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Folha de S.Paulo

Lirinha apresenta solo teatral em SP

19.12.2007  |  por Valmir Santos

São Paulo, quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

TEATRO 

Vocalista do Cordel do Fogo Encantado estréia performance em que questiona a condição de vendedor de poesia
 

Músico carrega para a cena uma caixa-carrinho a partir da qual aciona alavancas e pedais para disparar luzes e sons durante suas falas

 
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local 

Poeta e vocalista do Cordel do Fogo Encantado, João Paes de Lira, o Lirinha, contava 12 anos quando recebeu o primeiro cachê na vida. Ele não lembra o valor, mas “era pouco”. 

Foi num concurso de cantoria de viola no teatro Guararapes, em Recife. No intervalo, recitou poetas populares no centro do palco, atrás de um microfone, sob luzes e olhares. 

“Estranhei receber aquele dinheiro por algo que até então fazia de graça, e com muita alegria”, diz Lirinha, 31. 

Um tanto daquela passagem, e a trajetória artística cumprida dali em diante, com o híbrido de poesia, teatro e música, está na performance que ele protagoniza, “Mercadorias e Futuro”. A estréia acontece em duas apresentações, hoje e amanhã, no Sesc Pompéia. 

Lirinha retoma o espírito do teatro que deu origem à banda no espetáculo “Cordel do Fogo Encantado”, que criou com amigos na Arcoverde natal, no sertão de Pernambuco, aos 16. 

“Com o espetáculo, exponho um dos meus maiores questionamentos como artista, que é a venda da poesia; a função que o capitalismo me impôs para viver de poesia”, conta o autor.

Ele surge em cena como Lirovsky, vendedor de livros que monta banca em qualquer canto da fictícia Interlândia. 

Como o mascate que atrai sua clientela para a roda anunciando atravessar o aro de bicicleta adornado com facas, o personagem apela a uma caixa-carrinho de som e luz. Lirovsky carrega consigo essa parafernália eletrônica a um só tempo rudimentar e sofisticada. Por meio de alavancas e pedais, dispara os recursos com os quais interage com as falas. “Vender é descobrir nas coisas outras propriedades”, afirma. 

A corruptela do apelido Lirinha com o nome do personagem, Lirovsky, dá a medida da extensão biográfica do projeto. 

Passa pela memória pessoal, como no episódio da doença que o abateu aos 9 anos, parcialmente descrito em off pela mãe, Lizete, que perambulou com o menino raquítico por vários médicos, até levá-lo a um curandeiro, atendendo ao clamor da vizinhança. Fé à vista. 

“Lirinha estudou profundamente o tema da profecia para ter o domínio que o Lirovsky pede. Fez um processo parecido com construção de personagem, não foi apenas criação de texto”, afirma a atriz Leandra Leal, 25, que co-dirige a performance do poeta.
 
A narrativa pretende conciliar os profetas com a consciência da loucura. Roça realidade e ficção ao percorrer o legado de três deles: os visionários João Pedra Maior, Teresa Purpurina e Benedito Heráclito. “Eles têm a dimensão do sagrado, mas sem perder o devaneio. É como se a profecia fosse devolvida ao seu lugar de origem, que é a poesia”, diz Lirinha. 

Quase paralelo à performance, ele deu à luz o também romance “Mercadorias e Futuro”, que deve publicar em 2008, ano em que gravará o quarto álbum do Cordel.



Mercadorias e futuro
Quando: hoje e amanhã, às 21h 
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, tel. 0/xx/11/3871-7700) 
Quanto: de R$ 4 a R$ 16 

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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