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Artigo

Per(formando) fila

8.6.2015  |  por Dirce Waltrick do Amarante

Foto de capa: Dirce Waltrick do Amarante

Em 2003, o eslovaco Roman Ondák (1966) apresentou pela primeira vez, numa galeria da cidade alemã de Colônia, a sua performance Good feelings in good times (Boas sensações em bons tempos). Em 2004, a mesma ação foi reapresentada na Tate Gallery, em Londres. Depois dessas exibições, a performance já percorreu muitas outras cidades ao redor do mundo.

Good feelings in good times consiste numa fila artificial formada diante de obras de arte, de portas fechadas (como aconteceu na Tate Gallery), de corredores escuros, etc. A fila não precisa necessariamente se formar dentro de um museu ou de uma galeria de arte. Numa das apresentações de Ondák, a fila se formou na rua, na frente de uma instituição bancária da Alemanha.

Originalmente, a performance de Ondák evocaria as lembranças que o artista guardava das longas filas que se formavam nas portas dos supermercados da antiga Tchecoslováquia, então um país comunista, onde os bens de consumo eram muitas vezes escassos e disputados pela população. O que de certa forma destacaria a ironia de seu título (Good feelings in good times).

Ao longo do tempo, a obra de Ondák foi ganhando, obviamente, outras leituras.

A fila permite ainda uma reflexão sobre o tempo, já que, como afirma o artista, numa fila o tempo adquire uma característica própria e ganharia status de protagonista

Passados mais de dez anos da estreia de Good feelings in good times, no dia 10 de abril, os alunos do Curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) se propuseram a formar novamente uma fila, dessa vez diante de uma porta fechada na frente do antigo prédio da reitoria, dentro do campus – ação intitulada Formando FILA.

A fila de alunos da UFSC remeteria à fila de emprego que os estudantes terão de enfrentar depois de formados, à fila que enfrentam diariamente no Restaurante Universitário, no Hospital Universitário, etc. Também poderia aludir à espera pela formatura.

A fila permite ainda uma reflexão sobre o tempo, já que, como afirma o artista, numa fila o tempo adquire uma característica própria e ganharia status de protagonista.

Na fila formada pelos alunos da UFSC, a proposta era que eles ficassem parados, praticamente estáticos, diante do olhar dos espectadores. A fila ganharia assim a dimensão de um quadro exposto numa galeria a céu aberto; aliás, caberia ao espectador “pincelar” esse quadro entrando e saindo da fila quando quisesse.

A performance concebida pelos alunos da UFSC ofereceria ao espectador, desse modo, uma peça à moda da escritora norte-americana Gertrude Stein (1874-1946).

Para Stein, uma boa peça deveria ser estática. A escritora queria ver uma peça como quem observa um quadro; por isso, nas suas peças não existe progressão de tempo, é como se nada saísse do lugar. Gertrude Stein seria uma “dramaturga-pintora” e, parece-me, já anunciava, nos anos 1910, o que mais tarde o pintor também norte-americano Allan Kaprow (1927-2006) iria reforçar: no futuro não seria mais preciso dizer “sou um pintor”, “sou um poeta”, “sou um dançarino”, “sou um dramaturgo”… Seria suficiente dizer “sou um artista”.

Uma das filas criadas artificialmente por Ondák em instituições europeiasDivulgação

Uma das filas criadas artificialmente por Ondák em instituições europeias

A propósito, Roman Ondák é formado em design gráfico e desenho, mas escolheu, assim como outros artistas formados em artes plásticas, a performance como um meio de expressar suas ideias.

Foi também sobre o conceito de performance, que acolhe os mais diferentes campos artísticos, que os alunos de Artes Cênicas se propuseram a discutir quando formaram a sua fila.

Como afirma o inglês Will Gompertz, ex-diretor de comunicação da Tate Gallery e atual editor de artes da BBC, a performance “é a arma de guerrilha das belas-artes, tendo o hábito de brotar inesperadamente, fazendo sentir sua estranha presença e desaparecendo em seguida nos anais não confiáveis do boato e da lenda”. Ou, acrescentaria, de registros fragmentados dela em vídeos, em fotos…

Ensaísta, tradutora e professora do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Publicou, entre outros, Cenas do teatro moderno e contemporâneo (Iluminuras), Para ler ‘Finnegans Wake’ de James Joyce (Iluminuras). Colabora em jornais como O Estado de S. Paulo, O Globo e Notícias do Dia.

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