Folha de S.Paulo
19.11.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 19 de novembro de 2007
TEATRO
Festival que termina nesta noite colocou dramaturgias locais em perspectiva
VALMIR SANTOS
Enviado especial a Recife
Na semana passada, o grupo Clowns de Shakespeare, de Natal, saiu de São Paulo, onde atualmente mostra o seu repertório, para se apresentar no Festival Recife do Teatro Nacional, cuja décima edição termina na noite de hoje. Essa triangulação potiguar-paulista-pernambucana dá a noção de uma nova ordem geográfica na circulação de espetáculos, que amplia os horizontes do corredor sudeste de hegemonia econômica, mas de relativa eqüivalência estética. O incipiente sistema de trocas da cultura no teatro desponta em eventos como o de Recife e, para citar outros exemplos, o Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga (CE), realizado há 14 anos, e o Festival Nacional de Teatro da Bahia, que abriu as cortinas neste mês em Salvador. Projetos como o Palco Giratório, do Sesc, e a Caravana Funarte, do Ministério da Cultura, reforçam a tendência. Nessa perspectiva se encaixam ainda as apresentações das peças de “Os Sertões”, do Oficina Uzyna Uzona, em Quixeramobim (CE), até ontem, e Canudos (BA), na semana que vem.
Diluição das fronteiras
Com o tema “Teatro do Eu, Teatro do Mundo”, o festival de Recife catalisa um pouco da diluição das fronteiras centro-periferia. Foram apresentados 21 espetáculos, cruzando territórios de Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Norte, Pará, Santa Catarina, Brasília, Minas Gerais, Rio e São Paulo.
Durante quatro dias, a reportagem da Folha se deparou com criações locais em exigentes graus de elaboração. No solo de teatro-dança “Negro de Estimação”, Kleber Lourenço verteu a palavra de Marcelino Freire para o corpo e a voz sem cair no lugar-comum do discurso anti-racismo. A performance autoral reafirma identidade, sem rechaços.
Em “Mucurana, o Peixe”, a Cia. Construtores de Histórias mostrou em sua sede, o Centro de Pesquisa Teatral, adaptação de conto de Hermilo Borba Filho. Do quintal regionalista, resultaram seis atores e um diretor à procura de reinventar outros registros para representar o popular sem reduzi-lo.
Borba Filho (1917-76), escritor e diretor pernambucano contemporâneo de Ariano Suassuna, foi homenageado nesta edição. Mote para lançamento dos livros “Hermilo -Lembrança Viva de um Mestre” (Fundação de Cultura), organizado por Lúcia Machado, e o terceiro volume de “Teatro Selecionado” (Funarte), por Leda Alves e Luís Augusto Reis.
A polifonia se espraiou pelo seminário “Nova Dramaturgia Brasileira em Perspectiva”, que pôs em contato as obras do amazonense Francisco Carlos, do carioca Roberto Alvim, do cearense Marcos Barbosa, do paraibano Emmanuel Nogueira, da mineira Grace Passô, do paulista Marcio Marciano e dos pernambucano Luiz Felipe Botelho e Newton Moreno.
O resultado do seminário de 2006, sobre Nelson Rodrigues (1912-81), é publicado agora em “A Esfinge Investigada” (Fundação de Cultura), organizado por Aimar Labaki e Antonio Cadengue.
O encerramento acontece hoje, no teatro Apolo, com peculiar avaliação pública, a cargo do pesquisador e ator Luiz Paulo Vasconcellos (RS).
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.