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Crítica

Ceronha esculpe Camille em seus temores

29.1.2014  |  por Clarissa Falbo

Foto de capa: Rogério Pontes

O que as loucuras e os medos de uma pessoa dizem sobre quem ela é? Os delírios de Camille Claudel (1864-1943), escultora francesa, aluna e amante de Auguste Rodin (1840-1917), abandonada pelo mestre e internada pelos parentes em um asilo, são a matéria-prima usada pela atriz Ceronha Pontes para esculpir os contornos da personagem.

Intérprete e autora da dramaturgia, Ceronha modela Camille desgastada pelos anos de reclusão e abandono no manicômio, amargurada pelo pouco crédito que lhe deu a sociedade francesa de sua época e ressentida com Rodin, que não a assumiu como mulher, nem a defendeu quando a acusaram de copiar a arte do mentor.

Se o gênio de Camille está impresso nas formas de bronze que esculpiu, também está exuberante e implacável na sua paranoia. A personagem se confronta com os fantasmas de quem a fez sofrer. Em discussões imaginárias e acaloradas, manifesta o rancor que a corrói e passa a limpo, uma a uma, as injustiças a que foi vitimada, o preconceito de gênero que permeou toda a sua trajetória e o tolhimento artístico que lhe impunha Rodin.

À medida que a personagem é revelada por suas fobias, se materializam, no corpo da atriz, com o barro e a areia – rudimentos do ofício de esculpir, as formas femininas tão presentes no legado de Claudel. Martelo e cinzel, extensões das mãos de quem burila poesia nas pedras, modelam o ar e produzem o som agudo que remete de imediato a essa expressão artística.

Ceronha Pontes revisita solo com criadores do Recife e Fortaleza

Ceronha revisita os meandros da vida da artista francesa 12 anos depois da primeira montagem da encenação, em 2001, levada em Fortaleza. A atriz cearense, agora naturalizada na capital pernambucana, arregimenta esforços artísticos dos dois Estados na montagem: seus companheiros do Coletivo Angu de Teatro, Marcondes Lima (orientação de figurinos) e Tadeu Gondim (produção executiva) em Recife e Rogério Mesquita (produção executiva) e Yuri Yamamoto (cenário) do grupo cearense Bagaceira, além de Walter Façanha (iluminação).

Na semana passada, a apresentação no 20º Janeiro de Grandes Espetáculo reafirma a Camille de Ceronha como metáfora dela própria, a atriz, e de todos os artistas do mundo e de todos os tempos, pessoas que sabem que a substância de seus temores é a mesma que dá viço a sua obra. Só eles o sabem.

:.: Blog da atriz Ceronha Pontes, aqui.

Natural de Recife. Graduou-se em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e direito pela UFPE. Trabalhou no jornal Folha de S.Paulo (2010-2012), onde atuou como repórter de teatro e dança da revista sãopaulo. Foi setorista de teatro da revista Continente. Escreveu reportagens e críticas para o jornal Ponte Giratória, publicação editada durante o Festival Palco Giratório, realizado pelo Sesc Pernambuco. Tem a sorte de ser míope. Por isso, quando criança, era acomodada nos degraus do palco para ver os espetáculos. Assim, sempre chegava bem cedo, podia prestar atenção no antes e em tudo e descobriu-se, ou tornou-se, aficionada. Segue míope, não pode mais ocupar os degraus, mas senta nas primeiras filas. Até hoje, não sabe descrever a beleza do cheiro dos holofotes.

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