Folha de S.Paulo
11.9.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 11 de setembro de 2007
TEATRO
Daniel Veronese reflete sobre a arte do espetáculo em duas peças no festival Porto Alegre em Cena
Evento na capital gaúcha vai apresentar “Teatro para Pájaros”, de Veronese, e “Espía a Una Mujer que se Mata”, adaptação de Tchecov
VALMIR SANTOS
Em Buenos Aires
Na Argentina, é comum usar a expressão “teatrista” para designar o sujeito que transita por várias funções. O carpinteiro Daniel Veronese, 51, é um deles. Herda o ofício do pai e do avô, mas vai aplicá-lo mesmo, com direito a metáfora e tudo, no campo das artes cênicas.
De manipulador de bonecos a diretor e autor devoto dos intérpretes, em 20 anos Veronese se tornou dos artistas mais influentes e respeitados na efervescente produção de Buenos Aires -476 peças apresentadas em agosto, segundo a revista “Llegas”.
Dois trabalhos recentes de Veronese serão vistos no festival Porto Alegre em Cena, cuja 14ª edição começou ontem com show de Vitor Ramil, e segue com teatro, dança e música até o dia 30. “Teatro para Pájaros”, de sua autoria, e “Espía a Una Mujer que se Mata”, versão de “Tio Vânia”, do russo Anton Tchecov, são reflexos de maturidade e disposição ao risco. Ele é um dos fundadores ativos do grupo El Periférico de Objetos (1989), que já se apresentou no Brasil, e sublinha de forma radical “a teatralidade a partir da energia do ator”.
“Cada vez mais me distancio de dispositivos cênicos como luz, figurino e música, tudo que vá além do ator. Se o ator é afetado, então essa ficção entra no corpo do espectador com mais força”, diz Veronese, que faz carreira paralela ao Periférico.
Os dois espetáculos têm brechas para o teatro dentro do teatro e trazem indagações contemporâneas. Em “Teatro para Pájaros”, com sessões amanhã e quinta no teatro Álvaro Moreyra, a sala de um apartamento abriga seis personagens que se querem movidos por essa arte, mas com “estratégias” diversas, que conflitam ética e corrupção de ideais.
Em “Espía a Una Mujer que se Mata”, sábado e domingo no teatro Bruno Kiefer, Veronese visita um Tchecov de 1901 para pensar a busca da verdade em todos os planos da vida. O embate entre o sonhador Tio Vânia que administra uma fazenda e o egocêntrico professor de arte que tenta vendê-la expõe feridas familiares.
Até domingo, “Espía…” estava em cartaz no teatro El Camarín de las Musas, no bairro de Almagro, um dos principais espaços do circuito independente de Buenos Aires – onde também era possível assistir a outra incursão “tchecoviana” do encenador, “Un Hombre que se Ahoga” (2004), releitura de “As Três Irmãs”.
Veronese diz falar de lugares obscuros da vida, como a dor e a morte, para construir uma poética teatral que irradie o oposto: o amor. “Se o público se emociona, tem a ver com o esforço de desmitificar o teatro como criador de falsas ilusões. Isso ocorre quando concentro minha anarquia no jogo com os atores.”
Argentina (com sete espetáculos) e Uruguai (seis) são os países com mais representantes no Porto Alegre em Cena.
Numa edição pontuada por grandes nomes da cena internacional, como o grupo francês Théâtre du Soleil e o japonês Sankai Juku, o festival gaúcho faz questão de reafirmar sua condição de principal porta de entrada dos países vizinhos.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.