Folha de S.Paulo
8.6.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 8 de junho de 2005
TEATRO
Grupo apresenta oito peças de seu repertório atual e de convidados internacionais em temporada no Sesc Belenzinho
VALMIR SANTOS
Enviado especial a Campinas
Em 1985, quando foi convidado para integrar o Laboratório Unicamp de Movimento e Expressão (Lume) no ano em que esse núcleo interdisciplinar de pesquisas teatrais veio à luz, em Campinas (SP), o ator Carlos Simioni ouviu a seguinte assertiva do seu idealizador, o também ator Luís Otávio Burnier (1956-95). “Se você quer vir, venha para ficar 20 anos. Preciso desse tempo para chegar até o final dessa pesquisa.”
Duas décadas se passaram, Burnier morreu há uma, e a trajetória peculiar do grupo Lume espelha lapidações em plena fase de popularidade pós-“Café com Queijo”, o espetáculo com o qual vingou pela primeira vez uma longa temporada na capital paulista em 2003, no Sesc Belenzinho.
É lá que abre hoje uma mostra com oito criações do seu repertório e duas de artistas internacionais que lhe serviram de fonte em suas linhas de pesquisa, um japonês e outro italiano (veja programação no quadro ao lado).
Explica-se: nos primeiros dez anos, o Lume praticamente permaneceu recluso em sala, fixado na apuração técnica.
Na entrevista que segue, Simioni e mais três dos sete atores do núcleo (a brasiliense Raquel Scotti Hirson, 33, o mineiro Jesser de Souza, 40, e o paulista Renato Ferracini, 34) comentam as especificidades dos seus espetáculos e a visibilidade que parece não ter volta: a mostra passou por Rio, Fortaleza e, até outubro, alcança Goiânia, Brasília e a Campinas natal. Em meio à gira, acontecem apresentações no Festival Internacional de Londrina, na França e no Fringe do Festival de Edimburgo, na Escócia.
Folha – Vocês já tinham realizado mostra semelhante?
Carlos Simioni – Não, é a primeira vez. O mais interessante é que nem é uma retrospectiva. São os espetáculos que estão no repertório atual. Mas é a primeira vez que reunimos todos ao mesmo tempo. Tanto que estamos surpresos com o montante de trabalho para colocar tantas peças em cena em tão pouco tempo. Você sai de um espetáculo como o “Kelbilim” e, no dia seguinte, entra no “Cravo, Lírio e Rosa”, que é clown, outra coisa. Ou então “Café com Queijo” [mimese corpórea, ou imitação, com base na cultura popular] e “Shi-Zen” [elementos do butô japonês].
Raquel Scotti Hirson – Na semana passada, em Fortaleza, tive a primeira experiência de entrar em três espetáculos um dia após o outro. Por um momento, não se sabe exatamente onde a coluna está, dá um pequeno estranhamento.
Folha – Dá para interpretar que os últimos anos foram de maior visibilidade? A imagem que se tem do Lume é da pesquisa fechada. Vocês estariam mais abertos?
Souza – A gente nunca teve preocupação com publicidade. A gente nunca gastou esforços, energias nem dinheiro para se lançar, para criar um calendário do Lume, uma camiseta, um boné. A marca, o investimento do Lume, sempre foi: vamos entrar na sala, vamos pesquisar e o que resultar daí vai ser o nosso logotipo. A opção que acabamos fazendo foi a de um caminho muito lento, mas muito consolidado também pela experiência e pela prática.
Simioni – Para Brasil, para São Paulo, nos últimos dois, três anos, estamos mais visíveis por causa do “Café com Queijo”, do “Shi-Zen”. Nunca tínhamos feito longa temporada em São Paulo, antes do Sesc Belenzinho. Ao mesmo tempo, só para resumir um pouquinho a história, nos primeiros dez anos do Lume a idéia era se fechar mesmo. Só havia o “Kelbilim” como espetáculo, mas era um experimento. A idéia era que tínhamos que investir no trabalho do ator, não importava o espetáculo. Um mês antes do Luís Otávio morrer, tivemos uma reunião, eu, ele e o Ricardo [Puccetti], e dissemos assim: “OK, estamos fechando dez anos, vamos ver como vão ser os dez anos seguintes. Agora, vamos abrir”. A questão era: tínhamos muito material de trabalho e como torná-lo espetáculo? Havia muitos contatos com o exterior. Em 18 anos, por exemplo, o Lume já tinha viajado para 21 países, mas ainda não tinha público em São Paulo, com exceção dos nossos alunos, de parte da classe artística.
Souza – Houve um momento, há quatro anos, que a gente detectou que as pessoas formadoras de opinião falavam do Lume sem nunca ter visto um espetáculo.
Folha – Haveria aí algum problema de ruído na comunicação do grupo?
Simioni – A gente queria provar para a universidade [Unicamp, que dá infra-estrutura ao Lume] que era possível, sim, ter um grupo de pesquisa de ator, científico. Arte também pode ser pesquisada. Então, a gente batia o martelo na técnica. Tudo que mostrávamos fora daqui eram justamente demonstrações técnicas. Foi-se criando a imagem do Lume em torno da técnica, até para nós, como se fosse a técnica por si só. Esse fantasma da técnica nos seguiu por um bom tempo. O mais importante, para mim, é descobrir que a técnica, realmente, é somente um trampolim. Você não consegue se segurar apenas na técnica. Mesmo agora, na mostra, nós, atores, vemos a beleza da técnica, sua função extraordinária, mas é preciso algo mais.
Souza – É um segundo passo dentro da própria técnica. A maneira como entendo técnica não é a mecânica de como se vai fazer. A técnica pressupõe que você se comunique com o outro, que estabeleça relação. O trabalho técnico é para desenvolver essa capacidade, essa habilidade. A técnica é para você não parecer técnico.
Renato Ferracini – A gente foi acusado de ficar muito entre a gente. Mas, nesses anos todos, trouxemos [as dançarinas japonesas Natsu] Nakajima, [Anzu] Furukawa, [o italiano], Nani [Colombaioni], [a canadense] Sue Morrison, Luiz Carlos Vasconcelos [do Piollin, da PB] e outros. Buscamos uma relação que pressupõe uma criação do próprio espectador, com uma postura ativa diante da recriação do tempo, do ritmo, do extracotidiano.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.