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Folha de S.Paulo

Cidade reúne espetáculos “psicológicos”

9.10.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

TEATRO 
“Jung, Sonhos de uma Vida”, “Divã” e “Segredo” usam base em legado de Freud para enveredar pelos mistérios da alma

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Publicações dedicadas ao teatro contemporâneo ganharam novas edições no fim de 2005 e neste começo de ano no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte.
Iniciativa do grupo carioca Teatro do Pequeno Gesto, a revista “Folhetim” nº 22 é dedicada ao projeto “Convite à Politika!”, organizado ao longo do ano passado. Entre os ensaios, está “Teatro e Identidade Coletiva; Teatro e Interculturalidade”, do francês Jean-Jacques Alcandre. Trata da importância dessa arte tanto no processo histórico de formação dos Estados nacionais quanto no interior de grupos sociais que põem à prova sua capacidade de convivência e mestiçagem.
Na seção de entrevista, “Folhetim” destaca o diretor baiano Marcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum e do Teatro Vila Velha, em Salvador.
O grupo paulistano Folias d’Arte circula o sétimo “Caderno do Folias”. Dedica cerca de 75% de suas páginas ao debate “Política Cultural & Cultura Política”, realizado em maio passado no galpão-sede em Santa Cecília.
Participaram do encontro a pesquisadora Iná Camargo Costa (USP), os diretores Luís Carlos Moreira (Engenho Teatral) e Roberto Lage (Ágora) e o ator e palhaço Hugo Possolo (Parlapatões). A mediação do dramaturgo Reinaldo Maia e da atriz Renata Zhaneta, ambos do Folias.
Em meados de dezembro, na seqüência do 2º Redemoinho (Rede Brasileira de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral), o centro cultural Galpão Cine Horto, braço do grupo Galpão em Belo Horizonte, lançou a segunda edição da sua revista de teatro, “Subtexto”.
A publicação reúne textos sobre o processo de criação de três espetáculos: “Antígona”, que o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) estreou em maio no Sesc Anchieta; “Um Homem É um Homem”, encenação de Paulo José para o próprio Galpão, que estreou em outubro na capital mineira; e “BR3”, do grupo Teatro da Vertigem, cuja previsão de estréia é em fevereiro.
Essas publicações, somadas a outras como “Sala Preta” (ECA-USP), “Camarim” (Cooperativa Paulista de Teatro”) e “O Sarrafo” (projeto coletivo de 16 grupos de São Paulo) funcionam como plataformas de reflexão e documentação sobre sua época.
Todas vêm à luz com muito custo, daí a periodicidade bamba. Custo não só material, diga-se, mas de esforço de alguns de seus fazedores em fomentar o exercício crítico, a maturação das idéias e a conseqüente conversão para o papel -uma trajetória de fôlego que chama o público para o antes e o depois do que vê em cena.
Folhetim nº 22
Quanto: R$ 10 a R$ 12 (114 págs)
Mais informações: Teatro do Pequeno Gesto (tel. 0/xx/21/2205-0671; www.pequenogesto.com.br)
Caderno do Folias
Quanto: R$ 10 (66 págs)
Mais informações: Galpão do Folias (tel. 0/xx/11/3361-2223; www.galpaodofolias.com)
Subtexto
Quanto: grátis (94 págs; pedidos por e-mail: cinehorto@grupogalpao.com.br)
Mais informações: Galpão Cine Horto (tel. 0/xx/31/3481-5580; www.grupogalpao.com.br)

Pode soar redundante buscar um extrato psicológico no teatro quando é de sua natureza desmascarar humanidades em comédias, dramas, tragédias e variantes. Mas a temporada atual apresenta pelo menos três peças que se aproximam dos ditos mistérios da alma à moda do legado de Sigmund Freud (1856-1939).

O espectador se depara com a vida de um grande discípulo e dissidente de Freud em “Jung, Sonhos de uma Vida”, em cartaz no Espaço Promon; compartilha revisões pessoais de uma mulher em plena crise dos 40 anos em “Divã”, no teatro Faap; e vê o depoimento pessoal dos 17 atores de “Segredo”, no Tusp (veja ao lado).

Segundo o ator Jayme Periard, 44, no papel-título de Jung, a intenção é “mostrar o homem em suas contradições e buscas, não só científicas, mas espirituais, já que na infância ele teve experiências mediúnicas”. A tônica é de uma pessoa simples, amante das artes e de outras ciências.

O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) desenvolveu, com Freud, as primeiras teorias psicológicas fundamentadas no inconsciente. A dramaturgia é assinada pela psicóloga e escritora Eliana Zuckermann, que tomou como base o livro “Memórias, Sonhos e Reflexões”, de Jung.

O ponto de partida é uma entrevista que Jung concedeu aos 86 anos, a idade em que morreu. A conversa com uma jornalista o leva à relação com os pais, pacientes e as mulheres que amou (a mãe, a mulher, a amante e a filha).

Em busca de casar palavra e emoção, o diretor Rogério Fabiano pretende colocar em primeiro plano atitudes ou sentimentos como coragem, inteligência e sensibilidade. Em sua opinião, não é preciso entender de psicanálise para compreender o espetáculo.
Em “Divã”, Lilia Cabral vive Mercedes, a protagonista do romance de mesmo nome da gaúcha Martha Medeiros. Trata-se de uma quarentona casada, com dois filhos, vida estabilizada, que resolve procurar um analista.

A curiosidade transforma-se numa experiência devastadora. Surgem várias faces dela: a discreta, a apaixonada, a ciumenta, a sensual etc. Somam-se as figuras do marido e da melhor amiga, como a sugerirem contrapontos.

Em “Segredo”, o grupo Tusp apresenta a sua terceira incursão pelos quatro elementos: “Horizonte” (2000) elegeu a água; “Interior” (2002), a terra. Agora, o ar serve à metáfora daquilo que está “invisível”. O elemento fogo terá lugar em projeto para 2006.
Histórias vividas pelos atores costuram a dramaturgia, uma sucessão de quadros que tratam de amor, fé, sexualidade, família, violência, solidão e esperança.

“Não se trata de expor a intimidade das pessoas como fenômeno contemporâneo de comunicação”, diz o diretor Abílio Tavares. Ele quer dar conta dos sentimentos mais profundos das pessoas, despertando nelas o desejo de mudança. O grupo contou com assessoria terapêutica e fez um retiro na serra da Mantiqueira. 

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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