Menu

Reportagem

Produção nacional finca agenda no exterior

15.4.2014  |  por Maria Eugênia de Menezes

Foto de capa: Mauro Kury

A escolha do Brasil como convidado de honra para o Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá é mais que uma homenagem localizada. Primeiro vizinho sul-americano a receber tal lugar de destaque dentro do evento internacional, o País vive um momento de frutífera produção na área e assume uma postura mais agressiva no que diz respeito à conquista de mercados para as artes cênicas.

A presença nos grandes festivais ao redor do mundo deixa de ser esporádica. Também cresce visivelmente a aliança com fundos e entidades estrangeiras, que passam a investir em coproduções com artistas nacionais.

“Os olhos do mundo estão voltados para o Brasil”, afirma Victor Quesada, membro do comitê de curadores do Festival de Bogotá. “Será a sede dos dois maiores eventos esportivos do planeta, o que desperta naturalmente a curiosidade das pessoas. Além disso, vive um momento de grande efervescência teatral.”

Para os colombianos, tal fase profícua foi apresentada em oito espetáculos. Entre eles, houve espaço para grandes produções, como A dama do mar, dirigida por Bob Wilson, e Till, a saga de um herói torto, do grupo Galpão. Mas chama atenção o espaço dado a novos autores: os jovens Leonardo Moreira, Grace Passô e Diogo Liberano são exemplos do tipo de criação que o festival procurou destacar.

“As feiras de Frankfurt e Bolonha foram essenciais para expandir a literatura. Agora, chegou a vez das artes cênicas”, diz Rodrigo Almeida, diplomata responsável pelo setor cultural da Embaixada do Brasil na Colômbia. “Essa nova dramaturgia tem universalidade suficiente para a agradar ao público estrangeiro.”

Os espetáculos brasileiros encenados em Bogotá tiveram boa acolhida do público. Dias antes das sessões, vários já estavam com lotação esgotada. Mas a presença no evento, que recebe dezenas de produtores internacionais em busca de novas criações, também foi reforçada por um ciclo de dramaturgia. Textos de 14 escritores nacionais foram mote para leituras dramáticas de artistas colombianos. Também foi lançado um livro que reúne os títulos traduzidos para o espanhol. “É um projeto de grande envergadura para a difusão do teatro brasileiro”, expõe André Dunham Maciel, do Ministério das Relações Exteriores. “Ser montado por artistas locais é essencial para despertar interesse e para criar laços.”

Montagem de 'Till' que o Galpão apresenta em BogotáGuto Muniz

Montagem de ‘Till’ que o Galpão apresenta em Bogotá

De acordo com o Itamaraty, a intenção é replicar o projeto em ao menos outros sete idiomas: inglês, francês, italiano, sueco, mandarim, coreano e árabe. Os títulos que serão traduzidos já foram selecionados, mas o trâmite é lento. Os próximos lançamentos estão previstos só para 2015 e, idealmente, aconteceriam durante um grande evento da área cênica e apoiado por um conjunto de atividades que envolvam atores e diretores locais.

Maiores vitrines para as artes cênicas no hemisfério norte, os festivais de Avignon, na França, e Edimburgo, na Escócia, ainda são terrenos praticamente inexplorados para o nosso teatro. Até 2012, a cidade francesa só havia tido um título nacional entre as mais de 7.000 obras que já apresentou. Na mostra escocesa, a participação costumava se resumir a uma peça por ano – que naturalmente diluía-se entre as quase 2.700 obras que compõem a grade do Fringe. Mas essa presença, antes episódica, tem crescido consideravelmente nos últimos dois anos.

Em 2013, pela primeira vez, houve uma delegação brasileira enviada a essas cidades. Capitaneada pelo festival Cena Brasil Internacional, a seleção trazia seis espetáculos, entre eles A A marca da água, da Armazém Cia. de Teatro, Ato de comunhão, de Gilberto Gawronski e Prometheus – A tragédia do fogo, da cia. Balagan.

O País deve repetir agora o envio de representações para as mostras europeias. Neste ano, já estão confirmadas as participações das companhias Caixa do Elefante, Amok, Armazém, Mundana e Meu Tio. A cia. Mungunzá, de São Paulo, também está cotada, mas ainda depende de recursos para viabilizar sua ida.

A proposta não quer apenas trazer visibilidade. A intenção é familiarizar os criadores com esses novos contextos e gerar negócios. “Um programador internacional sempre leva questões operacionais em conta. Na primeira vez, sentíamos uma resistência muito grande dos grupos em adaptar suas encenações”, observa Marcelo Veloso, do Cena Brasil Internacional. “Mas isso já está acontecendo naturalmente.” Para facilitar a produção, Veloso conta que os cenários não serão mais transportados até a Europa. “Estamos produzindo tudo em Portugal.”

Outra prática que vem se intensificando é a coprodução com entidades estrangeiras. O próximo trabalho do Teatro da Vertigem – Dizer o que não pensamos em línguas que não falamos – nasce da parceria entre o Teatro Nacional da Bélgica e o Festival de Avignon. Outro caso eloquente de expansão internacional é a Cia. Hiato. O grupo do diretor e dramaturgo Leonardo Moreira tem trabalhado lado a lado com estrangeiros. Sua obra mais recente, 2 ficções, é coproduzida pelo Kunstenfestivaldesarts, de Bruxelas.

.:. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, Caderno 2, p. C3, em 15/4/2014.

.:. A jornalista viajou a convite da organização do festival e da agência de promoção Invest in Bogotá

Crítica teatral, formada em jornalismo pela USP, com especialização em crítica literária e literatura comparada pela mesma universidade. É colaboradora de O Estado de S.Paulo, jornal onde trabalhou como repórter e editora, entre 2010 e 2016. Escreveu para Folha de S.Paulo entre 2007 e 2010. Foi curadora de programas, como o Circuito Cultural Paulista, e jurada dos prêmios Bravo! de Cultura, APCA e Governador do Estado. Autora da pesquisa “Breve Mapa do Teatro Brasileiro” e de capítulos de livros, como Jogo de corpo.

Relacionados