Folha de S.Paulo
1.3.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 01 de março de 2007
TEATRO
Peça de Sérgio Roveri estréia no Vivo, mostrando dois limpadores de janelas
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
E se um limpador de janela estivesse trabalhando no instante do ataque às Torres Gêmeas? “Ia morrer antes do piloto, dos passageiros, de todo mundo”, diz um dos personagens de “Andaime”, peça que se passa nas alturas mas diz muito sobre a vida ao rés-do-chão de seus dois protagonistas, também eles a limpar os janelões de um arranha-céu paulistano.
É a nona peça de Sérgio Roveri a ser montada desde que deu mais espaço à dramaturgia que ao jornalismo, ofício de formação, há apenas quatro anos.
Depois de ver quatro de seus textos em cartaz no Espaço dos Satyros, na pça. Roosevelt, região central da cidade, Roveri vai parar no teatro Vivo, no Morumbi, onde “Andaime”, patrocinada, estréia amanhã sob direção de Elias Andreato.
“Fiquei um pouco surpreso em saber que aqueles dois trabalhadores vão ocupar um teatro como o Vivo. É uma ironia do destino”, diz Roveri, 46, sobre o espaço freqüentado por público diferente daquele do circuito alternativo.
Foi Gabriel Villela, aqui responsável por cenografia e figurinos, quem se deu conta do contraste entre ficção e realidade: os ensaios aconteceram no teatro Renaissance -e o luxuoso hotel chegou a oferecer bufê para os artistas.
“Andaime” é uma comédia, por vezes politicamente incorreta, que dá o que pensar por meio do diálogo de dois operários sem instrução, mas “filósofos” na observação do cotidiano. José Mário (Claudio Fontana, também co-produtor do espetáculo) e Claudionor (Cássio Scapin) passam boa parte do tempo num estrado sustentado por cabos de aço. Em cena, surgem a 1,80 metro do palco.
Enquanto conversam, não perdem a concentração na limpeza, em meio a baldes, panos, rodinhos, sons de sirenes e aviões. Fumam escondidos do chefe. E até repetem os exercícios da aula de academia que espiam num dos andares.
As ações ocorrem em paralelo a reflexões inusitadas. Como a do robôs que poderão tirar seus empregos num futuro próximo. Ou sobre a chance de olhar os bacanas “por cima”, aqueles que têm grana, carro importado e mulher bonita, para depois capitular diante da invisibilidade.
“Às vezes, a gente fica uma hora inteirinha limpando um andar e ninguém dá uma olhada pra gente”, diz Claudionor.
“Eles acreditam naquilo que falam. Há verdades no absurdo aparente”, afirma Roveri, paulista cuja tônica da dramaturgia é se esquivar de heróis ou vilões para chegar ao cidadão comum.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.