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O Diário de Mogi

“Noviças Rebeldes” une Bahia e Broadway

12.3.1996  |  por Valmir Santos

O Diário de Mogi – Terça-feira, 12 de março de 1996.   Caderno A – 3

 

VALMIR SANTOS

 

Uma mistura de Bahia com Off Broadway. São Paulo vai cair na gargalhada a partir de Quinta-feira. A Companhia Baiana de Patifarias, aquela que arrebatou público e crítica com o fenômeno “A Bofetada”, volta com o musical “Noviças Rebeldes”. Segundo Lélio Filho, 33 anos, na Patifarias desde o início, há nove, até padre e freira já assistiram à comédia e não se intimidaram com passagens “picantes”. “Noviças Rebeldes” cumpriu temporada de um ano em Salvador. A companhia é testa-de-ferro do teatro baiano, que aporta nos anos 90 com inventividade no eixo Rio-São Paulo. Wolf Maia dirige o mesmo espetáculo montado por ele no final da década de 80. Desta vez, porém, os personagens femininos são interpretados pelo quinteto masculino. A seguir,  a entrevista de Lélio Filho a O Diário.

 

O Diário – Como você analisa a trajetória da Companhia de Patifarias, desde a primeira peça, “Abafabanca”, há nove anos, passando por “A Bofetada” e agora com o musical “Noviças Rebeldes”?

Lélio Filho – Parece óbvio, mas encaro como amadurecimento. Isso faz parte de qualquer grupo, mas no nosso caso, trata-se de uma pesquisa do gênero comédia. Estamos trabalhando desde 87, quando fizemos “Abafabanca” como mambembes, no melhor sentido da palavra, com aquele artesanal. Hoje, com “Noviças”, temos um contexto mais profissional, desde o texto até a preparação dos atores, que trabalharam canto, dança, sapateado.

O Diário – Mas aquele sentido artesanal, de criação coletiva, que norteava o início da companhia, de certa forma continua?

Lélio – É claro, sempre vamos trazer isso com a gente. É uma coisa intrínseca. “Noviças”, por exemplo, tem o espírito dos musicais Off Broadway. Mas com a nossa leitura, Bahia com Broadway. O autor, Dan Goggin, teve a idéia do texto há cerca de uma década, quando acompanhou uma exposição de postais que traziam freiras em situações inusitadas, como num engarrafamento, carregando pacotes de compras ao atravessar a rua… A partir daí, saiu o texto que quebra aquela imagem sisuda das freiras, revelando-as bem humoradas, brincando com bastante humor negro.

 

O Diário – Existe um fundo feminista?

Lélio – Não acredito que seja isso. A mensagem é de libertação, de imaginar seres humanos enclausurados mas livres, numa perspectiva espiritual, humana. A gente tem esse compromisso de fazer a platéia se divertir… Praticamente, não me considero um comediante, mas um ator que no momento trabalha com comédia.

 

O Diário – Na temporada de Salvador, houve alguma perseguição por parte da Igreja?

Lélio – Por mais picantes que sejam alguns momentos, tivemos grupos de terceira idade, senhoras na platéia. Até freiras e padres, à paisana, ou mesmo um caso de uma freira, que certa noite sentou na primeira fila, com seu hábito, e aplaudiu bastante ao final. A montagem está interessada no simples prazer do riso… O picante aqui é só uma piada, não há intenção de agredir.

 

O Diário – Com “A Bofetada”, que permaneceu em cartaz por cinco anos e meio, a Patifarias foi a principal responsável pela introdução do teatro baiano na cena nacional. Já vimos Márcio Meirelles com seu Bando de Teatro do Olodum, com “Zumbi”, a atriz Rita Assemany, com “Oficina Condensada”, a diretora Carmen Paternostro… Você acha que é por aí?

Lélio – Sou suspeito para falar… Mas Salvador reconhece a importância da companhia que, desde 1987, 1988 deu uma impulsão no teatro baiano. Na época, havia um sentido muito comercial, de espetáculos com atores globais, e as pequenas produções só eram acompanhadas por um público específico. Mas felizmente houve um retomada. No ano passado, por exemplo, Salvador abriu com “Noviças Rebeldes” e fechou com uma estréia também importante, a tragédia “Othelo”, com direção de Carmen Paternostro.

 

O Diário – Com “A Bofetada”, vocês conseguiram ganhar o público de São Paulo justamente com especificidades do humor baiano. Como foi?

Lélio – Pois é, a gente conseguiu estabelecer uma comunicação com vários públicos. Isso foi muito bom, porque não esperávamos.

 

O Diário – Os cinco atores são baianos?

Lélio – Com exceção de Wilson de Santos, que nasceu em Santos (SP), eu, Fernando Mrinho, Beto Mettig e Diogo Lopes Filho somos todos nascidos na Bahia.

 

O Diário – Wolf Maia, o diretor, acompanha a estréia em São Paulo?

Lélio – Ele chega amanhã (hoje)… No final dos anos 80, ele montou “Noviças Rebeldes” com atrizes no elenco. Agora, se junta à Patifaria para um musical interpretado somente por atores.
 

Freiras põem “demônios” para fora
A sinopse de “Noviças Rebeldes”, do americano Dan Goggin, dá bem a medida do que se verá no palco, sob os auspícios da Companhia baiana de Patifarias.
 

Ao participarem de uma noitada de bingo, as freiras do convento Salue-Marie acabam vítimas de botulismo (envenenamento alimentar), depois da sopa.

Resta às cinco sobreviventes enterrar as companhias, com as economias do convento. Antes da empreitada, a madre superiora, Irmã Gardênia (Fernando Marinho), resolve fazer um grande sonho do consumo: a compra de um vídeo-cassete.

Acaba, porém, zerando as economias do convento. A solução encontrada é colocá-las num freezer e realizar um show beneficente, cuja verba será  revertida em prol do enterro decente.

Ao serem informadas da decisão sobre o show, cada uma começa a preparar seu “número”: irmãs Amnésia (Lélio Filho), José (Wilson de Santos), Léo (Beto Mettig) e Frida (Diogo Lopes Filho).

É o suficiente para as irmãs do Salue Marie botarem os seus “demônios” para fora. Daí em diante, sucedem-se cenas de dança, canto e interpretação com grandes revelações sobre as personalidades das freiras do convento.

O improviso, marca registrada da companhia em “A Bofetada”, está mais contido. Afinal, “Noviças Rebeldes” tem início, meio e fim. Foram acrescentados cenários e iluminação incrementada, aulas de canto, dança e sapateado.

A tônica profissional alterna, segundo o material de divulgação distribuído à Imprensa, momentos hilariantes com números musicais e cenas de religiosidade.

 

Noviças Rebeldes – De Dan Goggin. Direção: Wolf Maia. Estréia quinta-feira, 21h. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Teatro Imprensa (rua Jaceguai, 400, Bela Vista, tel. 239-4203). R$ 15,00 (quinta), R$ 20,00 (sexta e domingo) e R$ 25,00 (sábado). 120 minutos. Até junho.

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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