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Folha de S.Paulo

Paulo Autran ri de si e dos outros em livro

24.9.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, sábado, 24 de setembro de 2005

TEATRO 
Fotobiografia reúne 127 imagens e trechos de críticas ou breves comentários do ator de 83 anos e quase 60 de carreira

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

No final dos anos 60, sob ditadura militar, Paulo Autran teve que representar mais paciência do que Jó. E pior: fora do palco.

Do ex-presidente general Médici (1969-74) ouviu que deveria criar um espetáculo sobre Duque de Caxias (1803-88), patrono do Exército, em detrimento da remontagem de “Morte e Vida Severina”, do poeta João Cabral de Melo Neto (1920-99).

Tomou chá de cadeira de uma hora do então prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães, com quem foi conversar sobre um “imposto municipal inusitado”. A autoridade mal lhe dirigiu o olho, ratificou o que já havia sido pago e tascou, truculento: “Não gosto de teatro, para mim, teatro é bobagem!”.

É feito de entrelinhas assim o retrato bem-acabado do artista, no qual também se entrevê o homem no livro “Paulo Autran: Sem Comentários”.

A fotobiografia elenca 127 imagens acompanhadas por excertos de críticas publicadas ou breves comentários do ator, que completou 83 anos no último dia 7.

O livro editado pela Cosacnaify, com apoio da Fundação Armando Álvares Penteado, ganha lançamento duplo em São Paulo, um na segunda-feira (Faap) e outro na quarta-feira (livraria Siciliano do shopping Pátio Higienópolis). No Rio, a noite de autógrafo será no dia 4/10 (livraria Arteplex).

“A vida inteira eu disse que, em benefício da literatura brasileira, nunca escreveria um livro. Não me sinto escritor, mas um comentarista totalmente despretensioso”, afirma Autran.

São textos leves e ligeiros, em sua maioria inclinados para o humor, às vezes involuntário. Alguém consegue imaginar Autran sapateando e cantando “Guantanamera”? Pois ele assim o fez num show que apresentava de madrugada numa boate carioca, em paralelo à temporada de “Depois da Queda” (1964), peça dirigida por Flávio Rangel.

Foi Rangel (1932-88) quem lhe abriu os horizontes políticos, sobretudo após “Liberdade, Liberdade” (1965/66), texto do diretor com Millôr Fernandes, “o primeiro espetáculo exclusivamente político e de protesto encenado após o golpe”, nas palavras do ator.
O ator cogitou filiar-se ao Partido Comunista, mas não foi adiante. “Aos 42 anos, estava tendo os pruridos idealistas de um adolescente”, escreve.

Autran caçoa de críticos (“os desmandos, os abusos, as maldades”) e de diretores, como aqueles dois “de grande nome” que sondou para a montagem de “Rei Lear” (1996), antes de fechar com Ulysses Cruz.

Do primeiro, ouviu que os atores andariam “sobre uma camada funda de bolinhas de gude, cobrindo todo o palco”. O diálogo com o segundo, que Paulo Autran faz questão de reconstituir, é derrisório:

Diretor: “Já estou vendo o espetáculo: vamos cobrir o palco com uma camada de 30 cm de serragem, onde os atores vão pisar!”.

Autran: “Serragem não faz muita poeira?”.

Diretor: “Não, é um tipo de plástico em pedacinhos, que não faz poeira”.

“Depois que a gente fica velho, sente-se muito mais livre para opinar, tem menos compromissos. A idade nos liberta de muitas coisas, uma das suas poucas vantagens”, diz Autran à Folha.

Boa parte das fotos foi garimpada no acervo pessoal, ao lado do produtor Germano Soares Baía. Há colaborações fundamentais, como a do Arquivo Multimeios/ Divisão de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo, que cuida do acervo do fotógrafo alemão Fredi Kleemann (1927-74). O projeto gráfico é de Luciana Facchini.

Autran procura zelar pela documentação da carreira, que completa 60 anos em 2007. Em seu apartamento, no bairro paulistano do Jardins, mantém um armário com álbuns de fotos e recortes envelopados de críticas (inclusive as negativas).

Já a memorabilia cênica é diminuta. Guarda um paletó que usou em “A Amante Inglesa” (1983) e um terno de “Seis Personagens à Procura de um Autor” (1991), peça em que atuou ou dirigiu cinco vezes em diferentes produções.

No final do livro, Autran afirma que o ator não tem direito ao próprio corpo ou ao próprio rosto. As imagens, de fato, espelham essa metamorfose feita de bigodes, bigodinhos, bigodões, barrigas postiças ou cabelos pintados.



Lançamento: Paulo Autran: Sem Comentários (Cosacnaify; 270 págs., R$ 85)
Quando:
seg., às 20h 
Onde: Faap – Museu de Arte Brasileira – terraço, prédio 1 (r. Alagoas, 903, SP, tel. 0/ xx/11/3662-7198) 
Quando: qua., às 20h 
Onde: livraria Siciliano – shopping Pátio Higienópolis (av. Higienópolis, 618, piso Higienópolis, SP, tel. 0/xx/11/3823-2669) 
Quando: dia 4/10, às 20h 
Onde: livraria Arteplex (praia de Botafogo, 316, Rio de Janeiro, tel. 0/xx/ 21/2559-8776)


Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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