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Folha de S.Paulo

Conto inspirador de Kurosawa vai ao palco

3.11.2005  |  por Valmir Santos

São Paulo, quinta-feira, 03 de novembro de 2005

TEATRO

Francisco de Assis dirige “Num Bosque”, do japonês Akutagawa, com a Cia. Círculo da Miragem

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

É bom que se diga logo: Francisco de Assis dirige o espetáculo “Num Bosque”, no qual uma mulher é violentada, mas nada tem a ver com o “maníaco do parque”. De qualquer forma, é interessante lançar os pressupostos da realidade em um projeto teatral adaptado de um conto do japonês Ryunosuke Akutagawa (1892-1927), “Yabu no Naka” (também traduzido por “Dentro do Bosque”).

Os gumes da mentira e da verdade recortam a história que Assis, 49, encena a partir de hoje no teatro Sérgio Cardoso com a Cia. Círculo da Miragem. Este e outro conto de Akutagawa, “Rashomon” (antiga ponte em Kyoto), inspiraram o cineasta Akira Kurosawa (1910-1998) na obra-prima “Rashomon” (1950), Leão de Ouro no Festival de Veneza.

De volta ao palco, “Num Bosque” elenca sete personagens. Entre a relva e as folhas de bambu pisoteadas de uma pequena cidade rural, um casal é abordado por um ladrão. Salto para adiante: o sujeito teria estuprado a mulher e matado o marido.

No conto, como na peça, a mulher, o criminoso e mais quatro testemunhas prestam depoimento a um investigador oculto, mas nem tanto: é o leitor, a platéia. Há ainda por ouvir e ver o relato do espírito do morto por meio da voz de um médium.

São sete monólogos que, de uma forma ou de outra, têm suas mentiras e verdades ecoadas na versão final do Lenhador. Primeiro ele mente, mas depois corrobora o que realmente espreitou na mata, acompanhado de seu cão.

“Fica expressa a dedicação de todos em proteger a auto-imagem. A mulher não assume que houve prazer, que tinha problemas no seu relacionamento. O marido não assume que teve medo, que foi covarde no episódio. E o bandido não admite ter sido seduzido. Como explicar que fora enganado por uma mulher?”, diz o diretor, dando pistas sobre o quebra-cabeça feito de desejo, egoísmo, orgulho, cobiça e dissimulação. Um ardil.

Akutagawa, que se suicidou aos 35 anos, narra com a precisão de um haicai. Condensa imagens que transportam o interlocutor para aquele bosque.

O santista Assis é professor da escola de teatro Indac, em São Paulo, onde conheceu parte dos atores da Cia. Círculo da Miragem (Daniel Warren, Ruy Andrade, Cristina Jimenes, Sandra Bermudez, Marcos Almeida e Edimilson Andrade).



Num Bosque
Quando: estréia hoje, às 21h; qua. e qui., às 21h. Até 29/12 
Onde: teatro Sérgio Cardoso – sala Paschoal Carlos Magno (r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista, tel. 0/xx/11/3288-0136) 
Quanto: R$ 20

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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