Folha de S.Paulo
7.4.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 07 de abril de 2005
TEATRO
Projeto da Orquestra de Câmara da USP funde teatro e música na obra de Brecht sobre o cientista italiano
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Num momento em que a Igreja Católica passa por transição de trono, a montagem de “Galileo Galilei”, recorte do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956) para a vida do cientista italiano, parece conspiração dos deuses do teatro, da música e da física.
A saber. Na peça, também morre um papa e elege-se outro, um cardeal que vai “safar” Galilei (1564-1642) da fogueira da Inquisição, desde que recue das idéias do livro em que reafirma a teoria de Copérnico, segundo a qual a Terra gira em torno do Sol, e não o contrário, como rezavam as escrituras sagradas. Somente em 1992, no pontificado de João Paulo 2º, o cientista foi reabilitado e teve suas descobertas endossadas.
Encenada no Ano Internacional da Física (cem anos do anúncio da Teoria da Relatividade, por Albert Einstein), “Galileu” ressurge como projeto multidisciplinar da Orquestra de Câmara da USP, a Ocam, que em junho completa uma década de fundação, pelo maestro Olivier Toni, e é regida há quatro anos por Gil Jardim.
A temporada de concertos de 2005 abre hoje, no teatro Alfa, conjugada a atores da Cia. Phila 7. O elenco é encabeçado por Paulo César Pereio, no papel de Galileu. A direção cênica é de Rubens Velloso. “O homem contemporâneo sente-se oprimido diante de uma sociedade comandada pelo capital”, diz Velloso, 53.
Seu colega, o maestro Jardim, 47, diz que o tema da liberdade de expressão e de pesquisa em “Galileu” é oportuno. “Nossa época também é de obscurantismo, de radicalismo religioso, de poder imperialista”, diz Jardim, comparando com as cenas que se passam no século 17.
A necessidade de expansão do olhar para o universo, premissa de Galileu, é convertida no novo. Deixa de lado, por exemplo, a partitura original de Hans Eisler, compositor que desenvolveu parcerias com Brecht, e adota nomes da música antiga (como o italiano Andréa Gabrielli, o belga Adriaan Willaert) e da contemporânea (o estoniano Arvo Pärt, o escocês James MacMillan).
Um coral de oito integrantes canta as peças do século 17, enquanto a orquestra, formada por músicos universitários, executa trechos de composições dos séculos 20 e 21, com acompanhamento do pianista grego Dimos Goudaroulis, radicado no Brasil.
“Eu sou Galileu na primeira pessoa. Não gosto de tratar meus personagens na terceira”, diz Paulo César Pereio, 64. Para o ator, que já passou por outros Brecht, este não se trata de um teatro musical. “Há dois dias ensaiando com a orquestra, sinto que a música entra em paralelo. É como se fosse um evento casado com o mesmo tema”, diz Pereio.
No Centro Cultural São Paulo, estréia amanhã “A Alma Boa de Setsuan”, em que Brecht invoca os deuses a buscarem uma alma boa neste mundo dominado pela miséria. A eleita é uma prostituta. O projeto é do grupo Oberson, Lourdes e Os Mexicanos.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.