Crítica
O que as loucuras e os medos de uma pessoa dizem sobre quem ela é? Os delírios de Camille Claudel (1864-1943), escultora francesa, aluna e amante de Auguste Rodin (1840-1917), abandonada pelo mestre e internada pelos parentes em um asilo, são a matéria-prima usada pela atriz Ceronha Pontes para esculpir os contornos da personagem.
Intérprete e autora da dramaturgia, Ceronha modela Camille desgastada pelos anos de reclusão e abandono no manicômio, amargurada pelo pouco crédito que lhe deu a sociedade francesa de sua época e ressentida com Rodin, que não a assumiu como mulher, nem a defendeu quando a acusaram de copiar a arte do mentor.
Se o gênio de Camille está impresso nas formas de bronze que esculpiu, também está exuberante e implacável na sua paranoia. A personagem se confronta com os fantasmas de quem a fez sofrer. Em discussões imaginárias e acaloradas, manifesta o rancor que a corrói e passa a limpo, uma a uma, as injustiças a que foi vitimada, o preconceito de gênero que permeou toda a sua trajetória e o tolhimento artístico que lhe impunha Rodin.
À medida que a personagem é revelada por suas fobias, se materializam, no corpo da atriz, com o barro e a areia – rudimentos do ofício de esculpir, as formas femininas tão presentes no legado de Claudel. Martelo e cinzel, extensões das mãos de quem burila poesia nas pedras, modelam o ar e produzem o som agudo que remete de imediato a essa expressão artística.
Ceronha Pontes revisita solo com criadores do Recife e Fortaleza
Na semana passada, a apresentação no 20º Janeiro de Grandes Espetáculo reafirma a Camille de Ceronha como metáfora dela própria, a atriz, e de todos os artistas do mundo e de todos os tempos, pessoas que sabem que a substância de seus temores é a mesma que dá viço a sua obra. Só eles o sabem.
:.: Blog da atriz Ceronha Pontes, aqui.