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O Diário de Mogi

Deschamps desmonta vida moderna

31.8.1996  |  por Valmir Santos

O Diário de Mogi – Sexta-feira, 31 de agosto de 1996.   Caderno A 

 

Ator e diretor francês encanta com sua companhia em “Les Frères Zénith”, destaque do Festival Internacional de Artes Cênicas
 

VALMIR SANTOS

 

 

Para quem tinha dúvidas quanto à excelência do predomínio do teatro francês na programação do 6° Festival Internacional de Artes Cênicas (Fiac), os três primeiros espetáculos superaram todas. Depois de “Decodex”, com a companhia de Philippe Decouflé, e de “Canard Pékinois”, com Josef Nadj e seu Centro Coreográfico Nacional, agora é a vez da trupe de Jérôme Deschamps em “Les Frères Zénith” arrebatar em cena.

Em cartaz no Teatro Sesc Anchieta, “Les Frères Zénith” é uma delicada comédia que traz à tona elementos da pantomima, do clown, do circo, enfim, celebrando o universo onírico, ainda que apresentando tem tão difícil.

Na verdade, a comicidade explícita do quarteto Jean-Marc Bihour, Philippe Duquesne, François Morel e do próprio Deschamps aponta para uma crítica à sociedade de consumo e ao mecanismo da vida moderna.

A engenhosidade do cenário sugere um canteiro de obras, com toda rusticidade do espaço. Os personagens de “Les Frères Zénith” são como mendigos, peões de obras que constroem um mundo particular de brincadeiras. Nus de máscaras sociais, eles se empenham na arte de jogar, de interpretar com a multiplicidade dos saltimbancos (cantam, dançam, tocam…).

O gestual requintado e as gags – a la Chaplin ou Buster Keaton – compõem a originalidade de um trabalho intenso e encantador.

Quem viu “Canard Pékinois” tem chance de conferir mais um trabalho do diretor Josef Nadj. Agora, além da dança-teatro, ele soma a linguagem circense da Compagne Anomalie em “Le Cri Du Caméleon”. O espaço aéreo é explorado com números de acrobacia para um enredo inspirado em “O Supermacho”, texto de Alfred Jarry (“Ubu”).

 

Les Frères Zénith – Com Jérôme Deschamps e Companhia. Últimas apresentações hoje e amanhã. Teatro SESC Anchieta (rua Dr. Vila Nova, 245, tel. 256-2322). Le Cri Du Caméléon – Josef Nadj e Compagnie Anomalie. Últimas apresentações hoje, amanhã, 21h; e segunda, 19h. Circo Escola Picadeiro (avenida Cidade Jardim, 1.105, Itaim, tel. 829-1442). Ambos, R$ 25,00.

 

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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