O Diário de Mogi – Domingo, 05 de julho de 1998. Caderno A – 4
Comédia musical se passa num bar; deixa público à vontade e resulta em experiência rara
VALMIR SANTOS
São Paulo – A gênese do bem e do mal se equilibra na língua de Renata Zhanetta. Ou melhor, desliza pelo seu corpo lascivo, irradia para a platéia embevecida. Sua encarnação da deusa Lilith em “Cantos Peregrino” é dos momentos luminosos que só o teatro sabe proporcionar.
E não o seria, com certeza, sem a participação de um elenco não menos afinado com a comédia musical de José Antônio de Souza. Cada um em sua medida, quer atuando, cantando ou tocando algum instrumento – ou ainda fazendo as duas coisas -, Rafael Leite, Rogério Bandeira, Luiz Montes e Dagoberto Feliz transformam a montagem em experiência única.
O clima de taberna se instala completamente no bar localizado no saguão do Teatro Ruth Escobar. Ao contrário, das filas convencionais, aqui a platéia permanece distribuída em mesas, descendo bebida goela abaixo ou fumando à vontade. O horário das sessões – sempre à meia-noite – colabora ainda mais para o cordão intimista. (Não se cobra ingresso, mas pede-se uma colaboração do espectador, ao final, conforme seu entusiasmo e bolso).
“Cantos Peregrinos” rompe a dicotomia bem/mal para trazer à tona o céu e o inferno que habita o coração de cada um. Há uma humanização sensível de Deus (Feliz) e de Lúcifer (Bandeira), por surpreendente que seja, expondo esses entes como meros mortais, sujeitos às vicissitudes de toda sorte.
Lilith é quem mede as forças e, no fundo, faz valer as suas próprias no embate entre Deus e Lúcifer, ambos prostados diante da musa comum.
O “trio de velhos flutuantes” espelha o triângulo que os seres humanos carregam como cruz, graças à moral religiosa. O que o autor faz é uma ode à liberdade bruta e possível, sim, mas há anos luz do que se concebe o viver.
Não é à toa que o teatro, a música, a poesia, a arte em si, representam searas em que o conteúdo humano resplandece na sua essência mais palpável. A noitada de “Cantos Peregrinos” atinge esse estado de imanência, de bem-estar entre os seus, de comunhão de vida no riso solto e no canto suave.
Põe-se um pé na realidade, com seu Muro de Berlim, sua pseudo-nova ordem mundial, o velho truque da porta do aeroporto como única saída diante do avanço da esquerda, enfim, mas trata-se de um pé na realidade que não está dissociado da alegria de viver (a conjugação insistente do verbo reflete a natureza do espetáculo) – fim último a que deveria ser condenado todo ser vivo.
Em sua festa dionisíaca, a comédia musical tem o mérito de não enveredar tanto pelo plano do insondável. Ao contrário, tudo se passa às claras; as palavras recebem todos os pingos nos “is”; tudo flui sem a mácula da possessão, do tangenciamento do público.
A alcova abriga Deus, Lilith e Lúcifer com harmonia celestial. Nem o “divino impostor”, nem “sua face feminina” e nem o “soberbo, orgulhoso e vaidoso” decepcionam na banda que os unem. Instigam ouvidos e olhos do espectador, envolto em uma sensualidade à flor da pele que – pasmem! – em nenhum momento abusa de mostrar a bunda, por exemplo, como se vê agora até nos programas infantis.
O furacão Lilith devassa o território de Adão e Eva, dança com a serpente, desdenha da queda do homem, brinca com fogo, cisca com Lúcifer, incita os desejos secretos de Deus e provoca um fuzuê nas certezas religiosas que continuam privando o homem de ser mais honesto com seu quinhão de maldade e bondade – um existe necessariamente em função do outro.
Renata domina a cena ao bel-prazer. Dança, canta, corre pra lá e pra cá, mas sua Lilith nunca perde o fôlego. A atriz possui o carisma de um diva de cabaré.
Dagoberto Feliz é também um grande ator. Seu Deus tem o timming certo, transita com facilidade entre o teclado, o personagem-mor e o malandro subentendido. Investe do gogó à comicidade inerente.
Rogério Bandeira é outro que não perde a deixa para o escracho com seu Lúcifer. Cabe a ele a exploração do espaço, exigindo bastante expressão corporal – o que não lhe falta. É a melhor prova de que o mal está em todo canto…
Responsáveis pela percussão e violão, Luiz Montes e Rafael Leite também não se contentam como meros coadjuvantes. Leite chega ao cúmulo de fazer uma “ponta” como Anjo Gabriel, “primeiro dedo-duro da história”. A interação deles com os demais é dinâmica e faz jus ao gênio musical.
O diretor Marco Antonio Rodrigues, que faturou o prêmio Mambembe 97 com o espetáculo, extrai uma latinidade pulsante que costuma passar ao largo da cultura brasileira. Certamente, há um tanto de indicação disso no texto de Souza, na bela trilha musical executada praticamente ao vivo. Mas a identidade do continente se expressa sobretudo no conjunto.
Quem sabe, residam aí – na veia latina e ao mesmo tempo tão nossa – o envolvimento e a paixão que “Cantos Peregrinos” desperta.
Cantos Peregrinos – De José Antônio de Souza. Direção: Marco Antônio Rodrigues. Sexta e sábado, à meia-noite. Teatro Ruth Escobar (rua dos Ingleses, 209, Bela Vista, tel. 289-2358). Entrada franca (pede-se uma contribuição ao final da apresentação). São servidos bebidas e aperitivos durante o espetáculo. Duração prevista é de 60 minutos. A peça ficará em cartaz até o próximo dia 1º de agosto.
Fraternal Cia. de Artes estaciona com “Iepe” correto
São Paulo – Já no programa do espetáculo, o autor Luís Alberto de Abreu e o diretor Ednaldo Freire assumem a mudança de rumo da Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes.
Depois da tetralogia (“O Parturião”, “O Anel de Magalão”, “Sacrafolia” e “Burundanga”) que imprimiu a marca da genuína comédia popular brasileira, a pesquisa agora estabelece uma ponte entre a cultura escandinava e a tupiniquim, com direito a uma pitada de Rabelais, influência declarada do dramaturgo.
Explica-se: a nova montagem da trupe, “Iepe”, é uma adaptação do clássico “Jeppe”, do dinamarquês Ludwig Holbert (1684-1754). O que Abreu propõe é uma espécie de globalização da veia popular.
A estrutura do texto é rica em informações universais, mas a sua concepção fica aquém do esperado.
Um dos melhores dramaturgos do País na atualidade, Abreu vem mostrando no Projeto Comédia Popular Brasileira, da Companhia Fraternal, uma habilidade peculiar em lidar com o genero.
Ele que, aliás, demonstra igual segurança com o drama, como se viu em “A Guerra Santa” e “O Livro de Jó”.
Mas o problema de “Iepe” é antes, como se disse, sua concepção. Para quem já ganhou platéias em ebulição – geralmente público que vai pela primeira vez ao teatro -, com seus tipos de forte apelo popular, como o quarteto Matias Cão, João Teité, Mateúsa e Marruá, “Iepe” representa um recuo no repertório e estanca a evolução que a companhia experimentava a cada encenação.
Trata-se da história do beberrão Iepe, maltratado pela mulher Neli e coroado rei da noite para o dia, na melhor tradução do sábio chinês que sonhou que era uma borboleta e, depois, não sabia se era ele mesmo uma borboleta sonhando que era um sábio chinês.
Os dois personagens surgem em duplo: dois atores (Gilmar Guido e Ali Saleh) interpretam o balofo Iepe, enquanto duas atrizes (Izilda Rodrigues e Mirtes Nogueira) se encarregam da buchuda Neli.
Mesmo com essa duplicidade, a dinâmica do jogo cênico, ao longo de cerca de 100 minutos, não chega aos pés da ligeireza que um Matias Cão (já interpretado pelo próprio Saleh), por exemplo, cometeu nas encenações anteriores.
A direção de Ednaldo Freire, até então projetada de dentro para fora, com o elenco em movimento de expansão, surge agora como que racionalizada, O elenco é basicamente o mesmo da tetralogia e, portanto, tem potencial suficiente para ir de encontro ao público com mais tarimba, desenvoltura; sem se deixar intimidar pelo aura amadora que ainda persiste, aqui e ali.
Em “Iepe”, tudo está tão armado em função do tempo e doespaço cênico que o brilho individual é ofuscado na interpretação. Em troca do desabuso, a contensão.
Saleh ainda se esforça, como na cena em que tenta “andar” com a barriga, com a cabeça, com o bumbum, enfim, com tudo, menos com as pernas.
Estão lá também um tanto de cacoetes, gírias e até uma dose considerada de escatologia, Porém, falta o magnetismo que a Fraternal não poupou sequer em seu dublê de auto de natal, “Sacra Folia”, um desbunde.
Os figurinos e adereços de Luis Augusto dos Santos e Fábio Lusvarghi capturam as cores da região escandinava e encontram uma fusão interessante com a perspectiva camponesa do brasileiro.
“Iepe” é, numa só palavra, um espetáculo correto, capaz de “segurar” sua platéia de estudantes – público alvo. Mas é uma merenda arroz-com-feijão. Sinceramente, o currículo da Companhia Fraternal a credencia para muito mais.
Iepe – De Ludwig Holberg. Adaptação: Luís Alberto de Abreu. Direção: Ednaldo Freire. Com Companhia Fraternal de Artes e Malas-Artes (Nilton Rosa, Edgar Campos, José Bezerra, Nelson Belintani, Fábio Visconde, Keila Redondo e outros). Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h. Teatro Ruth Escobar (rua dos Ingleses, 209, Bela Vista, tel. 289-2358). 100 minutos. R$ 10,00 (entrada franca para terceira idade). O espetáculo poderá ser visto até o dia 2 de agosto.
Curitiba – Aos 52 anos, 47 de teatro, 26 de crí¬tica, o jornalista Alberto Guzik experimenta uma situação nova em sua carreira. Às vésperas da estréia de “Um Deus Cruel”, no 60 Festival de Teatro de Curitiba, prevista para ontem, ele confes¬sou o “frio na barriga” característico dos atores.
Trata-se da sua primeira peça levada ao palco. “Acho que consegui fazer uma coisa que queria há muito tempo: uma grande declaração de amor ao teatro”, define seu texto. Não é exatamente novidade para quem debutou no romance ano passado, com “Risco de Vida”, também uma futura adaptação de Gerald Thomas – até 98. Dos mais influentes da cena brasileira contemporânea, o crítico do “Jornal da Tarde”, que antes passou pelo “Última Hora”, de Samuel Werner, é ator formado pela atual Escola de Artes Dramáticas da USP, antes Alfredo Mesquita; pós-graduado pela ECA-USP com tese sobre o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). A seguir, Guzik fala das suas expectativas e perspectivas de autor.
O Diário – Do que trata “Um Deus Cruel”? Tem fundo autobiográfico?
Alberto Guzik – Não tem nada de autobiográfico, é um exercício de ficção. Tem a ver com minha vida no teatro. Comecei a fazer teatro com 5 anos, não parei mais. Primeiro como ator amador, depois como estudante de teatro, depois como professor, jornalista, crítico. Quer dizer, efetivamente tenho uma vida no teatro e escrevo obsessivamente sobre teatro. Então não há como não fazer essa experiência derivar quando ponho a escrever sobre teatro, em ficção. Agora, a peça não tem nada que eu pessoalmente tenha vivido. Acontece como em “Risco de Vida”, que tem uma base autobiográfica maior do que a peça, mas mesmo assim acabou sendo pequena, porque acabou uma coisa onde a ficção acabou dominando muito mais amplamente do que qualquer idéia autobiográfica ou coisa parecida. A ficção está na ponta, a ficção invade. É muito poderosa e isso que é legal, é isso que é divertido.
O Diário – Como foi a transição do crítico para a dramaturgia?
Guzik – Não é uma passagem, é uma soma, um acréscimo; eu continuo crítico, continuo escrevendo crítica e continuarei fazendo isso enquanto eu achar que estou podendo manter a minha isenção e a minha neu¬tralidade em relação aos espetáculos que vejo. O fato de estar me aproximando cada vez mais da prática do teatro não está afe tando esse outro lado. No dia que sentir que ele está sendo afetado eu paro. Acho que dei a minha contribuição para a críti¬ca brasileira, tenho 26 anos de função e acho que já foi um bom exercício. Eu gos¬to do que eu faço não pretendo pa¬rar, mas se um dia sentir que o traba¬lho está sendo afe¬tado pelo exercício da ficção, aí eu vou me afastar, é isso que tem que ser feito. Na verdade, eu acho que o grande salto eu dei quando escrevi o ro¬mance “Risco de Vida”. Desta¬pei um alçapão e deixei sair um ficcionista que estava latente lá dentro, há muitos anos. E a peça é um desdobramento do romance¬, na medida em que nasceu do interesse do Alexandre Stockler do meu romance. Ele ficou mu¬ito interessado pelo livro. Quis fazer uma adaptação teatral, mas ficou sabendo que o Gerald Thomas já estava interessado, que eu já tinha dado os direitos, e é uma adaptação que vai sair, que vai ser realizada, já estamos ¬conversando sobre isso.
O Diário – Como nasceu “Um Deus Cruel”?
Guzik – O projeto nasceu ano passado, a partir do segundo romance que estou escrevendo, que se chama “Era um palco iluminado”, a história de uma companhia de teatro São Paulo, dos anos 60 aos anos 90 – acho que um período deslumbrante e é a história da minha geração no teatro, acompanha a trajetória de uma companhia ao longo de 30 anos, com saltos no tempo, é claro, senão vai ficar do tamanho do “Em Busca do Tempo Perdido”, do Proust, como oito volumes. Vou ¬fazer um volume só, do tamanho do “Risco de Vida”; umas 500 páginas, e já estou mais ou menos na metade. Quando o Alexandre começou a me sondar para escrever um texto para ele, tinha gostado muito do risco, achei que só ia escrever a peça em 98, quando terminasse o romance, porque tinha material que podia usar, que estava sobrando, algumas variantes de personagens. E daí a coisa cami¬nhou. Houve uma série de coincidências para que a peça surgisse. Tive um computador quebra¬do em Avignon (cidade francesa que abriga um grande festival) no passado, o romance estava no computador, escrevia todo dia. Tentei recuperar o romance – num caderno escrito, mas não consegui lembrar exatamente onde tinha parado, resolvi não arriscar. Então, ficção é feito dança, é uma coisa que requer uma disciplina, você tem que se dedicar àquilo todo dia num determinado horário ou dança. Lembrei-me então de uma conversa com o Alexandre, de que se fossa escrever a peça iria começar com a frase “Como assim”, e alguém respondendo “Como assim?”. Estava na praça de Avignon, num café, e aí abri o caderno e as anotações imediatamente se tornaram falas, personagens ganharam nomes, uma situação de ensaio, um di¬retor brigando com um ator, o a¬tor não entendendo direito o que é que ele faz e a peça começou a nascer, e em dois meses estava pronta a primeira versão.
O Diário – Fale um pouco sobre a história da peça?
Guzik – Uma companhia de teatro, uma garotada que sai da universidade, de uma cidade que presume-se que seja São Paulo. Ao contrário da minha ficção, esta peça não está situa¬da em nenhum momento historicamente muito preciso, mas a problemática dela data dos anos 80 para cá. É uma época sem censura, mas com censura eco¬nômica cada vez maior e que fa¬la das atividades, das dificulda¬des e das maravilhas, de fazer teatro. São cinco atores e um di¬retor que vivem o dia-a-dia de uma companhia. Então, o que o público vai ver são pedaços de ensaios, a mecânica dos ensai¬os, os bastidores, as brigas, os e¬gos, os delírios, as vaidades, as exacerbações, a generosidade, as maravilhas, as derrotas. E a¬cho que consegui fazer uma coi¬sa que queria há muito tempo: uma grande declaração de amor ao teatro.
O Diário – Como é sua relação com a classe artística?
Guzik – Na verdade, não te¬nho amigos íntimos no teatro. Conheço todo mundo, me dou com todo mundo, mas não sou um crítico de fequentar casa. Vou a um jantar quando sou convidado, mas não sou famili¬ar das pessoas do teatro. Não é porque não gosto. Falta tempo. Em geral tendo a dormir mais cedo. Já fui muito de badalação. Tenho que escrever minha fic¬ção, trabalhar no jornal e isso toma muito tempo. Uma boa noite de sono, para ter uma boa manhã de trabalho antes de ir para a redação, porque eu escrevo de manhã antes de sair de casa, não tem o que pague. E muito mais importante que jogar conversa fora num boteco. Adoro atores, adoro diretores, adoro estar no meio deles, não tenho rigorosamente nada contra, ao contrário, mas não sou íntimo das pessoas. Nunca tive um caso de amizade tão grande com um artista que me impedisse de refletir sobre a obra dele. Quer dizer, até hoje tenho conseguido efetivamente manter essa isenção com muita tranquilidade. A crítica é um exercício de poder muito fugaz e a gente tem que saber disso com muita destrez e muita consciência do processo.
O Diário – Você chegou a viver um pouco da fase, pode-se dizer, romântica da crítica, com espaço maior nos jornais em relação ao que vemos hoje. Esse “aperto” não angustia um pouco?
Guzik – Na verdade, a gente aprende a fazer o que tem que fazer. A crítica sempre fez isso, você tem que aprender a se adaptar, o jornalismo mudou, a crítica tem que mudar. Nem eu tenho mais paciência de ficar lendo…Confesso que fiz grandes digressões sobre coisas… Era lindo, era maravilhoso, era o máximo. Você lê as críticas do Décio de Almeida Prado com um prazer extraordinário, o ho¬mem é um dos maiores estilis tas da língua, entre os autores contemporâneos. È admirável a maneira como ele escreve, in¬dependentemente de qualquer outra coisa. O único jeito de vo¬cê fazer crítica é saber que você está lá, para dar a cara pra bater e pra errar. Você erra o tempo todo, é um exercício de erro. A crítica detém um poder completamente ilusório, que é poder nenhum, na verdade você é es pancado de um lado e do outro não tem nehuma regalia, na verdade, com o fato de ser crítico. As pessoas podem achar que tem, mas não há glamour nenhum. E uma responsabilidade do tamanho de um bonde, porque o que você fala pode não levar público nenhum ao teatro, mas mexe pra danar na cabeça do artista. Então você tem que saber muito bem o que você está falando porque não é brincadeira. Acho que minha vantagem nessa passagem, se existe alguma, é que sei como a crítica é feita. Então sei como receber crítica. Já soube como receber crítica, até bordoada no romance “Risco de Vida”, espe¬ro que em “Um Deus Cruel” continue sabendo receber por que vai ser necessário. Vai ter gente que vai gostar, vai ter gente que vai odiar, vai ter gente que não vai com minha cara, então vai ter o maior prazer em revidar. Vai ter de tudo isso. A vida é isso e a gente tem que estar preparado.
O Diário – E como você es¬tá encarando a estréia?
Guzik – Estou nervoso e muito curioso. Torço muito, a cho que tem uma turma jovem, talentosa. Aposto neles. Eles estão apostando na peça. Acho este encontro de gerações maravilhoso. O Alexandre tem 23 anos, eu tenho 52. Acho o máxi¬mo isso que está acontecendo.
A gente está dando uma lição de cooperação porque no Brasil as gerações são tão comportamentadas e o trabalho entre elas tornou-se tão raro que acho que isso pode acontecer, com lucros pa¬ra ambas as partes.
Colaborou Ivana Moura, do “Diário de Pernambuco”, especial para “O Diário de Mogi”. O jornalista Valmir Santos viaja a convite do 6º FTC.
Gerald reencontra Bete Coelho em “evento”
Curitiba – Todo ano é sem¬pre igual. Foi assim, por e¬xemplo, em “Império das Meias-Verdades”, em “Nowhe¬re Man”. Gerald Thomas cercou “Os Reis do lê-lê-lê” de segre¬dinhos. Às 2 horas da madruga¬da da última sexta-feira, dia da estréia, ligou para a assessora de Imprensa do Festival de Teatro de Curitiba comunicando o adi¬amento para ontem.
Na entrevista coletiva, na tarde de quinta, já adiantava problemas com a preparação do palco e outros detalhes técnicos. “Mas o evento está pronto”, ga¬rantia após 12 dias de ensaios. “Com 53 espetáculos nas cos¬tas, 20 anos de teatro, é preciso muita razão para tomar a decisão de estrear num palco que a organização prometeu entregar na terça-feira e já está atrasado em pelo menos 36 horas”, se queixava Thomas, justificando com antecedência o adiamento.
É “evento” e não peça que marca o reencontro, cerca de seis anos depois, de Thomas com Bete Coelho, ex-primeira-atriz da Companhia de Ópera Seca. Nos últimos anos ela seguiu carreira paralela, atuando em “Rancor” e “Pentesiléias” – esta há dois anos, dividindo a direção com Daniela Thomas.
Também estão no elenco Lu¬iz Damasceno, na Ópera Seca desde o início, 11 anos atrás, e Domingos Varella; Raquel Riz¬zo, curitibana que vem desde “Unglauber”; mais o polêmico diretor e ator Dionísio Neto (“Opus Profundum” e “Perpé¬tua”) e sua primeira-atriz Rena¬ta Jesion.
Ao contrário das aparições em espetáculos anteriores, desta vez Thomas veste efetivamente a camisa de ator. “Não sou ator, mas faço papel do Gerald Tho¬mas”, ironiza. Ele define seu “evento” – que além das duas apre¬sentações no festival deve ter somente mais uma em São Pau¬lo – como um “laboratório de clonagem”.
“Não simplesmente genéti¬ca, como no caso da ovelhinha, mas clonagem semântica”, tenta explicar.
Para Thomas, a contracultu¬ra pós-anos 60, que contestava o behaviorismo, o comportamen¬to diante da sociedade, desem¬bocou “nesta ignorância, boba¬geira que começou com ‘she’s love yeah, yeah”’, na sua opini¬ão “o mais imbecil de todos os refrões”.
“Os Reis do lê-lê-lê” é uma crítica ao mundo pop, do qual os Beatles foram ícone? Sim e não. Em princípio, o “evento” não pretende dizer muito sobre os rapazes de Liverpool. Apropria-se dos nomes – Thomas é Len¬non, Bete Coelho, McCartney – e de algumas canções na trilha. Mas o encenador, que diz ter le¬vado “porrada” em Londres por não gostar do Beatles e amar os Rolling Stones, no tempo em que morou por lá, prefere desta¬car mais o “prazer do reencon¬tro” com a atriz com quem vi¬veu um affaire de quatro anos.
Em tese, não existe um fio. A sinopse que entregou para di¬vulgação, o próprio diretor con¬fessa, tem pouco ou nada a ver com o que será visto no palco. A mutação é uma das característi¬cas deste “obcecado pela for¬ma”. Thomas adora as coisas feitas pelo Homem, a beleza concreta das cidades, e dispensa as providências da natureza. Ve¬nera o asfalto, o pneu e está pre¬ocupado com quem dirige o car¬ro.
Sobre desperdiçar um bom elenco para apenas duas ou três apresentações, Thomas aponta a “efemeridade” do teatro. “Tanto faz dias ou meses”. O próximo trabalho no Brasil será em agosto, com a companhia de dança Primeiro Ato, de Belo Horizon¬te. Depois da experiência – e das divergências – com o bailarmno e coreógrafo Ivaldo Bertazzo, pa¬rece ter tomado gosto pelo mo-vimento.