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Prefácio

Apresentação

22.5.2014  |  por Valmir Santos

Foto de capa: Reprodução

Os nove roteiros empilhados nestes papeis constituem de fato dramaturgias expandidas e estrategicamente esburacadas. Tanto a percepção advinda do livro como aquela plasmada da cena convocam o senso crítico do interlocutor por excelência, o público. A captura pelo imaginário encaixa signos e estranhamentos conforme o grau de leitura emancipada. Cada um está livre para se achar ou se perder diante das ilusões e realidades embaralhadas nas obras com as quais o ERRO Grupo adentra as veias da cidade. Eis a dedução semântica da experiência de fruir essas palavras impressas, portanto apartadas das situações performativas, interventivas e afins para as quais foram geradas.

Se as linhas anteriores soam maniqueístas é reflexo invertido dos textos que ilidem as estruturas do poder, suas relações de força moral, simbólica e material. Tomando-se a “linguagem de padrões” do teórico de arquitetura Christopher Alexander é como se a coletânea do núcleo construísse uma rede interdependente na abordagem política das discussões de classe, de gênero, de crença, de alienação, de subjugação e de outros dilemas clássicos e contemporâneos da vida em sociedade. Derivação, em suma, da troika do capitalismo em suas múltiplas feições: tradição, família e propriedade.

Nascido sob a égide de uma greve de alunos e de professores da Udesc, na virada do milênio, é elementar que a politização faça parte do DNA das criações do ERRO. Na década que compreende a produção dramatúrgica aqui esculpida em celulose, de 2002 a 2012, a preocupação social dos primeiros textos torna-se acentuadamente indireta sem perder agudeza.

A representação, por sua vez, é sempre preterida com objetividade e transparência, inclusive tomando-se a liberdade de cooptá-la subversivamente. Infiltrações de parateatro e metateatro expõem o grupo em seu próprio movimento evolutivo e como que incidem sobre as biografias que o compõem. Intuímos que essas entrelinhas ficam mais evidentes nestas páginas, lidas a essa altura da existência, do que nas ações de origem ao vivo.

A poética evocada no título deste volume é sustentada pela consciência de observação da equipe na hora de operar os dispositivos que colocam a urbanidade em xeque, instigando o cidadão a pensar a sua condição e a do próximo.

Alteridade não é sinônimo de condescendência. Deve ser aberta à base de britadeira cênica no asfalto ou calçadão com o espírito do jogo e da brincadeira. O humor é traço recorrente para armar ou desarmar os percursos. Atuantes vão a campo de peito aberto e com margem para manobrar os acasos e as emoções mais exaltadas no intercurso com os transeuntes.

Nessa galeria de situações contra-hegemônicas, sejam dialógicas, narrativas ou discursivas urge notar como a implausibilidade é alijada sem a menor cerimônia. Como na visionária ação de recepção Enfim um líder, programada para durar três dias contínuos demandando pelo menos 16 horas de cada um deles. O simulacro fervoroso da espera de um salvador/herói mina a realidade a ponto de desencaminhar meios de comunicação.

Em Autorama três automóveis têm seus alto-falantes convertidos em vozes de pai, mãe e filha – raríssima licença dramática em território tomado por figuras e figurações. No caso, território sobre quatro rodas instrumentalizado pela extensão do humano.

Os textos pedem jogadores/reflexos/atuantes que conspirem rigorosidade nos diferentes graus de execução das táticas, princípios e teorias acumuladas ao longo da história do coletivo iniciada em 2001. A perspectiva é de guerrilha. Uma frase em Buzkashi poderia servir como sintaxe das mediações erráticas no adjetivo e no substantivo: “O crime perfeito seria a eliminação do real”, diz a performer narradora.

Tens em mãos, portanto, uma espécie de memorabilia do enunciado que aguça a visão e a escuta segundo percepções e estímulos lançados da plataforma situacionista do ERRO. O desassossego é sua bússola desde Florianópolis, outrora Ilha do Desterro, nome mais informe à pesquisa permanente do grupo cuja sina é radicar em arte.

.:. Apresentação ao livro Poética do ERRO: Dramaturgias, páginas 11 a 13. Ilha do Desterro – ERRO Grupo de Teatro, 2014. Organização de Luana Raiter e Pedro Bennaton, ambos correalizadores do projeto gráfico com Marina Moros.

.:. O site do ERRO Grupo de Teatro, aqui.

Sem créditos

Intervenção ‘Desvio’ em Florianópolis em 2011

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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