Folha de S.Paulo
17.5.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, domingo, 07 de maio de 2006
TEATRO
Galpões, sobrados e até ex-moradias estudantis abrigam companhias e interferem em processos de criação
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O mapa dos espaços teatrais da cidade passa por mudanças significativas desde o final de 2002, quando entrou em vigor a Lei de Fomento, pela qual a prefeitura destina cerca de R$ 7 milhões anuais à pesquisa e criação de grupos.
Não se trata de aluguel comercial de auditório para temporada, mas de casas ou galpões ocupados como extensão das linguagens das respectivas equipes.
Impossível compreender o trabalho do grupo Folias D’Arte, por exemplo, sem associá-lo ao galpão transformado em morada há sete anos, em Santa Cecília.
Nessa trilha, a reportagem aponta cinco conjuntos que não tinham teto e, de uns tempos para cá, têm se destacado.
Os mais recentes a conquistar endereço são o grupo Teatro de Narradores (Bom Retiro), a Companhia Paidéia (Alto da Boa Vista), o Núcleo Bartolomeu de Teatro (Pompéia), a Companhia Balagan (Barra Funda) e a Companhia Livre (Barra Funda).
Ao lado do metrô Tiradentes, a Casa do Politécnico -que foi morada estudantil nos anos 1960 e estava desocupada até 2004- serve agora ao teatro. Convidado para uma intervenção, há dois anos, o grupo Teatro de Narradores instalou-se de vez e anunciou sua ocupação na semana passada, com o evento “Cenas de Intervenção”, que incluiu movimentos de moradia da região central e atraiu os conjuntos Teatro do Motim e o Mentecorpos do Balaio.
Segundo a atriz Bárbara Araújo, o Narradores, criado em 1998, vai ocupar os oito andares do prédio no seu próximo espetáculo, “Um Dia de Ulisses”, inspirado na “Odisséia” de Homero.
Na noite da última sexta, estava previsto um show de Renato Braz para abrir oficialmente as portas do Pátio dos Coletores de Cultura, no Alto da Boa Vista, sede da Cia. Paidéia. Os idealizadores Amauri Falseti e Aglaia Pusch falam em criar um pólo cultural na região de Santo Amaro e formar público. No local, de 400 m2, funcionava o antigo pátio dos coletores de lixo da subprefeitura. O projeto é uma parceria com a Associação Tobias e com o Sesc.
Em maior ou menor grau, todos os novos espaços prevêem atividades abertas ao público.
Um sobrado erguido no início do século 20 foi alugado pela companhia Balagan. Ali, a encenadora Maria Thaís vê uma arquitetura que traduz a idéia de polifonia que busca imprimir em seu trabalho coletivo.
“Com salas nos planos subterrâneo, médio e alto, a casa é como uma metáfora do nosso modo de pensar o teatro, no qual a produção e a construção de um espetáculo também estão no mesmo patamar da criação artística. A casa é do tamanho da gente”, diz Thaís.
É ali que está nascendo o seu novo espetáculo, “Západ”, expressão russa que designa o Ocidente. Dá continuação à pesquisa em torno da “clausura humana”.
Criada em 1997, a Balagan extrai seu nome da expressão homônima que, em russo, significa teatro popular e, em árabe, é sinônimo de confusão ou baderna.
Depois de passar 2004 em residência no Teatro de Arena, no centro, a Companhia Livre descobriu que um quintal faz bem. “Com espaço próprio, a nossa produção multiplicou, criamos textos, montamos, pesquisamos a história do próprio Arena”, diz a diretora Cibele Forjaz.
A companhia assinou contrato de dois anos (aluguel de R$ 1.400) para ocupar um galpão de 300 m2 na Barra Funda, uma antiga marcenaria. O espaço deve abrir em julho. Inicialmente, haverá mesas redondas e ensaios abertos com o que resultar da pesquisa sobre mitos de morte e renascimento, com colaboração de Newton Moreno. A estréia deve ser em 2007.
Um “centro de cultura popular urbana” é o que o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos pretende alicerçar na Pompéia, no mesmo espaço onde foi desativado recentemente o Studio das Artes. Segundo a atriz Roberta Estrela D’Alva, a idéia é fundir áreas como o vídeo, as artes plásticas e a música. Enfim, na linha da própria simbiose que o grupo promove em seus espetáculos com a estética e as idéias do hip hop.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.