Folha de S.Paulo
3.8.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 03 de agosto de 2005
TEATRO
Ator adapta novela fantástica do escritor russo e inaugura novo espaço no centro; solo tem direção de Roberto Lage
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Século 19. Ele mora num quarto miserável, trabalha numa repartição pública, entre pilhas de processos, e jaz entediado com a vida, consciência do ridículo que sempre foi, e com aqueles que o cercam e endossam.
Faz dois anos, comprou um revólver e se promete o suicídio toda noite que volta para o cortiço. Mas aquela foi diferente, chuvosa e gelada, em que uma pobre menina segurou seu braço e lhe implorou ajuda, devidamente rejeitada, para provar que não sentia piedade humana.
Chegou ao quarto, sentou-se na velha poltrona e pegou no sono. Acordou outro, como rumina o protagonista de “Sonho de Um Homem Ridículo”, novela de Dostoiévski adaptada para o teatro pelo ator Celso Frateschi, 53.
O solo de mesmo nome, com direção de Roberto Lage, estréia amanhã no teatro da Memória, no Instituto Cultural Capobianco, que abre as portas no centro.
Frateschi envereda pela narrativa elíptica do russo Dostoiévski (1821-81), que confronta existência e espaços do nada, da razão e do sonho. É neste que o funcionário público, na adaptação, tira dos ombros o fardo da verdade de se saber ridículo e coloca em xeque a noção de felicidade.
Seu niilismo esbarra na menina-estrela, fração de segundos que não desgruda da memória e o projeta ao fantástico, pois que a vida é sonho, como escreveu o poeta dramático espanhol Calderón de La Barca no século 17.
“Acho que o protagonista nunca foi um suicida. Ele é extremamente autocentrado, o que lhe provoca desânimo geral, mas basta o sonho para desestruturar a idéia do suicídio, que não era tão arraigada assim”, diz Frateschi.
Segundo o ator, 35 anos de palco, a trajetória do seu personagem não culmina em redenção, mas em perseverança. Na dramaturgia, correlacionou excertos de outra novela de Dostoiévski, “Memórias do Subsolo”.
Em sua quarta direção de um espetáculo com Frateschi -parceiros no Ágora – Centro para Desenvolvimento Teatral-, Lage deseja aliar poesia e narrativa à atuação e à encenação.
A cenografia de Sylvia Moreira sugere quatro partes no palco: o vazio, a rua, o quarto e um ícone religioso que recebe imagens criadas por Elisa Gomes.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.