Folha de S.Paulo
27.8.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2005
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
No seu primeiro encontro com o coro dos Meninos de Araçuaí, cidade do Vale do Jequitinhonha (MG), cerca de quatro anos atrás, o cantor e compositor Milton Nascimento ganhou alguns brinquedos, entre eles bola de gude, pipa e boneco de pano branco que o representaria, segundo perspectiva de quem nunca o viu -são raros os televisores por aquelas zonas de pobreza do norte de Minas Gerais.
“As crianças ficaram surpresas quando viram que eu era negro”, diz Nascimento.
Não por acaso, o espetáculo musical “Ser Minas Tão Gerais” deixa evidente a negritude desse artista popular, repercutida especialmente nos tambores, como afirma a diretora Regina Bertola, do grupo Ponto de Partida, de Barbacena (MG), a terceira ponta desse projeto de triangulação mineira que finalmente chega a São Paulo em única apresentação hoje, no teatro Alfa.
A fusão é tamanha que, em certos momentos, não se sabe se se trata de arranjo de canção cantada por Nascimento ou extraída do cancioneiro popular do Jequitinhonha. Direção musical e arranjos são de Gilvan de Oliveira.
“Aquelas coisas que a gente ouvia falar [da música percussiva] do Rio e da Bahia, têm lá em Minas e vêm sendo redescobertas”, diz Nascimento, nascido no Rio e criado em Minas.
A visão mineira
Identidade, teu nome é “Ser Minas Tão Gerais”. Na pesquisa do Ponto de Partida, 25 anos, o musical brasileiro é lapidado desde o início dos anos 90, com “Beco, a Ópera do Lixo”.
“O espetáculo parte dessa visão: como eu, mineiro, vejo o mundo”, diz Bertola, 50. Não bastasse harmonizar esse som brasileiro com elementos cênicos, emendou Carlos Drummond de Andrade ao fio que passa por compositores como Fernando Brant e Ronaldo Bastos.
“Notei que a música do Milton também é drummondiana: os dois escondem surpresas em suas criações, quietudes que, descobertas, viram turbilhão.”
A apresentação marca o lançamento de DVD. São cerca de 40 crianças, dez atores e cinco músicos, além da equipe técnica. Todos atrás da perfeição de maneira prazerosa, como diz Bertola.
“A gente está no palco porque é bom, bom demais da conta.”
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.