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Crítica

Norma Aleandro dirige Bergman convencional

4.9.2013  |  por Ferdinando Martins

Foto de capa: Divulgação

Quando exibido na Suécia, em 1973, Cenas de um casamento foi considerado culpado pelo aumento do número de separações no país. O filme de Ingmar Bergman, dividido em seis capítulos, foi estrelado por Liv Ullmann e não pôde concorrer ao Oscar por ter sido transmitido integralmente na televisão. Quarenta anos depois, é difícil imaginar que algum dos 4.524 espectadores que semanalmente têm lotado o Teatro Maipo, em Buenos Aires, associem a peça aos índices de divórcio.

Adaptada para o teatro pelo próprio Bergman, Escenas de la vida conyugal é um dos maiores sucessos da atual temporada portenha. O êxito já era esperado. A peça foi feita por nomes que atraem um bom público, em um espaço histórico na tradicional Avenida Corrientes. Ricardo Darín interpreta Juan, professor universitário que, sem saber explicar o motivo, abandona esposa e filhas para viver com outra mulher – em outro país. Valeria Bertuccelli é Mariana, a esposa traída que não tenta salvar o casamento, mas entender o que aconteceu. São sete sequências (uma a mais que a versão audiovisual) que recortam diferentes momentos – as “cenas” – da vida conjugal.

Nada indica o que irá acontecer. Juan e Mariana vivem bem, trabalham, têm duas filhas e uma casa confortável. Chegam a divergir em algumas questões, como se devem ou não visitar os sogros no fim de semana, nada grave. Um dia, Juan chega em casa e avisa que irá mudar-se para Paris no dia seguinte com outra mulher, Paula, sua amante. Mariana não pede para ele ficar, não chora, não implora. O público não fica sabendo se ela sente revolta ou mágoa. A esposa pede apenas mais uma última noite juntos. A traição nada diz sobre o amor, nem o dela, nem o de Juan. E também não há culpados. É como se tivesse ocorrido de forma independente da vontade de quem quer que seja.

Darín e Bertuccelli na obra dirigida por Norma Aleandro

É nítida a tentativa de Bergman diminuir as tensões ao mínimo suficiente para o desenvolvimento da trama. Bertuccelli traduz essa contenção em gestos mínimos, sem amplidão, quase não explorando o espaço cênico. Darín, ao contrário, caminha, abre os braços, espalha-se pelo chão e chama a atenção da plateia com apartes. É um ator que domina bem poucos recursos de interpretação, mas sabe aproveitá-los para compensar suas deficiências. Ambos já trabalharam juntos no cinema (Clube da lua, XXY), mas é a primeira vez que dividem o palco.

A direção de Norma Aleandro não traz surpresas. Vale-se dos recursos metonímicos do teatro para recriar a já econômica atmosfera do filme. Na mesma linha, o cenário, de Juan Lepes, coloca em cena os objetos estritamente necessários. A exceção é a única cena que se passa no escritório de Juan, exuberante e excessivo como a personagem de Darín. Cabe notar que Mariana, ao entrar nesse espaço, permanece a maior parte do tempo sentada em uma única poltrona. Esse contraste entre o expansivo Juan e sua reservada ex-esposa é visível também no figurino, desenhado por Renata Schussheim: para ele, casacos e volumes; para ela, vestidos de cores neutras e cortes retos. A iluminação, de Omar Possemato, e a sonoplastia, de Guillermo Perulán, são pontuais e discretas.

Vale a pena chegar mais cedo para conhecer a arquitetura do Teatro Maipo. O prédio, um dos mais antigos de Buenos Aires, foi um solar construído pelo fidalgo espanhol Hernando de Mendoza em 1580, transformado em sala de espetáculos em 1908. A última reforma, depois de um incêndio em 1943, forneceu traços art-déco ao edifício. Os atuais proprietários são o empresário teatral Lino Patalano e o bailarino Julio Boca.

>> Site do espetáculo.

>> Dossiê sobre a cena de Buenos Aires

Ficha técnica

Autor: Ingmar Bergman

Tradução: Fernando Masllorens e Federico González del Pino

Direção: Norma Aleandro

Elenco: Ricardo Darín e Valeria Bertuccelli

Cenografia: Juan Lepes

Figurinos: Renata Schussheim

Iluminação: Omar Possemato

Sonoplastia: Guillermo Perulán

Assistente de direção: Dana Barber

Produção executiva: José Luis Mazza

Sociólogo, jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Líder da linha Estudos da Performance e Processos de Subjetivação do Grupo de Pesquisa Alteridade, Subjetividades, Estudos de Gênero e Performances nas Comunicações e Artes. Desenvolve pesquisas nas áreas de história da arte, teorias do teatro, estudos da performance, psicanálise e produção cultural. É, também, jurado dos prêmios Shell SP, Bibi Ferreira e da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA).

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