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Folha de S.Paulo

Em “Volta ao Lar”, Harold Pinter subverte mito do filho pródigo

18.1.2007  |  por Valmir Santos

São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

TEATRO
Alexandre Reinecke monta no Tucarena o texto traduzido por Millôr Fernandes 

VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local

Harold Pinter é dado a implodir quartos e salas de três paredes. Os estilhaços da “quarta” vão parar no colo do espectador. Como na demolidora “Volta ao Lar”, possivelmente sua peça mais conhecida, e cuja montagem de Alexandre Reinecke estréia hoje no Tucarena, encabeçada por Antônio Petrin. 

“É daqueles textos de fazer as pessoas ficarem coradas. Causa comoção porque as questões levantadas em 1964 ainda permanecem tabus e as sociedades retrocederam ainda mais em seu cinismo”, afirma Petrin, 68. 

Para efeito de sinopse, se poderia dizer que é a história de um viúvo, três filhos, um tio e uma nora a quem elegem como receptáculo de suas carências, frustrações e fúrias. Mas é impossível descrever o que esses cinco homens e essa mulher constroem em seus diálogos, tantas as pistas subliminares. 

Maior autor vivo do teatro britânico, vencedor do Nobel de Literatura 2005, Pinter, 76, costuma repetir que ele mesmo não consegue resumir suas peças. “O que sei é dizer: foi assim que se passou, foi isto que disseram, isto que fizeram.” 

Aqui, traduzido por Millôr Fernandes, o dramaturgo como que embaralha a passagem bíblica do filho pródigo. A súbita chegada do professor Teddy (por Renato Modesto), vindo dos Estados Unidos com a mulher, Ruth (Ester Lacava), desequilibra de vez as relações. 

Faz seis anos que partiu e não deu notícias. O patriarca Max (Petrin), que segura as rédeas do lar, o recebe com desprezo, mas logo desarma quando sabe que Ruth é mãe e lhe deu três netos -assim como sua mulher, morta, teve três filhos. 

“Na verdade, não se trata da volta do filho, mas da figura feminina ausente desde a morte da mãe”, diz Petrin, que interpretou recentemente Samuel Beckett (“A Última Gravação de Krapp”, 2000) e Plínio Marcos (“Barrela”, 2005). 

A partir do segundo ato, Ruth compactua num jogo de sedução do primogênito Joey (Gustavo Haddad), do irmão do meio Lenny (Eucir de Souza) e do tio Sam (Jorge Cerruti). 

É quando a camada realista cede para o absurdo. Eles simplesmente querem que ela não volte para a América e passe a viver ali, dando prazer a eles, doravante cafetões. 

Segundo Petrin, o que poderia induzir a uma perspectiva machista desvia para o poder de persuasão de Ruth, que é quem, ao final, tem os homens sob seus joelhos, literalmente. 



Volta ao lar
Quando: estréia hoje, às 20h; qui., às 20h; sex. e sáb., às 21h; e dom., às 19h; até 1º/4 
Onde: Tucarena (r. Monte Alegre, 1.024, tel. 3670-8455) 
Quanto: R$ 10 (qui.), R$ 30 (sex. e dom.) e R$ 40 (sáb.) 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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