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O Diário de Mogi

Lino Rojas vive à margem do “teatrão”

23.7.1992  |  por Valmir Santos

O Diário de Mogi – Quinta-feira, 23 de julho de 1992.  Caderno A – capa

VALMIR SANTOS 

 

Quando chegou ao Brasil, em fevereiro de 75, o diretor Lino Rojas encontrou um país em festa – era Carnaval. Vinha de uma situação nada alentadora. O Peru, onde nasceu há 49 anos, vivi intensa convulsão político-social, culminando em exílio de várias personalidades. Ele foi uma delas.

Lino Rojas não tem mídia. “Sou um ser que vive à margem, me sinto cômodo nela; há muita badalação no centro e isso não me interessa”, avisa. Lecionou na USP, onde dirigiu o grupo Tetra, formado por estudantes dos mais variados cursos. De 87 a 90, foi contratado pela Secretaria Estadual de Cultura para coordenar o projeto Teatro Comunitário na Unesp de Marília (SP). Paralelamente, deu oficinas de iniciação em São Miguel Paulista, onde nasceu seu grupo atual, o Pombas Urbanas.

Até o final do ano, monta “O Funâmbulo”, baseado em texto homônimo de Jean Genet. Em 91, o Pombas ganhou cinco prêmios no Festival da Cidade de São Paulo com a peça “Os Tronconenses”, apresentada em Mogi em abril último. Em entrevista, Rojas fala de sua razão de ser: o teatro.

 

O Diário – Afinal, o que é funâmbulo?

Lino Rojas – De acordo com o Aurélio, a palavra significa o indivíduo que volteia na corda bamba, no arame. “O Funâmbulo” é o nome do livro de Genet. Na minha concepção, trata-se do irmão maior de “Os Tronconenses”. É a história de um menino que cresce no palco até transformar-se em artista, um palhaço livre que sente necessidade de amor, de sensibilidade, de honestidade. Genet é um estímulo para mim, que vivo a condição de artista. Quando li “O Funâmbulo” pela primeira vez, tremia a noite inteira devido à profundidade do texto.

 

O Diário – Quando estréia a peça?

Rojas – Ainda este ano. Dependemos de apoio para montagem. Por enquanto, nos dedicamos aos ensaios no Tendal da Lapa, em São Paulo.

 

O Diário – Ano passado, o Pombas Urbanas subiu ao palco pela primeira vez e recebeu cinco prêmios no Festival da Cidade de São Paulo. É um grupo que promete, não?

Rojas – Não é pretensão, mas pelos trinta anos de experiência no teatro, sinto que o grupo possui jovens que, se lapidados, darão ótimos resultados. No momento, estamos na fase de reconhecimento externo do corpo e seus instrumentos, como espaço e gesto. Quero atingir a verdade, a cultura do ator. Ao mesmo tempo, trabalhamos a voz, a sonoridade. Afinal, voz é músculo.

 

O Diário – Como é fazer teatro com jovens, sem apoio financeiro e, ainda por cima, numa região carente de cultura, São Miguel?

Rojas – A gente tem que fazer milagre. Pessoalmente, vivo de bicos. Estou ligado ao Greenpeace para coordenação de eventos culturais no Brasil. Mas não é nada fixo. Acho terrível que o teatro neste País esteja ligado estruturalmente ao poder. Parece um mendigo diante das secretarias de Cultura. Uma estrutura que não permite a existência do verdadeiro artista.

 

O Diário – Mas como é esse artista?

Rojas – É um artista que anda sem parar. Caminhando, se faz o caminho. Andar e, quem sabe, criar asas e voar também.

 

O Diário –  Escola forma ator?

Rojas – É muito difícil você explicar para o padeiro que ele não deve confeccionar pães com peso inferior ao exigido; pedir para o Ministério da Economia não reajustar mais o leite, porque isso provoca a morte de molhares de crianças. Assim são atores de escolas de formação: não têm consciência de que tudo que aprendeu não serve como instrumento de trabalho. Semana passada, encontrei com Antunes e ele sugeriu que fosse jogada uma bomba em todas as escolas do País. Concordo com ele.

 

O Diário – Apesar da tempestade, é possível identificar alguma saída para o teatro?

Rojas – Uma delas seria de grupos de atores que ajam coletivamente, transferindo energias, forças, conhecimentos que possam contribuir para o surgimento de um novo teatro no Brasil. A noção de grupo foi diluída nos últimos tempos, sobretudo por causa do violento incentivo ao individualismo. Culpa também das escolas de teatro que estão aí.

 

O Diário – Dos trabalhos dos diretores, o que o senhor destacaria?

Rojas – No Brasil, respeito nomes como Amir Haddad, que desenvolve um pesquisa de teatro de rua no Rio; e Antunes Filho, esse bruxo a quem amo e odeio.

 

O Diário – Como está o teatro latino hoje?

Rojas – Percebe-se uma relação muito fecunda com importantes nomes europeus. Miguel Rubbio (grupo peruano Yayachkani, do qual fiz parte da fundação, em 71); Enrique Buenaventura (Teatro Experimental de Cali, na Colômbia) e Maria Escudeiro (Libre Teatro Libre, da Argentina) têm muita influência de Eugênio Barba e Jerzy Grotowski, por exemplo.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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