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Folha de S.Paulo

Musical leva Shakespeare para o morro da Mangueira

11.5.2006  |  por Valmir Santos

São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 2006

TEATRO 
Ator homenageia escola de samba e transpõe “Otelo” para o Rio dos anos 40 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

No desfile de 1994, quando a Mangueira amargou o 11º lugar no Carnaval carioca, um dos seus passistas, Gustavo Gasparani, traduziu a tragédia numa composição de sua lavra, “Primeira Estação do Samba”, de fundo obviamente triste. “Nem Beth Carvalho nem Alcione cantariam”, diz o também ator e dramaturgo, que sublimou aquele episódio num musical em que ata Shakespeare à escola sem medo de ser feliz.

“Otelo da Mangueira”, uma homenagem “poético-fantasiosa” à Estação Primeira, à cidade do Rio, à sua cultura e a seu povo, como concebe Gasparani, 39, ganha temporada paulistana a partir de amanhã, no teatro Sesc Anchieta. Aquela canção de 1994 vem à tona no encerramento.

Passista há 18 anos e um dos fundadores da Cia. dos Atores (1988), Gasparani criou projeto paralelo a seu grupo para transpor o clássico do século 17 para o Rio da década de 40.

A peça é ambientada naquela “era primitiva”, segundo o autor, em que o samba ainda não havia encontrado a cultura urbana e transitava do erudito para o popular -alguns compositores eram admirados pelo maestro Heitor Villa-Lobos, por exemplo.

No texto inspirado em Shakespeare, a guerra contra os turcos se transforma na luta para vencer o Carnaval. A batalha em Chipre, conforme o enredo, tem seu paralelo na disputa pelo samba-enredo. As armas, espadas e canhões equivalem aqui a cuícas, taróis e surdos de marcação.

“O primeiro solilóquio de Otelo, quando ele briga com Desdêmona, eu retirei inteiro e botei a poesia de Carlos Cachaça, dando-lhe o mesmo significado”, diz Gasparani -mas o lenço como “objeto do crime” está lá, intocável.

Gasparani interpreta Dirceu, o Iago do original que empurra Otelo (único nome mantido, interpretado por Marcelo Capobiango) para o inferno dos ciúmes. Quem faz Desdêmona é Susana Ribeiro, em substituição a Cláudia Ventura. O diretor convidado do espetáculo é Daniel Herz, da Cia. Atores de Laura.

No que define como mosaico mangueirense e shakespeariano, em prosa e verso, Gasparani emenda 17 sambas ao longo do espetáculo, de clássicos como “Alvorada” (Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho) a raridades como “Deus Onipotente Criador” (Cícero dos Santos).

Ao som de cinco músicos, os 13 intérpretes, alguns da comunidade de Mangueira, cantam, dançam ou atuam sobre uma estrutura cenográfica que remete aos desníveis do morro.



Otelo da Mangueira

Quando: estréia amanhã, às 21h; sex. a sáb., às 21h; e dom., às 19h; até 21/5 
Onde: teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 3234-3000)
Quanto: de R$ 10 a R$ 20 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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