Folha de S.Paulo
20.12.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Um frio corredor de concreto aparente, o espaço Mezanino do Centro Cultural Fiesp torna-se acolhedor na encenação de “Caminhos”, projeto mais recente do Núcleo Experimental do Sesi.
Convidados da vez, a diretora Cristiane Paoli-Quito e o dramaturgo Rubens Rewald parecem conceber o espetáculo como uma instalação. Se Lygia Clark incita com objetos manuseáveis, por exemplo, a dupla, vinda de parcerias na cia. Nova Dança 4, toca e mobiliza o público por meio da palavra.
Não por meio dos diálogos correntes no teatro, mas em verso solto, torto e quebrado, à imagem da beleza de jovens ainda não inoculados por vícios na representação.
No autodeclarado “drama de formação”, moças e rapazes deitam o verbo em sussurros, sibilos, tartamudeios. É um espetáculo que chama à escuta, ao mistério do outro e de si.
Dramaturgo por vezes hermético (vide “Umbigo”), Rewald soa surpreendentemente suave nesse exercício colaborativo, e não menos rigoroso na ossatura.
Não há história, nem personagens. Não há um fio, mas muitos. O espectador é co-autor em obra aberta. Ocupando almofadas no chão, ele relaxa e se deixa levar pelos caprichos orais de um curioso jogo que se impõe por sensações.
O roteiro parte do depoimento dos atores, fala de questões íntimas, familiares. Lança dúvidas de percursos existenciais e políticos, a contrastar com o império das certezas em ser “feliz” e “sarado”.
Com frases curtas e movediças, “Caminhos” chega a usar letras de MPB como porta-voz. Não precisava. Tem a sua própria musicalidade firme. As interferências de luz são mínimas; o espaço cenográfico, discreto. Resta a presença do ator, veículo de sentidos.
A esfera da delicadeza é dominada com muita habilidade por Paoli-Quito, como se viu em “Aldeotas”. Sua pedagogia para um ator-criador é transitar o vazio, desarmar convenções. E redirige a percepção do espectador, instado a sondar outras camadas em tudo que vê, ouve, respira.
Arte (também) do dizer, o teatro encontra aqui o rumor da língua e do silêncio. Parafraseando o bordão jurídico, e tudo mais foi dito e perguntado, pois a montagem segue com quem ela conversou.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.