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Reportagem

Projeto ‘3 X Roveri’ é aula prática sobre teatro

19.5.2014  |  por Gabriela Mellão

Foto de capa: Guilherme C.

A raiz é a mesma, mas dá origem a espécies teatrais de naturezas distintas. A peça de Sérgio Roveri Os que vêm com a maré está em cartaz em três encenações diferentes, realizadas por Maria Alice Vergueiro, do Grupo Pandega, Fernando Neves, da cia. Os Fofos Encenam; e Rodolfo García Vázquez, diretor dos Satyros, coletivo idealizador deste projeto intitulado 3XRoveri.

Como explicar que os espetáculos pareçam obras distintas, se elenco e cenário são os mesmos e nenhum encenador alterou o texto de Roveri? “O projeto é uma aula sobre teatro. Nos faz pensar em como o texto pode ser uma plataforma que nos permite experiências teatrais radicalmente distintas”, diz Vázquez. “O teatro é uma experiência que acontece ao vivo, na troca entre atores e espectadores, em um certo local e em um certo tempo. E isso está além do texto em si”, complementa.

A peça de Roveri permite múltiplas leituras ao contar, de maneira poética, a história de um casal que não consegue lidar com o fato de que seu filho está doente. “Procurei falar de esperanças que não se cumprem. Retratar um tipo de situação, mais comum do que a gente imagina, que nos leva a acreditar em algo que realmente está fora das nossas possibilidades”, explica Roveri.

Na trama, o jovem sofre diante dos olhos dos pais. Está apático, exala falta de vitalidade, e suas crises de tosse sem fim tornam-se sinfonia recorrente na casa. Mesmo assim, a dupla prefere acreditar que o filho saiu de casa para trabalhar e aguardar seu retorno ansiosamente.

Os diretores selecionados para o projeto possuem linguagens teatrais particulares. Seguindo a tradição de sua pesquisa sobre circo teatro, Fernando Neves enfatiza a teatralidade em cena. Opta por uma encenação exagerada que carrega nas tintas dramáticas. “É uma completa histeria”, sintetiza Neves.
Vázquez opta pela quebra da ilusão teatral e aproxima a encenação da realidade brasileira dos anos 70, marcada pelo surgimento da Aids e pela predominância das chamadas músicas brega nas rádios AM.

“Tentei me ater à compreensão da dramaturgia de um ponto de vista mais estrutural. Entender como o texto foi arquitetado, quais as suas camadas e leitura possíveis”, explica Vázquez, que define sua empreitada como um “espetáculo brega neo-expressionista”.

Suzana Muniz na encenação de Vázquez

O teatro de Maria Alice Vergueiro dá uma abordagem filosófica ao texto de Roveri. A inspiração vem do realismo fantástico de Gabriel García Márquez.

Enquanto as duas outras montagens sugerem que o personagem filho possui Aids, esta faz crer em cena que o jovem padece de perda da humanidade, a epidemia do mundo contemporâneo. Ao encarnar o doente na montagem, Robson Catalunha vomita costela de vaca, vê membranas crescerem entre seus dedos, e seu rosto se fundir com o de um peixe.

“Ele vive uma transformação de espécie”, resume Vergueiro. Para Luciano Chirolli, seu parceiro ao lado de Carolina Splendore , esta transfiguração do humano pode tanto se tratar de uma evolução quanto de uma involução do homem. O trio do Grupo Pandega prefere deixar em aberto se o texto sugere um novo voo, ou se prenuncia a queda do ser humano.

Vergueiro faz da condição do personagem um espelhamento de seu momento de vida. “Com quase 80 anos, sinto que estou indo. Mas pode não ser um final, pode ser uma abertura para novos caminhos”, diz ela.

Serviço:
Projeto 3XRoveri – Os que vêm com a maré
Onde: Espaço dos Satyros (Praça Franklin Roosevelt, 214, Consolação, São Paulo, tel. 11 3258 6345)
Quando: Terça, às 20h (encenação de Vázquez) e às 22h (encenação de Neves). Quarta, às 20h (Neves) e às 22h (Maria Alice). Quinta, às 20h (Maria Alice) e às 22h (Vásquez)
Quanto: R$ 5 a R$ 20.

Catalunha, Pettine e Dione na versão de Neves

Ficha técnica:
Texto: Sérgio Roveri
Direção: Maria Alice Vergueiro, Fernando Neves e Rodolfo García Vázquez
Com: Robson Catalunha, Suzana Muniz, Dione Leal e Ricardo Pettine
Assistentes de direção: Carol Splendore e Luciano Chirolli, na montagem de Maria Alice Vergueiro; e Marcelo Thomáz, na versão de Rodolfo García Vázquez
Cenário: Marcelo Maffei e Pablo Benitez Tiscornia
Figurino: Telumi Hellen
Trilha Sonora: Luciano Chirolli, na concepção de Maria Alice Vergueiro; Pedro Zurawski, para a montagem de Fernando Neves; e Ivam Cabral, na versão de Rodolfo García Vázquez
Desenho de Luz: Flávio Duarte
Produção: Cia. de Teatro Os Satyros
Projeto patrocinado pela Funarte, através do Prêmio Myrian Muniz

Autora, diretora e jornalista teatral. Pós-graduada em Jornalismo Cultural na PUC-SP, estudou Cultura e Civilização Francesa na Sorbonne, em Paris, e Dramaturgia e História do Teatro Moderno em Harvard, Boston. Escreve para Folha de S.Paulo e revista Vogue. Compõe o júri do prêmio APCA de teatro. É autora e diretora de Nijinsky - Minha loucura é o amor da humanidade (2014), peça convidada a integrar o Festival de Avignon de 2015. Tem cinco peças encenadas, Ilhada em mim – Sylvia Plath (indicada ao prêmio de melhor direção pela APCA de 2014); Espasmo (2013); Correnteza (2012); Parasita (2009), A história dela (2008), além de um livro publicado com suas obras teatrais: Gabriela Mellão – Coleção primeiras obras. Lecionou Laboratório de Crítica Teatral para o curso de Jornalismo Cultural na pós-graduação da Faap, entre 2009 e 2012. Foi crítica da revista Bravo! entre 2009 e 2013, ano de fechamento da mesma.

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