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Reportagem

Projeto reaviva legado de Augusto Boal

17.1.2015  |  por Teatrojornal

Foto de capa: Cedoc/Funarte

Nascido em 2010 com a missão de representar e preservar os fundamentos e os princípios do pensamento artístico do teatrólogo que lhe dá nome, o Instituto Augusto Boal marca mais um tento sobre o legado do diretor e dramaturgo exponencial das cenas brasileira e internacional do século 20 por meio do projeto inaugurado esta semana no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.

O Projeto Augusto Boal é a primeira mostra multimídia a perfilar vida e obra de Augusto Boal (1931-2009). Momentos históricos como a passagem pelo grupo Teatro de Arena, o musical Opinião, dezenas de encenações, autoria de livros e a fundação do Teatro do Oprimido serão apresentados numa síntese da impressionante produção de Boal a partir de 1956. O panorama, que transita por 60 anos de atividades de Boal, vai ocupar todo o 2º andar do CCBB, sendo o carro-chefe a Exposição Augusto Boal, sob curadoria do cenógrafo Helio Eichbauer. Cartas, documentos, objetos pessoais, fotografias e cartazes, que remetem à formação do artista, estarão expostos em vitrines, mas o público poderá folhear e ler os livros do dramaturgo numa área reservada, bem como apreciar uma grande linha da vida do artista. Vídeos e filmes formam uma instalação organizada pelos filhos de Boal, Fabian e Julian, que ocupam uma terceira sala do circuito.

Já a Mostra Paralela, sob curadoria do diretor Sérgio de Carvalho, da Companhia do Latão, leva à cena a obra de Augusto Boal. No dia 28 de janeiro estreia a montagem Os que ficam, peça-ensaio sobre os textos de Augusto Boal com atores do grupo paulistano, tendo como convidado especial Nelson Xavier. Ainda neste segmento, no dia 22 de fevereiro será apresentado o Show Cancioneiro de Boal, com a cantora Juçara Marçal, sob inspiração das canções de Arena conta Zumbi e outros trabalhos do Teatro de Arena, sob direção musical de Lincoln Antonio e Walter Garcia. A programação conta também com a oficina A arte do curinga, com Julian Boal, apresentando princípios do trabalho do Teatro do Oprimido e discutindo sua atualidade (25, 26 e 27 de fevereiro).

A Mostra Paralela se encerra com o ciclo “Leituras Abertas: A dramaturgia de Augusto Boal”, em que diretores teatrais apresentam cenas inéditas ou pouco conhecidas da obra de Augusto Boal e abrem seu processo de ensaio ao público, incorporando as sugestões dos espectadores. Fazem parte do ciclo diretores como Aderbal Freire-Filho e Bruce Gomlevsky. No dia 16 de março acontece o evento de encerramento, quando a psicanalista argentina Cecília Boal, com quem o artista foi casado por quatro décadas, participa de um debate e de leitura de cartas do mesmo, com a participação de Carvalho e demais artistas e intelectuais convidados.

Cecília Boal na abertura do projeto no Rio dia 13/1Divulgação/Instituto Augusto Boal

Cecília Boal na abertura do projeto no Rio dia 13/1

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Perfil

Augusto Pinto Boal nasceu em 16 de março de 1931, no bairro carioca da Penha. Formou-se em engenharia química em 1952 e, em 1953, seguiu para Nova York, onde fez doutorado na Columbia University. Nos Estados Unidos, ingressou na Escola de Dramaturgia da mesma universidade, realizando estudos com John Gassner. Ao mesmo tempo, assistiu às encenações do Actors Studio de Lee Strasberg. A partir daí a dramaturgia tomou conta de sua vida. Em 1956, quando retornou ao Brasil, Boal foi convidado por José Renato e Sábato Magaldi para integrar a direção do Teatro de Arena de São Paulo, companhia que demarcou afirmação da dramaturgia brasileira entre as décadas de 1950 e 1960.

Interessado na transformação social tendo o teatro como instrumento, Boal criou um Seminário de Dramaturgia que funcionava como espaço experimental para discussão de textos que seriam encenados pelo Arena. O primeiro grande sucesso desse período foi Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, dirigido por José Renato (1926-2011), seguido de Chapetuba futebol clube, texto de Oduvaldo Viana Filho (1936-1974), dirigido por Boal. Encenaram ainda Gente como a gente, de Roberto Freire (1927-2008), e Fogo frio, de Benedito Ruy Barbosa, ambos dirigidos por Boal, e, finalmente, Revolução na América do Sul, texto de sua autoria, dirigido por José Renato.

No inicio da década de 1960, o grupo se debruçou sobre os clássicos tentando imprimir aos textos uma interpretação mais participativa e popular. Datam desse período, sob a direção de Augusto Boal, as montagens de: Mandrágora (1962), comédia de Nicolau Maquiavel; O noviço (1963), de Martins Penna; Um bonde chamado desejo (1963), de Tenesse Williams; O melhor juiz, o rei, de Lopes de Vega; e Tartufo, de Molière, com tradução de Guilherme de Figueiredo, entre outros. Essa fase, conhecida como de nacionalização dos clássicos contou com a frequente colaboração de Flávio Império (1935-1985), cenógrafo e figurinista dos mais inventivos e inquietantes.

Com a saída de José Renato, em 1962, e o golpe militar de 1964, Boal e Guarnieri resolvem repensar a atuação da companhia de forma a enfrentar à nova realidade política do país. A experiência de Boal na direção do show Opinião, em 1965, no Rio, também forneceu elementos para traçarem novos caminhos para o Arena. Iniciou-se, nesse momento, a fase dos musicais, conhecida também como fase dos heróis nacionais, que se caracterizou pela introdução de músicas de importantes compositores brasileiros, criadas para o espetáculo, e pela utilização do Sistema Coringa, método brechtiano que consistia no revezamento dos atores no desempenho de diversos papéis, dispensando um aprofundamento psicológico dos personagens. São desse período as encenações de autoria de Boal e Guarnieri Arena conta Zumbi (1965), Arena canta Bahia (1965) e Arena conta Tiradentes (1967); todos com direção de Augusto Boal.

Cena do musical 'Arena conta Zumbi' (1965)Divulgação/Instituto Augusto Boal

Cena do musical ‘Arena conta Zumbi’ (1965)

Em 1968, acontece a Primeira Feira Paulista de Opinião, no Teatro Ruth Escobar, organizada por Augusto Boal. Foi, sobretudo, uma ato de protesto contra a censura realizada pelo governo militar. Reuniu textos de seis autores: O líder, de Lauro César Muniz; O sr. doutor, de Bráulio Pedroso; Animália, de Guarnieri; A receita, de Jorge Andrade; Verde que te quero verde, de Plínio Marcos; e A lua muito pequena e a caminhada perigosa, de Augusto Boal.

Entre 1969 e 1970, após a assinatura do Ato Institucional nº 5, e com aumento da repressão política, o Arena decidiu excursionar por Estados Unidos, México, Peru e Argentina, reapresentando Arena conta Zumbi. A Companhia encenou também Arena conta Bolívar, texto e direção de Augusto Boal, cuja exibição havia sido proibida pela censura no Brasil.

De volta ao país, Boal montou, em setembro de 1970, o Teatro jornal- 1ª edição, que se caracterizava pela improvisação das notícias, pelo elenco, a partir da leitura da imprensa cotidiana da época. Nesse mesmo período, Boal dirigiu A resistível ascensão de Arturo Ui, texto de Bertolt Brecht, traduzido por Luiz de Lima e Hélio Bloch.

Em fevereiro de 1971, Boal foi preso, torturado e, em seguida, exilou-se em Buenos Aires, onde residiu por cinco anos (1971-1976). Antes, passou por Nova York, onde realizou a Feira Latino- Americana de Opinião, pela qual recebeu o prêmio Obie Award (melhor espetáculo off Broadway) e dirigiu, com os alunos da New York University, Torquemada, texto escrito durante seu período na prisão, denunciando a tortura no país.

Em Buenos Aires, dirigiu um grupo de teatro chamado El Machete (O Facão), além de ter escrito e encenado O grande acordo internacional de Tio Patinhas, além de representar Torquemada e Revolução na América do Sul. Em 1976, mudou-se para Lisboa onde dirigiu o grupo A Barraca, tendo encenando, em 1977, A barraca conta Tiradentes. Ainda na capital portuguesa, concluiu o texto Murro em ponta de faca, peça que aborda a vida de exilados brasileiros no exterior, apresentada, em 1978, em São Paulo, sob a direção de Paulo José.

Em 1979, Boal foi convidado para lecionar na Université de la Sorbonne – Nouvelle, em Paris, onde cria o Ceditade (Centre d´Étude et Diffusion des Thecniques Actives d´Expression), posteriormente conhecido como Centre du Theâtre de L´Opprimé – Augusto Boal. No ano seguinte, ele apresentou, junto com o Theâtre du Soleil, Stop c´est magique, sob sua direção, em plena Cartoucherie, espaço-sede do grupo de Ariane Mnouchkine situado no Bosque de Vincennes, na capital francesa. E, em 1981, recebeu do governo daquele país a condecoração Officier des Arts et des Lettres.

Durante o período em que residiu em Paris, Boal viajou muito, adaptando e dirigindo peças de autores estrangeiros ou reapresentando peças de sua autoria. Destacam-se Nada más a Calingasta, de Júlio Cortázar, apresentado no Schauspielhaus, em Graz, na Austria (1981); Das publikum (O público), de Federico García Lorca, em Wuppertal, na Alemanha (1984). Em Paris, dirigiu Erendira, de Gabriel García Marques, no Theâtre National Populaire, com a participação da atriz francesa Marina Vlady.

Em 1985, nos estertores da ditadura militar, assinou a montagem carioca de O corsário do rei, de sua autoria, com música de Edu Lobo e letras de Chico Buarque, além de Fedra, de Jean Racine, em 1986. No mesmo ano, retornou definitivamente para o Brasil e, a convite do então secretário de Educação do Estado do Rio, Darcy Ribeiro, passa a dirigir a Fábrica do Teatro Popular. Também em 1986 cria o Centro do Teatro do Oprimido, o CTO, visando difundir as técnicas do teatro do oprimido no Brasil.

Em 1992, Augusto Boal foi eleito vereador do Rio de Janeiro pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Dos 33 projetos encaminhados à Câmara Municipal, 14 foram convertidos em lei. Concebeu ainda o Teatro Legislativo, no qual seus assessores são ao mesmo tempo “coringas” do Teatro dos Oprimidos. Nesse período, formou 50 grupos de teatro que atuavam em favelas, sindicatos e igrejas.

No final do século passado, Boal iniciou uma experiência de abordagem de óperas tradicionais, utilizando ritmos brasileiros, denominada por ele de “sambóperas”. Em 1999 estreou Carmen, de Bizet, escrita em parceria com Celso Branco. Em 2001, realizou uma nova experiência com La traviata, também em parceria com Branco, sob direção musical de Jayme Vignolli.

O ano de 1998 transcorre com a escrita de duas comédias que só foram encenadas na primeira década do século 21: Amigo oculto (2000), no Teatro Clara Nunes, no Rio, sob a direção de Marília Pera; e A herança maldita (2007), montado por Helder Costa com o grupo lisboeta A Barraca.

Pouco antes de sua morte, Boal foi nomeado pela Unesco “Embaixador do Teatro”. É autor de diversos livros em vários idiomas, além de ter colecionado títulos e honrarias durante sua trajetória. Na década final de sua vida, dedicou-se quase que completamente ao Teatro do Oprimido, dirigindo oficinas, publicando livros e realizando palestras no Brasil e no exterior. Morreu em 2 de maio de 2009, na capital fluminense.

.:. O blog do Instituto Augusto Boal, aqui.

Serviço:
Exposição
De 14/1 a 16/3
Teatro
De 29/1 a 15/2, às 19h30, temporada de Os que ficam
Música
Dia 22/2, às 19h30, Show Cancioneiro de Boal.
Ideias
Dias 25/2, 28/2, 7/3 e 14/3, às 19h30
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66, 2º andar, Centro, tel. 21 3808-2020).
Quanto: teatro (R$ 10), show (R$ 10), exposição e ideias (grátis). A exposição pode ser visitada de quarta a domingo, das 9h às 21h, até 16/3.
Mais informações no site do CCBB RJ, aqui.

Pela equipe do site Teatrojornal - Leituras de Cena.

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