Crítica
Nem é necessário ir até Fortaleza para saber o quanto a capital cearense tornou-se um celeiro incrivelmente fértil de humoristas de tônus popular. Tantos, mas tantos profissionais assim, que muitos transbordaram do extenso mercado local dedicado ao humor para os palcos do país afora. Também prosperou por lá, sobretudo ao longo da última década, um teatro menos circunscrito ao riso. Fenômeno semelhante se registrou em outras grandes cidades nordestinas, onde jovens artistas se estabeleceram em grupos e buscaram viver do que fazem. Exemplos do Piollim, de João Pessoa; do Clowns de Shakespeare, de Natal; do Bagaceira, também de Fortaleza; e do Magiluth, de Recife.
Os cearenses do Teatro Máquina constituem um destes grupos, provavelmente, um dos que mais conquistaram reconhecimento noutras praças. Até no Fringe, do festival de Edimburgo, Escócia, o grupo já esteve. Ivánov, exibido gratuitamente no Galpão Cine Horto, entre os dias 9 e 11/5, trouxe o Teatro Máquina pela segunda vez a Belo Horizonte. É sua mais recente criação (estreou em 2011) e já obteve repercussão equivalente a Cantil, de 2008, até então seu mais visto e premiado espetáculo. O grupo existe desde 2003.
Distinguido pela revista Bravo! como um dos dez melhores nacionais na temporada de 2012, Ivánov recém-visitou três capitais, graças ao prêmio de circulação/Sudeste da Petrobras: encerrou o giro em BH, depois de passar por São Paulo e Vitória. Pena, o espetáculo é decepcionante sob muitos aspectos.
A adaptação torna o enredo do russo Anton Tchekhov – autor soberano na descrição de silêncios, de subentendidos, de poucas palavras – um feixe de discordâncias, proferidas em muitos decibéis; personagens sofridos, mas tão pouco delineados, que leva a supor que a juventude evidente do elenco de seis atores é incapaz de traduzi-los; e drama, um após outro, menosprezados pelo desejo de gerar efeitos, cenas de impacto somente aos olhos.
Diretora do espetáculo, Fran Teixeira admite a busca pela performance, pela não-representação. Mas seja lá que linguagem se adota no teatro, não invalida propor algo que prenda, que soe interessante ao espectador. Ivánov investe num teatro de imagens, e algumas até podem impressionar, mas a maioria brota sem nexo algum com o “con/texto”. Quase todas, se limitam ao desejo de instaurar molduras, ruídos, em desacordo com o enredo.
Por tudo isto, Cantil parece viajar mais longe. Investiga de modo interessante o uso do ator/marionete, caracterizado como múmia, e uma luz inesquecível, de tão intensa e predominante. Uma ousadia e tanto quando lembramos que o texto é de Brecht, tão dado à sobriedade da cena.
.:. O blog de Miguel Anunciação desde Belo Horizonte, aqui.
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Ficha técnica:
Direção: Fran Teixeira
Texto: A partir do texto de Anton Tchekhov
Com: Loreta Dialla, Ana Luiza Rios, Edivaldo Batista, Levy Mota, Márcio Medeiros e Fabiano Veríssimo
Música original: Ayrton Pessoa Bob
Cenografia e arte gráfica: Frederico Teixeira
Figurino: Diogo Costa
Desenho de Luz: Walter Façanha
Edição de vídeo: Felipe Caetano
Assistente de direção: Loreta Dialla
Colaboradoras corpo: Andréia Pires e Rosa Primo
Colaborador voz e interpretação: Danilo Pinho
Produção: Levy Mota e Sol Moufer
Jornalista profissional desde 1977, já integrou órgãos de imprensa de São Paulo, Salvador e Belo Horizonte. Atua como repórter e crítico de espetáculos há 20 anos. É curador assistente do Multifestival de Teatro de Três Rios (RJ).