Reportagem
13.6.2015 | por Fábio Prikladnicki
Foto de capa: Creative Fotografia
O espetáculo Crime Woyzeck, em cartaz desde sexta-feira, 12/6, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, deve encerrar uma fase do diretor Luciano Alabarse marcada por textos de autores contemporâneos de alta voltagem política. Foi assim nas peças Marxismo, ideologia e rock’n’roll (2013), de Tom Stoppard, e A vertigem dos animais antes do abate (2014), de Dimítris Dimitriádis.
Desta vez, Alabarse inova ao mesclar, em um mesmo espetáculo, duas peças separadas no tempo e no espaço: Crime, do dramaturgo dinamarquês contemporâneo Peter Asmussen, e Woyzeck, clássico do século 19 do escritor alemão Georg Büchner (1813-1837). Enquanto a primeira é composta por cenas sem aparente relação uma com a outra, a segunda foi escrita em fragmentos, os quais Büchner sequer numerou – a organização ficou a cargo de estudiosos, uma vez que o autor morreu aos 23 anos, antes de terminá-la. Na montagem de Alabarse, o público terá um desafio a mais: as cenas das duas peças foram misturadas, e algumas falas de uma foram inseridas na outra, como forma de sugerir uma aproximação. Já o prólogo foi retirado de outra peça de Büchner, A morte de Danton.
O soldado Woyzeck (interpretado por Gustavo Susin e Pingo Alabarce), personagem do texto homônimo, é considerado o primeiro protagonista plebeu do teatro alemão, antes usualmente povoado por nobres. Ouve vozes misteriosas e trabalha como barbeiro, alimentando-se só de ervilhas. Sua vida já miserável entra em uma espiral de desventuras quando suspeita que está sendo traído por Maria (vivida por Gabriela Poester).
O teatro é uma arma quente, um instrumento poderosíssimo de ideias desde sua origem. Acho que falamos conforme a necessidade que sentimos
Já Crime, o outro texto que integra o espetáculo, traz quatro cenas aparentemente independentes entre si: em uma delas, três homens são interrogados por um casal sobre um caso de violência que praticaram; em outra, o mesmo casal interroga um homem sobre sua experiência de guerra; e outras duas cenas mostram a relação do casal.
”O teatro é uma arma quente, um instrumento poderosíssimo de ideias desde sua origem. Acho que falamos conforme a necessidade que sentimos. Este espetáculo começou a ser trabalhado no ano passado, no auge dos embates políticos das eleições presidenciais. Fiquei absolutamente frustrado com o nível do confronto”, explica Alabarse.
Gustavo Susin, um dos atores que interpretam Woyzeck, identifica uma característica universal no personagem:
“Em algum momento, Woyzeck pode aparecer em qualquer pessoa. Já me questionei por que tenho de aceitar ordens da vida sem poder me rebelar.”
Pingo Alabarce, o outro Woyzeck em cena, completa:
“O personagem tem, de certa forma, uma esperança que vejo na sociedade como um todo. Por mais horrível que seja a sua situação, você pode ter um lampejo, uma saída.”
A trilha sonora inclui canções de Tom Waits compostas para uma versão de Woyzeck do diretor americano Robert Wilson, estreada em 2000 (e reunidas no disco Blood money), e canções de Nick Cave (em parceria com Warren Ellis) para uma versão da peça montada pelo diretor islandês Gisli Orn Gardarsson em 2005. Também aparecem em Crime Woyzeck canções tradicionais alemãs gravadas por atores que trabalharam com Heiner Müller.
Alabarse, o diretor, adianta que pretende encenar, em 2016, outra combinação de duas peças, as quais ainda não revela. Diz apenas que uma delas será uma tragédia grega, e a outra, um texto contemporâneo que faz referência a esta tragédia.
.:. Publicado originalmente no jornal Zero Hora, Segundo Caderno, p. 1, em 12/6/2015.
Serviço:
Onde: Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº, Porto Alegre, tel. 51 3227-5100)
Quando: Quinta-feira a sábado, às 21h; domingo, às 18h. Até 21/6.
Quanto: R$ 30 a R$ 60
Ficha técnica:
Direção: Luciano Alabarse
Com: Gustavo Susin, Pingo Alabarce, Ida Celina, Plínio Marcos Rodrigues, Elison Couto, Gabriela Poester, Laura Leão, Carlos Cunha Filho, Zeca Kiechaloski e Mauro Soares
Cenografia: Yara Balboni e Luciano Alabarse
Iluminação: criação e operação de luz: João Fraga e Maurício Moura
Figurinos: Malu Rocha
Diretor assistente: Alexandre Magalhães e Silva
Maquiagem e adereços: Elison Couto
Adereços cenários: Alexandre Magalhães e Silva/ Miguel Arcanjo/ Yara Balboni
Contrarregragem: Miguel Arcanjo (varas cênicas)
Pintura dos cenários: Adalberto Almeida
Concepção trilha sonora: Luciano Alabarse (canções de Nick Cave e Tom Waits )
Divulgação: Bebê Baumgarten
Programação gráfica: Dídi Jucá
Fotografia: Mariano Czarnobai e Juliana Alabarse (Creative Fotografia)
Produção executiva: Fernando Zugno e Miguel Arcanjo
Jornalista e doutor em Literatura Comparada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É setorista de artes cênicas do jornal Zero Hora, em Porto Alegre (RS). Foi coordenador do curso de extensão em Crítica Cultural da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo (RS). Já participou dos júris do Prêmio Açorianos de Teatro, do Troféu Tibicuera de Teatro Infantil (ambos da prefeitura de Porto Alegre) e do Prêmio Braskem em Cena no festival Porto Alegre Em Cena. Em 2011, foi crítico convidado no Festival Recife de Teatro Nacional.