18.5.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 18 de maio de 2005
TEATRO
Autor fecha trilogia do “gênero” com “Só as Gordas São Felizes”, que estréia hoje no Sesc Ipiranga, em SP
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
A partir de uma idéia-piada, o “teatro trash”, aquele que se ergue da pindaíba, de recursos precários, bem-ajambrados numa estética que não se quer necessariamente pior, a coisa ganhou corpo na USP, alcançou um mestrado e caminha para um doutorado.
Virou “gênero” recortado na teoria e na prática por Celso Cruz em “Só as Gordas São Felizes”, terceira ponta da trilogia precedida por “Licurco – Os Olhos de Cão” e “Sexo Oral”, peças de 2004. O espetáculo, também com direção de Cruz, inicia hoje temporada no Sesc Ipiranga.
Na acepção do paulistano Cruz, 39, há 15 anos no ofício, “trash theater é um teatro feito a partir dos escombros e temas e estéticas contemporâneas, centrado na abordagem da violência, da exclusão, da solidão e da loucura nas grandes cidades”.
Dois médicos compartilham cela destinada a criminosos com formação superior. Eles não se tratam por nomes. Em cerca de 50 minutos, Um (interpretado por Guilherme Freitas) e Outro (Dill Magno) deixam vir suas histórias. A comicidade instaura risos nervosos. Há algo de infantil e insano na forma como, aos poucos, rememoram os crimes com os quais mancharam seus aventais brancos. Um esquartejou a mulher. Outro abusou de crianças-pacientes. São episódios retirados das páginas dos jornais, mas com resquícios da figura do “serial killer” da TV ou do cinema.
“A peça fala do absurdo da razão, de limites quebrados”, diz Cruz. E também é impregnada de absurdos. Situações e diálogos afins. O autor tem profunda atração pela obra do irlandês Samuel Beckett (1906-89). Ainda movem a criação de “Só as Gordas São Felizes” os ventos da dramaturgia inglesa contemporânea, Edward Albee à frente, com “Três Mulheres Altas” (falas entrecortadas, personagens sem nome etc.).
Aliás, durante sua escrita, Cruz participou de intercâmbio no Royal Court Theatre, centro londrino de referência dramatúrgica. Boa parte de “Só as Gordas São Felizes” foi gestada em aulas com o pesquisador teatral Renato Cohen (1956-2003), para quem a montagem é dedicada.
Após a boa colhida no Fringe, mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba, a montagem foi escalada para o Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, em julho.