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O Diário de Mogi

Kazuo Ohno sensibiliza a vida no palco

2.7.1992  |  por Valmir Santos

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 02 de julho de 1992.   Caderno A – capa

Aos 86 anos, o criador do butô traz dois espetáculos ao Brasil e continua dançando como uma criança

VALMIR SANTOS 

A leveza do ser é sustentável. O japonês Kazuo Ohno, criador da dança butô, prova isso no palco. Seus movimentos lentos conectam o homem ao espaço, ao meio. É uma interação. Nos espetáculos, paira a sensação de que este velho de 86 anos revisita a infância o tempo todo. “O estado ideal do homem é a posição fetal, onde se mantém tranqüilo e vive em harmonia com tudo que está em sua volta”. O corpo de Kazuo é lúdico. Pés e mãos, as duas palavras que significam butô, se avolumam em cada gesto. Quem o vê dançando não esquece. Guarda consigo a poção mágica da vida: cuidar muito bem do coração e do espírito, como costuma orientar o mestre.

É assim que Kazuo Ohno se encontra novamente entre nós. Sua primeira apresentação no Brasil ocorreu em 1986, em São Paulo. Ele voltou semana passada, no Festival Internacional de Londrina (PR). Dançou em Santo André e deve ir para Belo Horizonte  (MG). Junto com seu filho, Yoshito Ohno, 53 anos, trouxe dois espetáculos: “Water Lilies” (ou “Lírios D’água) e “Ka Cho Fu Getsu” (“Flores, Pássaros, Vento e Lua”). O segundo é a mais recente montagem da Kazuo Ohno Dance Company, formada pelo pai e filho. “Ka Cho Fu Getsu” é a integração da alma e da natureza. Nele, o mestre do butô lida com dois extremos da existência: vida e morte. Quando a mulher dá a luz um bebê, está caminhando para a morte ao mesmo tempo em que gera uma nova vida. Sobre põem-se o fim e o começo. “A loucura extrema da loucura: a vida renasce como uma nova vida através da morte”, deduz Kazuo. Em “Water Lilies”, o dançarino, como prefere ser tratado, ao invés de ator, mergulha no universo sensorial. Inspirado no pintor francês Monet, usou toda sua experiência de vida artística como rascunho para criar um mundo de transparência, de realidade e fantasia, flutuando da beleza. “Com a ajuda de Monet, eu me libertei da forma e encontrei aquilo que repousa na Terra e no Cosmos: o lírio d’água”, conta.

Ademais, fica difícil falar sobre os trabalhos. Tem dança, teatro, mímica. O cenário não existe, o palco fica nu. A partir dos movimentos de Kazuo e Yoshito, o espectador consegue desenhar uma paisagem, fruto de sua própria experiência de vida. O butô permite isso, É o vazio onde o observador consegue preencher, dispor sua emoção. Mãos e pés, as extremidades do corpo, transmitem poesia. É o belo superando com muito esforço a realidade.

 

Espírito comanda o corpo na dança

Na dança butô, o espírito comanda o corpo (pés e mãos). A concepção nasceu no final da década de 50, quando Kazuo Ohno atuou em “Kinjiki”, escrita por Mishima Yukio, que cometeu o haraquiri. Kazuo descobriu o butô ao lado do amigo e colaborador Tatsumi Hijikata. O mestre começou a dançar aos 28 anos, influenciado por um espetáculo da bailarina argentina Antônia Marcé. Aos 86 anos, ele diz que continua criando movimentos só possíveis de serem realizados nesta idade. Apesar das limitações físicas, flutua no palco.
“Sou este velho que acumula experiência e não fica quieto, sem se manifestar, sem transmitir sua arte”, filosofa.

 

 

 

 

 

 

 

Sob a direção de Adamilton Andreucci Torres, 38 anos, o Tumc optou por levar o teatro às ruas e praças públicas na passagem dos seus dez anos de existência (veja o box). “O Capeta de Caruaru” encerra a trilogia iniciada em 89 com “A Cara Nossa de Cada Dia”, seguida por “Cenas em Cena”, apresentada na UMC no final do ano passado, com participação especial do grupo folclórico Meninos da Porteira, de Sabaúna.
Por l hora e 20 minutos a praça Coronel Almeida serviu de território-limite de Caruaru.   O   cenário, resumido num painel de pano de cerca de oito metros de largura, lembrando o formato de uma casa, traz os indícios da caatinga nordestina: o sol abrasador, o cacto ressecado, a mula esquelética e a pequena igreja, símbolo da fé daqueles que só deixam   o cariri no último pau-de-arara.
O prefeito António Cipriano e o padre Damião — que também passam, respectivamente, pelo beberrão Chico e o caipira Piu — são o pivô da história. A troca de personagens confunde os moradores. Dona Cosma está preocupada com o marido que transou com uma égua, dando origem ao cavalo de cabeça de gente. Este se apaixona pela moça que não pára de crescer e já está com a cabeça ao nível das telhas da casa. O pai, António das Almas, reivindica fervorosamente, junto à prefeitura local, um guindaste para que a filha possa se locomover. Eis os fenômenos absurdos que indicam a presença do capeta em Caruaru. Tudo, é claro, pincelado pelo humor escrachado dos nordestinos, profundos amantes da superstição.Um cavalo provido de cabeça humana casou-se ontem com uma moça acometida pela doença do coqueiro — mais para girafa —, filha do cangaceiro António das Almas. O enlace aconteceu em frente à Igreja Matriz. Antes das pazes, porém, houve muita confusão. Quem passou pela praça Coronel Almeida a partir das 12 horas viu de perto as armações de uma bruxa escatológica tentando azucrinar o pacato cotidiano de uma cidade de Pernambuco. Eram os 18 integrantes do grupo Teatro da Universidade de Mogi das Cruzes, o Tumc, encenando “O Capeta de Caruaru”, de Aldomar Conrado.Sob a direção de Adamilton Andreucci Torres, 38 anos, o Tumc optou por levar o teatro às ruas e praças públicas na passagem dos seus dez anos de existência (veja o box). “O Capeta de Caruaru” encerra a trilogia iniciada em 89 com “A Cara Nossa de Cada Dia”, seguida por “Cenas em Cena”, apresentada na UMC no final do ano passado, com participação especial do grupo folclórico Meninos da Porteira, de Sabaúna.Por l hora e 20 minutos a praça Coronel Almeida serviu de território-limite de Caruaru.   O   cenário, resumido num painel de pano de cerca de oito metros de largura, lembrando o formato de uma casa, traz os indícios da caatinga nordestina: o sol abrasador, o cacto ressecado, a mula esquelética e a pequena igreja, símbolo da fé daqueles que só deixam   o cariri no último pau-de-arara.O prefeito António Cipriano e o padre Damião — que também passam, respectivamente, pelo beberrão Chico e o caipira Piu — são o pivô da história. A troca de personagens confunde os moradores. Dona Cosma está preocupada com o marido que transou com uma égua, dando origem ao cavalo de cabeça de gente. Este se apaixona pela moça que não pára de crescer e já está com a cabeça ao nível das telhas da casa. O pai, António das Almas, reivindica fervorosamente, junto à prefeitura local, um guindaste para que a filha possa se locomover. Eis os fenômenos absurdos que indicam a presença do capeta em Caruaru. Tudo, é claro, pincelado pelo humor escrachado dos nordestinos, profundos amantes da superstição.

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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