Folha de S.Paulo
31.5.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 2005
TEATRO
Vídeo, publicação de peças e mostra fotográfica relembram teleteatros de 1956 a 1965 de emissoras do Rio
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Numa semana, podia-se assistir a “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues, com Glauce Rocha (1930-71) como Alaíde, uma das irmãs que se apaixonam pelo mesmo homem. Noutra, Jayme Costa (1897-1967) surgia como o fracassado Willy Loman de “A Morte do Caixeiro-Viajante”, de Arthur Miller. São exemplos de atrações exibidas ao vivo pela televisão nas noites de segunda-feira, entre 1956 e 1965.
Infelizmente, não se conhece nenhum videotape dos teleteatros da TV Tupi (1956-62), da TV Rio (1963-64) e da então recém-nascida TV Globo (1965), todos no Rio de Janeiro. “Mesmo depois do surgimento do videotape no Brasil [1962], a TV Tupi e a TV Rio gravavam outros programas por cima das fitas do teleteatro. Era a mentalidade da época, não havia respeito aos profissionais”, diz o ator Sérgio Britto, 82.
Na Globo, o “4 no Teatro” teve vida curta, apenas 16 edições. Foi interrompido por falta de patrocínio, conforme relata Britto. Nessa emissora, as apresentações eram gravadas, mas os videotapes desapareceram num incêndio.
Para rebobinar a história, havia pelo menos duas alternativas práticas: colher depoimento dos artistas que protagonizaram aquele período e garimpar fotografias nos respectivos acervos pessoais.
Foi o que fez a jornalista Ana Lúcia Vacchiano, curadora do projeto “Na Caixa – O Grande Teatro Tupi”, que vem do Rio e ganha temporada paulistana no Conjunto Cultural da Caixa, praça da Sé. A iniciativa inclui exposição de 50 fotos dos principais teleteatros realizados em “O Grande Teatro Tupi” (pertencentes aos acervos de Britto e do dramaturgo Manoel Carlos), vitrines com os originais dos textos e um vídeo documental de 18 minutos com depoimentos de artistas.
Hoje, na noite de abertura, serão lançados os “Cadernos do Grande Teatro”. O primeiro livro reúne duas adaptações assinadas por Manoel Carlos e encenadas na telinha em 1957: “Em Cada Coração, um Pecado”, de Henry Bellamann, e “Madame Bovary”, de Flaubert. Com tiragem de mil exemplares, a publicação será distribuída gratuitamente para convidados e entidades culturais e educacionais.
A um só tempo, formavam-se (tel)espectadores, leitores e mão-de-obra para o que depois viraria a indústria do folhetim. “Que escola eu poderia ter melhor do que essa, com liberdade total para escrever e adaptar obras-primas da literatura universal?”, pergunta Manoel Carlos, 72.
Das cerca de 400 peças do programa “O Grande Teatro”, pelo menos cem foram adaptadas ou escritas por ele.
“Minha preocupação era com a diversidade, não apenas de países mas de escolas literárias. Textos românticos, realistas, naturalistas, tudo nos interessava. E fazíamos isso com escritores russos, franceses, ingleses, alemães, espanhóis, portugueses e americanos, sem esquecer os brasileiros. Muitos desses textos eram originais meus, que eu escrevia às vezes com o meu nome, outras vezes com o pseudônimo de Doroty Blay”, diz o autor de novelas como “Mulheres Apaixonadas” e “Laços de Família”.
Também estarão presentes Britto (que revezava a direção do programa semanal com Fernando Torres e Flávio Rangel), Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg e Ítalo Rossi -núcleo recorrente da Cia. de Teleteatro que desaguaria, em parte, no grupo carioca Teatro dos Sete (1959-64).
Timberg foi escalada para ler a peça “A Voz Humana”, de Jean Cocteau.
Mas o time de atores era maior. Alguns freqüentavam os palcos do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em São Paulo, a principal companhia da época. Entre eles, Bibi Ferreira, Leonardo Vilar, Francisco Cuoco, Berta Zemel, Milton Moraes, Zilka Salaberry, Paulo Padilha, Sadi Cabral, Elísio de Albuquerque, Cláudio Cavalcanti, Monah Delacy, Norma Blum, Mario Lago, Fábio Sabag, Sergio Viotti, Yoná Magalhães e Vanda Lacerda.
“Nossa boemia era fazer “O Grande Teatro'”, diz Britto. Os ensaios chegavam a varar a madrugada. As representações duravam até quatro horas e os “reclames” aconteciam durante a passagem de um ato para outro.
“Éramos todos muito jovens, entre 18 e 25 anos. A televisão estava dando seus primeiros passos. A dramaturgia era influenciada pelo cinema, pois já queríamos fugir do teatro, por achá-lo menos adequado à linguagem da TV. Estávamos certos. O cinema estava mais próximo. Tanto é assim que todos os meus textos obedecem ao formato dos roteiros cinematográficos. Era assim que fazíamos na época. Não apenas eu, mas o [Walter Goerge] Durst, o Cassiano Gabus Mendes, o Silas Roberg e o Álvaro Moya. Nós que copiamos esse formato e que os novelistas seguem até hoje. Pegue um script nosso feito há 50 anos e compare com os capítulos de novelas de hoje: são idênticos”, afirma Manoel Carlos.
O “TV Vanguarda”, na mesma Tupi, e o “Teledrama”, na TV Paulista, foram outros teleteatros importantes.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.