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Folha de S.Paulo

Celso Cruz cria estranhamento com “teatro trash”

18.5.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, quarta-feira, 18 de maio de 2005

TEATRO 
Autor fecha trilogia do “gênero” com “Só as Gordas São Felizes”, que estréia hoje no Sesc Ipiranga, em SP

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Publicações dedicadas ao teatro contemporâneo ganharam novas edições no fim de 2005 e neste começo de ano no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte.
Iniciativa do grupo carioca Teatro do Pequeno Gesto, a revista “Folhetim” nº 22 é dedicada ao projeto “Convite à Politika!”, organizado ao longo do ano passado. Entre os ensaios, está “Teatro e Identidade Coletiva; Teatro e Interculturalidade”, do francês Jean-Jacques Alcandre. Trata da importância dessa arte tanto no processo histórico de formação dos Estados nacionais quanto no interior de grupos sociais que põem à prova sua capacidade de convivência e mestiçagem.
Na seção de entrevista, “Folhetim” destaca o diretor baiano Marcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum e do Teatro Vila Velha, em Salvador.
O grupo paulistano Folias d’Arte circula o sétimo “Caderno do Folias”. Dedica cerca de 75% de suas páginas ao debate “Política Cultural & Cultura Política”, realizado em maio passado no galpão-sede em Santa Cecília.
Participaram do encontro a pesquisadora Iná Camargo Costa (USP), os diretores Luís Carlos Moreira (Engenho Teatral) e Roberto Lage (Ágora) e o ator e palhaço Hugo Possolo (Parlapatões). A mediação do dramaturgo Reinaldo Maia e da atriz Renata Zhaneta, ambos do Folias.
Em meados de dezembro, na seqüência do 2º Redemoinho (Rede Brasileira de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral), o centro cultural Galpão Cine Horto, braço do grupo Galpão em Belo Horizonte, lançou a segunda edição da sua revista de teatro, “Subtexto”.
A publicação reúne textos sobre o processo de criação de três espetáculos: “Antígona”, que o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) estreou em maio no Sesc Anchieta; “Um Homem É um Homem”, encenação de Paulo José para o próprio Galpão, que estreou em outubro na capital mineira; e “BR3”, do grupo Teatro da Vertigem, cuja previsão de estréia é em fevereiro.
Essas publicações, somadas a outras como “Sala Preta” (ECA-USP), “Camarim” (Cooperativa Paulista de Teatro”) e “O Sarrafo” (projeto coletivo de 16 grupos de São Paulo) funcionam como plataformas de reflexão e documentação sobre sua época.
Todas vêm à luz com muito custo, daí a periodicidade bamba. Custo não só material, diga-se, mas de esforço de alguns de seus fazedores em fomentar o exercício crítico, a maturação das idéias e a conseqüente conversão para o papel -uma trajetória de fôlego que chama o público para o antes e o depois do que vê em cena.
Folhetim nº 22
Quanto: R$ 10 a R$ 12 (114 págs)
Mais informações: Teatro do Pequeno Gesto (tel. 0/xx/21/2205-0671; www.pequenogesto.com.br)
Caderno do Folias
Quanto: R$ 10 (66 págs)
Mais informações: Galpão do Folias (tel. 0/xx/11/3361-2223; www.galpaodofolias.com)
Subtexto
Quanto: grátis (94 págs; pedidos por e-mail: cinehorto@grupogalpao.com.br)
Mais informações: Galpão Cine Horto (tel. 0/xx/31/3481-5580; www.grupogalpao.com.br)

A partir de uma idéia-piada, o “teatro trash”, aquele que se ergue da pindaíba, de recursos precários, bem-ajambrados numa estética que não se quer necessariamente pior, a coisa ganhou corpo na USP, alcançou um mestrado e caminha para um doutorado.

Virou “gênero” recortado na teoria e na prática por Celso Cruz em “Só as Gordas São Felizes”, terceira ponta da trilogia precedida por “Licurco – Os Olhos de Cão” e “Sexo Oral”, peças de 2004. O espetáculo, também com direção de Cruz, inicia hoje temporada no Sesc Ipiranga.

Na acepção do paulistano Cruz, 39, há 15 anos no ofício, “trash theater é um teatro feito a partir dos escombros e temas e estéticas contemporâneas, centrado na abordagem da violência, da exclusão, da solidão e da loucura nas grandes cidades”.

Dois médicos compartilham cela destinada a criminosos com formação superior. Eles não se tratam por nomes. Em cerca de 50 minutos, Um (interpretado por Guilherme Freitas) e Outro (Dill Magno) deixam vir suas histórias. A comicidade instaura risos nervosos. Há algo de infantil e insano na forma como, aos poucos, rememoram os crimes com os quais mancharam seus aventais brancos. Um esquartejou a mulher. Outro abusou de crianças-pacientes. São episódios retirados das páginas dos jornais, mas com resquícios da figura do “serial killer” da TV ou do cinema.

“A peça fala do absurdo da razão, de limites quebrados”, diz Cruz. E também é impregnada de absurdos. Situações e diálogos afins. O autor tem profunda atração pela obra do irlandês Samuel Beckett (1906-89). Ainda movem a criação de “Só as Gordas São Felizes” os ventos da dramaturgia inglesa contemporânea, Edward Albee à frente, com “Três Mulheres Altas” (falas entrecortadas, personagens sem nome etc.).

Aliás, durante sua escrita, Cruz participou de intercâmbio no Royal Court Theatre, centro londrino de referência dramatúrgica. Boa parte de “Só as Gordas São Felizes” foi gestada em aulas com o pesquisador teatral Renato Cohen (1956-2003), para quem a montagem é dedicada.

Após a boa colhida no Fringe, mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba, a montagem foi escalada para o Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, em julho. 



Só as Gordas São Felizes
Quando:
 qua., às 21h; hoje a 6/7 
Onde: Sesc Ipiranga (r. Bom Pastor, 822, tel. 0/xx/11/ 3340-2000) 
Quanto: R$ 4
 

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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