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Folha de S.Paulo

Grupo faz recorte em “Casa de Bonecas”

22.10.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, sábado, 22 de outubro de 2005

TEATRO 
Montagem do Teatro de Narradores tira foco feminista da protagonista Nora e expõe violências pública e privada

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Publicações dedicadas ao teatro contemporâneo ganharam novas edições no fim de 2005 e neste começo de ano no Rio, em São Paulo e em Belo Horizonte.
Iniciativa do grupo carioca Teatro do Pequeno Gesto, a revista “Folhetim” nº 22 é dedicada ao projeto “Convite à Politika!”, organizado ao longo do ano passado. Entre os ensaios, está “Teatro e Identidade Coletiva; Teatro e Interculturalidade”, do francês Jean-Jacques Alcandre. Trata da importância dessa arte tanto no processo histórico de formação dos Estados nacionais quanto no interior de grupos sociais que põem à prova sua capacidade de convivência e mestiçagem.
Na seção de entrevista, “Folhetim” destaca o diretor baiano Marcio Meirelles, do Bando de Teatro Olodum e do Teatro Vila Velha, em Salvador.
O grupo paulistano Folias d’Arte circula o sétimo “Caderno do Folias”. Dedica cerca de 75% de suas páginas ao debate “Política Cultural & Cultura Política”, realizado em maio passado no galpão-sede em Santa Cecília.
Participaram do encontro a pesquisadora Iná Camargo Costa (USP), os diretores Luís Carlos Moreira (Engenho Teatral) e Roberto Lage (Ágora) e o ator e palhaço Hugo Possolo (Parlapatões). A mediação do dramaturgo Reinaldo Maia e da atriz Renata Zhaneta, ambos do Folias.
Em meados de dezembro, na seqüência do 2º Redemoinho (Rede Brasileira de Espaços de Criação, Compartilhamento e Pesquisa Teatral), o centro cultural Galpão Cine Horto, braço do grupo Galpão em Belo Horizonte, lançou a segunda edição da sua revista de teatro, “Subtexto”.
A publicação reúne textos sobre o processo de criação de três espetáculos: “Antígona”, que o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) estreou em maio no Sesc Anchieta; “Um Homem É um Homem”, encenação de Paulo José para o próprio Galpão, que estreou em outubro na capital mineira; e “BR3”, do grupo Teatro da Vertigem, cuja previsão de estréia é em fevereiro.
Essas publicações, somadas a outras como “Sala Preta” (ECA-USP), “Camarim” (Cooperativa Paulista de Teatro”) e “O Sarrafo” (projeto coletivo de 16 grupos de São Paulo) funcionam como plataformas de reflexão e documentação sobre sua época.
Todas vêm à luz com muito custo, daí a periodicidade bamba. Custo não só material, diga-se, mas de esforço de alguns de seus fazedores em fomentar o exercício crítico, a maturação das idéias e a conseqüente conversão para o papel -uma trajetória de fôlego que chama o público para o antes e o depois do que vê em cena.
Folhetim nº 22
Quanto: R$ 10 a R$ 12 (114 págs)
Mais informações: Teatro do Pequeno Gesto (tel. 0/xx/21/2205-0671; www.pequenogesto.com.br)
Caderno do Folias
Quanto: R$ 10 (66 págs)
Mais informações: Galpão do Folias (tel. 0/xx/11/3361-2223; www.galpaodofolias.com)
Subtexto
Quanto: grátis (94 págs; pedidos por e-mail: cinehorto@grupogalpao.com.br)
Mais informações: Galpão Cine Horto (tel. 0/xx/31/3481-5580; www.grupogalpao.com.br)

Quando Nora bate a porta e vai-se embora em “Casa de Bonecas” (1897), ela faz mais barulho do que tão-somente romper com a ordem matriarcal do séc. 19 recortado pela dramaturgia do norueguês Henrik Ibsen (1828-1906).

A personagem encerra enigmas para além da visão universalista da mulher que abandona marido, filhos e, com licença, vai à luta.

Mais de um século depois, qual seria o seu destino? O que mudou de lá para cá?

Ao mergulhar naquilo que faz com que cada pessoa se torne o que é, o grupo Teatro de Narradores chegou a “Nossa Casa de Bonecas”, montagem que estréia hoje no Fábrica São Paulo.

Não se recusa a perspectiva da liberação da mulher no clássico de Ibsen. “Mas a questão que nos colocamos é: qual foi o custo disso, o que mudou de fato nessa sociedade e como essa mulher se enquadra hoje?”, diz o diretor José Fernando Peixoto de Azevedo, 35.

Reduz-se o foco na protagonista e radicaliza-se a análise das relações que envolvem todos os personagens. Transposta para o contemporâneo, essa Nora da classe média paulistana (interpretada pela atriz Teth Maiello) não é “simplesmente ingênua”, diz.

É de menos conhecer as razões que a levaram a ocultar durante anos a falsificação da assinatura do pai para presentear o marido com uma viagem. Justamente os dois que a fazem de joguete.

Nora foi movida por interesses próprios antes de pôr fim ao casamento de oito anos. “Herdou uma cultura que joga com essas possibilidades”, diz Azevedo.

Ibsen nos lembra que a sabotagem é ainda uma marca dos interesses público e privado.

“Levamos a sério o fato de que mais de um século depois, tal ruptura integra-se ao movimento fetichista que envolve a vida, e que toda nova tentativa corre o risco da sabotagem”, afirma o grupo no programa do espetáculo.

Foi cotejada a tradução de Karl Erik Schollammer e Aderbal Freire-Filho, este o diretor de montagem recente que passou pela cidade. Azevedo diz que fez poucas adaptações e procurou preservar o texto de Ibsen.

O espaço cênico é dominado pelo vazio e pelo branco, no chão e ao fundo. “Esses personagens fazem um esforço grande para apagar os vestígios, por isso o passado vem à tona de maneira tão radical”, diz Azevedo.

Completam o elenco André Collazzi, Barbara Araujo, Clayton Freitas e Paulo Barcellos. 



Nossa Casa de Bonecas
Quando:
 estréia hoje, às 21h; sáb. e dom., às 20h; até 18/12 
Onde: Teatro Fábrica São Paulo (r. da Consolação, 1.623, tel. 3255-5922) 
Quanto: R$ 20
 

 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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