembrando o formato de uma casa, traz os indícios da caatinga nordestina: o sol abrasador, o cacto ressecado, a mula esquelética e a pequena igreja, símbolo da fé daqueles que só deixam   o cariri no último pau-de-arara.O prefeito António Cipriano e o padre Damião — que também passam, respectivamente, pelo beberrão Chico e o caipira Piu — são o pivô da história. A troca de personagens confunde os moradores. Dona Cosma está preocupada com o marido que transou com uma égua, dando origem ao cavalo de cabeça de gente. Este se apaixona pela moça que não pára de crescer e já está com a cabeça ao nível das telhas da casa. O pai, António das Almas, reivindica fervorosamente, junto à prefeitura local, um guindaste para que a filha possa se locomover. Eis os fenômenos absurdos que indicam a presença do capeta em Caruaru. Tudo, é claro, pincelado pelo humor escrachado dos nordestinos, profundos amantes da superstição.

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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