Reportagem
13.2.2014 | por Helena Carnieri
Foto de capa: Elenize Dezgeniski
A CiaSenhas estreia nesta quinta a peça mais realista de seus 15 anos de vida. Mas é um realismo estranho, como condiz com a companhia experimental e o dramaturgo de Obscura fuga da menina apertando sobre o peito um lenço de renda, o argentino Daniel Veronese.
Do mesmo autor, o grupo montou em 2012 Circo negro. Dessa vez, o trabalho simula uma interação familiar, com direito a um cenário (Paulo Vinícius) em que o espectador se acomoda em cadeiras vintage que poderiam compor uma sala do interior brasileiro, com portas e janelas que querem trazer quem assiste para dentro de casa.
A trama, tensa, fala de uma filha que sumiu, Martina, deixando cartas para família e amigos. Entre as calorosas discussões dos que ficam para trás, a encenação poderia ser confundida com um melodrama, mas o efeito novelesco é interrompido graças ao travestimento entre pai e mãe, que deixam suas identidades confusas de início.
“Quisemos colocar o discurso que seria de uma mãe na boca de um pai, numa voz masculina, e vice-versa. Desconstruir ideias, o que é diferente de um homem imitar uma mulher”, contou a diretora Sueli Araujo à Gazeta do Povo, após um ensaio. Ela se referia ao efeito conferido pelo vozeirão do ator Luiz Bertazzo, emoldurado por um sisudo terno e penteado feminino, ao lado da suave Greice Barros, de tailleur, bigode e gravata (em composições de Amábilis de Jesus).
A própria tradução do espanhol para o português, de Isabel Cristina Jasinski, se encarregou de amenizar o drama. Com um trabalho sobre o texto que envolveu ajustes em cena, as palavras acabam soando muito cotidianas, ainda que tensas e tendendo ao exagero quase o tempo todo. “Como transformar a emoção em algo crível?”, questiona Sueli. Com esse desafio em mente, ela direciona os atores durante o ensaio: “Ouça o que você está dizendo”, sugere, para que a contenção do drama permaneça no “ponto”: um equilíbrio instável.
Com ênfase na palavra, a ação se resume à rememoração da vida de Martina em casa e à troca de acusações sobre o que a teria levado a partir. Um apaixonado, uma amiga íntima e um carteiro (Ciliane Vendruscolo, Kenni Roger e Rafael di Lari) também adentram a casa trazendo novos elementos ao enredo da fuga – que, para Sueli, fala muito do momento por que passamos no Brasil.
“Vivemos perdas com intensidade, seja com relação a casos como o de Amarildo [pedreiro que sumiu após ser detido pela polícia no Rio], à ditadura, à boate Kiss…”
.:. Publicado originalmente na Gazeta do Povo, Caderno G, p. 1, em 12/2/2014.
Obscura fuga da menina apertando sobre o peito um lenço de renda – Qui. a dom., às 20h. Grátis. Teatro Novelas Curitibanas (r. Presidente Carlos Cavalcanti, 1.222, São Francisco, Curitiba, tel. 41 3321-3358. Até 16/3.
Ficha técnica:
Texto: Daniel Veronese
Direção: Sueli Araujo
Tradução: Isabel Cristina Jasinski
Com: Ciliane Vendruscolo, Greice Barros, Luiz Bertazzo, Kenni Roger e Rafael di Lari
Preparação corporal: Cinthia Kunifas
Iluminação: Wagner Corrêa
Figurino: Amábilis de Jesus
Cenário: Paulo Vinícius
Maquiagem: Marcia Moraes
Desenho de som/Trilha sonora: Ary Giordani
Direção de produção: Marcia Moraes
Assistência de produção: Edran Mariano
Assessoria de imprensa: Fernando de Proença
Programação visual: Adriana Alegria
Fotografia: Elenize Dezgeniski
Jornalista formada pela Universidade Federal do Paraná, instituição onde cursa o mestrado em estudos literários, com uma pesquisa sobre A dama do mar de Robert Wilson. Cobre as artes cênicas para a Gazeta do Povo, de Curitiba, há três anos. No mesmo jornal, já atuou nas editorias de economia e internacional.