Crítica
2.5.2014 | por Daniel Schenker
Foto de capa: Ernesto Vasconcelos - Clix/FTC
Proposta de intercâmbio franco-brasileiro entre a Companhia Brasileira, dirigida por Marcio Abreu, o coletivo Jakart/Mugiscué e o Centre Dramatique National du Limousin, Nus, ferozes e antropófagos foi apresentada no formato de processo dentro da última edição do Festival de Teatro de Curitiba, que tomou conta da capital paranaense entre o final de março e o início de abril. A estreia está marcada para o próximo dia 13 no Théâtre de l’Union – Centre Dramatique National du Limousin, em Limoges, na França.
É justo que as observações contidas nessa análise digam respeito ao estágio no qual o trabalho se encontrava no instante em que despontou em Curitiba. No entanto, o principal problema que atravessa Nus, ferozes e antropófagos parece independer do período em que foi mostrado. Afinal, reside no tema eleito (o intercâmbio com o estrangeiro), que soa bastante batido. Trata-se de um problema de base, que norteia toda a criação conduzida por Marcio Abreu, Pierre Pradinas e Thomas Quillardet.
Através de uma sucessão de cenas, os atores (Aliènor Marcadé, Aurélien Chaussade, Cássia Damasceno, Claire Lapeyre, Giovana Soar, Larissa Siqueira, Maloue Foudrinier, Nadja Naira, Renata Hardy e Rodrigo Bolzan) abordam os olhares estereotipados lançados sobre os dois países, frisam o preconceito arraigado que contamina as relações, evidenciam a impossibilidade de se colocar diante do outro e como a insistência na imposição dos próprios códigos culturais se configura como um ato de negação da diferença.
Há momentos algo inconsistentes – como a tentativa de incorporação de gírias do país diverso e a explosão dos recalques por meio de uma sequência de xingamentos – e cenas melhores – como aquela em que os atores mencionam vários fatos referentes à história de seu país e do mundo, revelando como esses acontecimentos isolados passaram a se constituir como patrimônio afetivo de cada um. Em determinadas passagens, Nus, ferozes e antropófagos se aproxima do registro do depoimento, empregado para realçar a percepção individual de que a cultura estrangeira foi devidamente interiorizada, apropriada, tornando-se, portanto, fundamental para a formação da própria identidade. Ao trazer à tona a sensação subjetiva de uma conexão distante, mas profunda, com o outro, o trabalho se afasta, em certa medida, do lugar-comum.
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Ficha técnica:
Direção: Marcio Abreu, Pierre Pradinas e Thomas Quillardet
Com: Aliénor Marcadé, Aurélien Chaussade, Cássia Damasceno, Claire Lapeyre, Giovana Soar, Larissa Siqueira, Maloue Foudrinier, Nadja Naira, Renata Hardy e Rodrigo Bolzan
Iluminação: Nadja Naira
Operação de luz: Henrique Linhares
Produção: Cássia Damasceno e Claire Guièze
Produção Executiva: Isadora Flores
Realização: Companhia Brasileira de Teatro, Coletivo Jakart/Mugiscué e Centro Dramático Nacional de Limousin
Bacharel em Comunicação Social pela Faculdade da Cidade. É doutor em artes cênicas pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da UniRio. Trabalha como colaborador dos jornais O Globo e O Estado de S.Paulo e das revistas Preview e Revista de Cinema. Escreve para os sites Questão de Crítica (questaodecritica.com.br), Críticos (criticos.com.br) e para o blog danielschenker.wordpress.com. Membro do júri dos prêmios da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), Cesgranrio e Questão de Crítica.