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Reportagem

Voyeurismo segundo Paul Auster

29.7.2014  |  por Michele Rolim

Foto de capa: Cláudio Etges

Todas as pessoas têm um lado voyeur, pois sempre há interesse em saber algo sobre alguém. A curiosidade inerente a cada ser humano faz com que ele acabe “bisbilhotando” a vida alheia. As redes sociais podem ser uma prova disso. O espetáculo A vida dele debate essa questão, indo além. “O texto discute que existimos somente a partir do olhar do outro, e não a partir da nossa própria existência”, comenta o diretor da peça, Ramiro Silveira, traçando um paralelo com os dias atuais. “Se a pessoa posta algo na rede social e não recebe tantas curtidas, acha que não tem importância, ou seja, ela precisa da confirmação do outro cada vez mais”, aponta. A montagem marca o fim da trilogia do dramaturgo e cineasta norte-americano Paul Auster, 67 anos, proposta pela Cia. In.Co.Mo.De-te. A pré-estreia aconteceu no sábado passado, no Theatro São Pedro, e a temporada será no Teatro Renascença, a partir de 7 de agosto, em Porto Alegre.

Livremente inspirada nos textos Blecautes e Fantasmas, do autor, A vida dele tem dramaturgia assinada pela paulista Michelle Ferreira. “Neste terceiro trabalho queríamos algo mais autoral feito a partir da obra dele, que fechasse com o espírito do Paul Auster”, conta Silveira. A trilogia começou com o texto O gordo e o magro vão para o céu – que deu origem ao grupo e venceu o Açorianos de ator (Heinz Limaverde), em 2008. Depois veio DentroFora – também agraciada com melhor ator no Açorianos (Carlos Diniz) em 2009, além de Prêmios Braskem de espetáculo e direção (Carlos Ramiro Fensterseifer), em 2010.

A vida dele se passa no quarto de um hotel. Dois personagens espionam um terceiro e discutem sobre essa investigação. Em uma atmosfera de comicidade, a história os leva a um caminho inesperado. Tudo marcado por muito mistério. O projeto com Paul Auster partiu de Fensterseifer. “Os textos dele trazem uma reflexão sobre as coisas que estão em nosso entorno, que tratamos como rotineiras, mas que, na verdade, são instituições criadas e que nos colocam em situações desumanas”, afirma ele, em cena ao lado dos colegas Liane Venturella e Nelson Diniz, que também estavam nas montagens anteriores.

Liane, Diniz e Fensterseifer em ‘A vida dele’

Uma das grandes inspirações para o dramaturgo são os textos do irlandês Samuel Beckett. Se na peça O gordo e magro o leitor podia perceber afinidades com Esperando Godot e, na peça DentroFora havia evidências de Dias felizes, neste terceiro trabalho a relação é um mais nebulosa. “Beckett utiliza uma linguagem circular na qual as coisas não se resolvem, elas são apresentadas e seguem ali, exatamente como agora”, conta Diniz. Outros dois elementos, luz e som, são bem importantes para a encenação. Prova disso é que os espetáculos da companhia são extremamente plásticos. “Durante esse tempo aprendemos a dar importância ao que está no entorno, em todos os espetáculos conversamos, efetivamente, com eles”, opina Liane.

Para que isso ocorra, há um time de peso por trás das cortinas. No desenho da luz e cenografia está Cláudia de Bem, que também é assistente de direção. O cenário é construído a partir da perspectiva da luz. “DentroFora foi a minha primeira experiência da percepção da luz por parte do ator. Utilizo ela não apenas para iluminação, mas como elemento que propicia uma criação por parte do intérprete”, relata. Já a trilha sonora é assinada por Álvaro RosaCosta. “Estou cada vez mais indo para o lado da composição minimalista e, aqui, exploro até que ponto o ruído pode vir a virar música”, afirma. A produção venceu o Prêmio Myriam Muniz, da Funarte.

.:. Texto originalmente publicado no Jornal do Comércio, caderno Panorama, p. 1, em 25/7/2014.

Serviço:
Onde: Teatro Renascença (Avenida Erico Veris­simo, 307, Menino Deus, Porto Alegre, tel. 51 3289-8057).
Quando: De 7 a 17/8. Qui. a dom., às 18h e às 20h.
Quanto: R$ 10

Ficha técnica:
Dramaturgia: Michelle Ferreira
Direção: Ramiro Silveira
Assistência de direção: Cláudia de Bem
Com: Liane Venturella, Nelson Diniz e Carlos Ramiro Fensterseifer
Iluminação e cenário: Cláudia de Bem
Trilha sonora original: Álvaro RosaCosta
Figurinos: Carlos Ramiro Fensterseifer
Design gráfico: Nando Rossa
Arte do cartaz: Ubiratã Gomes

Jornalista e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desenvolve pesquisa em torno do tema curadoria em festivais de artes cênicas. É a repórter responsável pelo setor de artes cênicas do Jornal do Comércio, em Porto Alegre (desde 2010). Participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da Prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival internacional Porto Alegre Em Cena. É crítica e coeditora do site nacional Agora Crítica Teatral e membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro, AICT-IACT (www.aict-iatc.org), filiada à Unesco). Por seu trabalho profissional e sua atuação jornalística, foi agraciada com o Prêmio Açorianos de Dança (2015), categoria mídia, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (2014), e Prêmio Ari de Jornalismo, categoria reportagem cultural, da Associação Rio Grandense de Imprensa (2010, 2011, 2014).

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