Reportagem
21.10.2013 | por Maria Eugênia de Menezes
Foto de capa: Renato Mangolin
Quer participar de uma aventura?, convidava Aury Porto, ao buscar os atores que fariam O duelo, espetáculo em cartaz no CCSP. A primeira a aceitar a proposta aventureira foi Camila Pitanga. E lá partiram os dois atrás de outros parceiros que topassem largar tudo e, durante meses, se refugiar em cidadezinhas do interior do Ceará. “Eram 15 dias em cada lugar”, conta a atriz. “E lá ficávamos trabalhando, passando um tempo na varanda, conversando no calor, ouvindo grilos e sapos.”
Todas essas experiências, de uma maneira ou de outra, entraram na composição da montagem – que parte da novela homônima de Chekhov e se passa, originalmente, no Cáucaso, região às margens do Mar Morto, de clima tão seco e quente quanto o do Nordeste brasileiro. Outro ponto essencial nesse processo de imersão foi a participação do público. Gente que, em sua maioria, nunca havia assistido a um espetáculo teatral, mas que foi chamada a acompanhar a criação da peça. “Tinha essa ideia de que aquelas pessoas estavam isoladas. Só que não foi isso que encontrei. Nós, nas grandes cidades, é que estamos sentido falta desse Brasil profundo, sem amarras, sem rancor”, acredita Pascoal da Conceição, que interpreta o personagem Von Koren.
Na trama, Von Koren é um zoólogo, cientista que pretende aplicar suas teorias darwinistas para explicar o funcionamento da sociedade. Em espectro oposto está Laiévski (vivido por Aury Porto), um humanista, bon vivant que se refugiou no balneário depois de fugir de São Petersburgo com Nadejda (Camila Pitanga), mulher casada com outro homem. “Laiévski prega o respeito à individualidade, à liberdade”, considera Porto. “Porém, não tem propriamente um ideário a defender.”
A exemplo de boa parte dos protagonistas de Chekhov, Laiévski só quer escapar da vida aborrecida que leva. Deseja partir em busca de uma nova cidade, entediou-se com a amante que escolheu e tenta agora encontrar um meio de livrar-se dela. Visto sob essa perspectiva, o duelo que ele trava com Van Koren não surge como um conflito em torno de ideias, mas como um ato impensado. “Nenhum dos dois queria lutar. Acontece sem querer”, pontua Pascoal da Conceição. “Mas as coisas não mudaram muito nesse sentido, o duelo continua a ser a opção de quem não tem vocabulário para lidar com os conflitos.”
Sem tomar parte nessa disputa, Nadejda paira como personagem enigmática. Não se sabe exatamente no que está pensando ou quais são seus desejos. “Ela é diferente deles”, diz Camila. “Não fica elaborando teorias. Opera no campo das ações. Quer ser livre, mas só até certo ponto”.
O duelo, que fez sua estreia nacional em Fortaleza e é dirigido por Georgette Fadel, marca a quarta incursão da Mundana Cia. pelos autores russos: antes vieram O Idiota, de Dostoievski, Pais e Filhos, de Turguêniev, além de um projeto que unia quatro peças do próprio Chekhov.
Centro Cultural São Paulo.
Sala Ademar Guerra.
Rua Vergueiro, 1.000, 3397-4001.
5ª a dom., 19h30. R$ 20. Até 3/11.
Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, em 11/10/2013
Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.