Reportagem
15.5.2015 | por Mateus Araújo
Foto de capa: Acervo Flávio Império
O paulista Flávio Império (1935-1985) é um marco na cenografia dos palcos brasileiros. Rompeu com estruturas preestabelecidas, somando-se ao fazer teatral provocativo e extremamente ousado que nasceu no País na década de 1960. Está na ficha técnica dos principais espetáculos nacionais e também na arquitetura de importantes edificações erguidas por aqui.
Cenógrafo, gravurista, pintor e diretor de teatro, parte do acervo de Flávio, que se estivesse vivo comemoraria 80 anos em 2015, agora está disponível virtualmente na internet. No site, aqui, há trabalhos feitos para teatro, shows, artes visuais e arquitetura. Ficaram de fora apenas a produção dele para o setor audiovisual. “Por motivos técnicos ou pela necessidade de leitura mais aprofundada sobre os temas”, explica a curadoria da página.
Com curadoria assinada por Vera Hamburger, Jacopo Crivelli Visconti e Humberto Pio Guimarães, o projeto, que entrou no ar recentemente, tem como objetivo dar continuidade ao trabalho de preservação, catalogação e divulgação da obra do artista e é desenvolvido, desde 1987, pela Sociedade Cultural Flávio Império, responsável pela conformação do acervo.
O artista viveu momentos históricos do nosso teatro. Começou seu envolvimento com as artes cênicas ainda jovem, na universidade de arquitetura. Foi dirigir uma peça infantil, como parte de um dos projetos sociais ao qual estivera envolvido. Dali se aproximou do Teatro de Arena, quando experienciou a criação de cenários para um palco diferente do habitual estilo italiano (de uma única perspectiva, a frontal).
Naquele período, o País via surgir na cena uma enorme engajamento político e estéticas inspiradas no pensamento brechtiano. Fisicamente, o palco passou a assumir um postura de arena: o público circula os atores, em arquibancadas, democratizando a visão sobre o espetáculo.
Logo, a cenografia também mudaria para se adequar às propostas. O cenário deixa de ser meramente ilustrativo para assumir uma postura reflexiva e crítica, em diálogo com a montagem. Flávio foi referência nessa estrutura, utilizando objetos simbólicos e funcionais – a exemplo dos praticáveis.
Em seguida, assumindo uma parceria com o diretor José Celso Martinez Corrêa e o Teatro Oficina, Flávio leva ao seu trabalho os pensamentos tropicalistas unidos a recursos artesanais e rústicos – foi, inclusive, Império que refez, com Rodrigo Lefèvre, a recuperação do Oficina, em São Paulo, após um incêndio que destruiu o edifício.
A terceira fase do trabalho do cenógrafo é marcada por sua aplicabilidade além do teatro. Com o diretor Fauzi Arap, Flávio Império passa também a criar para shows musicais, entre os destaques os da intérprete baiana Maria Bethânia.
No site, com depoimentos, imagens e textos, é possível reviver este rico legado de Flávio para que se compreenda a história do teatro brasileiro a partir da cenografia. E mais, é possível refletir e se inspirar num artista que marcou nossa cena.
.:. Publicado originalmente no blog Terceiro Ato, do Jornal do Commercio, em 10/05
.:. Conheça o site com o acervo da obra e do pensamento de Flávio Império, aqui.
Formou-se em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco e cursa o mestrado em Artes Cênicas na Universidade Estadual Paulista (Unesp), desenvolvendo uma pesquisa sobre masculinidade no teatro, com foco na obra do Grupo Magiluth. Escreve para a Folha de S. Paulo, UOL Entretenimento e revista Continente. Foi repórter de cultura do Jornal do Commercio, de 2011 a 2016, e titular do blog e da coluna Terceiro Ato. Integrou o núcleo de pesquisa da Ocupação Laura Cardoso (2017), do Itaú Cultural. Coordena a equipe de comunicação da SP Escola de Teatro. E é membro da Associação Internacional de Críticos de Teatro (AICT-IACT).