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Entrevista

Visões do paraíso por Richard Foreman

5.10.2015  |  por Gabriela Mellão

Foto de capa: Henrique Oda

Liberdade. Esta foi a única indicação dada pelo autor e encenador norte-americano Richard Foreman, de 78 anos, para Lenerson Polonini, diretor responsável pela estreia de seu trabalho no Brasil. “Gostaria que você fizesse algo completamente diferente do que eu faço com meu texto. Te dou toda liberdade para isso”, instigou o papa do teatro de vanguarda dos EUA.

Liberdade. Esta palavra evocada por Foreman sintetiza toda sua busca nas últimas quatro décadas. A arte de Foreman vira as costas para o discurso e a coerência. A arte de Foreman navega rumo ao desconhecido, sem balizar-se por bússola ou usar remo como apoio, incentivando novas formas de percepção do público.

Diretor da Companhia Nova de Teatro, Lenerson se lança sem guias em punho nesta aventura nunca antes vivida por um brasileiro. Concebe o projeto 2 x Foreman, atualmente em cartaz na cidade de São Paulo, composto pelas montagens de Bad boy Nietzsche (2000) e Prostitutas fora de moda (2013), tendo como força motora o processo, e não o resultado.

“A tentativa de dar significações conclusivas para as coisas cai num discurso que é inevitavelmente falso”, diz Foreman ao Teatrojornal. Confira outros trechos da entrevista deste artista libertário.

Eu sei que suas peças não são tentativas de dizer algo ou contar uma história e que você não quer perguntas do tipo “sobre o que são as peças?” Então gostaria de perguntar sobre as similaridades entre Bad boy Nietzsche e Prostitutas fora de moda.
As similaridades são de estilo. Ambas as peças são tentativas de quebrar a realidade banal do dia-a-a-dia, transformando-a em algo que não pode ser dito. Além disso, é verdade que ambas são protagonizadas por personagens masculinos, com os quais me identifico.

É sua maneira de dizer que arte deveria virar as costas ao discurso, para a coerência, deveria libertar o público da realidade de suas vidas?
Sim, estou em busca do sagrado. De tão vasto, este tema para mim, não pode ser explicado em menos de um livro, talvez nem assim. Meu teatro são visões do paraíso, minhas peças tentam apresentar o que não é visto.

Por que o personagem Nietzsche, de Bad boy Nietzsche, tem uma fala filosófica, mas nunca parece concluir seus discursos?
A tentativa de dar significações conclusivas para as coisas sempre cai num discurso que é inevitavelmente falso.

Não decifrei nada, mas a tentativa é tudo. E continua

Qual a relação entre China e Nietzsche na peça?
O modo como eu trabalho, de juntar páginas escritas separadamente, faz com que não exista uma conexão entre esses textos. China? Quem sabe… China fica do outro lado do mundo, de cabeça pra baixo. Nietzsche virou tudo de cabeça pra baixo. China representa espiritual e intelectualmente uma alternativa ao sistema ocidental. Assim como Nietzsche.

O que há de autobiográfico em Prostitutas fora de moda?
Talvez seja o fato de meu próprio envelhecer, tenho 78 anos. Para parafrasear a peça, “me perdi completamente”. Não decifrei nada, mas a tentativa é tudo. E continua.

Por que você anunciou sua aposentadoria no teatro em 2009 e acabou voltando aos palcos em 2013, quando encenou Prostitutas fora de moda?
Sempre fui ambivalente a respeito de teatro (isso daria outro livro). Então eu declarei minha aposentadoria – e acabei me contradizendo. Mas agora isso se tornou realmente realidade, já que desisti do meu teatro no East Village e estou me dedicando somente a cinema.

Consegue explicar sua predileção, até recentemente, por teatro?
Quando era jovem, era uma maneira de driblar a timidez. Depois se tornou uma maneira de fazer poesia com material concreto, e não apenas com linguagem.

Por que você descreve seu trabalho como “teatro total”?
Quase todo o teatro (aquele que sempre rejeitei) se foca no performer como figura central, enquanto eu tento fazer com que todos os elementos (luz, som, texto, cenário) tenham pesos iguais ao do performer. Quero dividir as atenções do espectador entre todos os elementos de cena.

Em que está trabalhando agora
Cinema, só cinema. Finalizei um que foi selecionado para os festivais de Nova Iorque e de Berlim, e estou finalizando o segundo. E claro, meus filmes são tão estranhos quanto minhas peças.

O criador norte-americano Fichard ForemanRobin Holland

O criador Richard Foreman

Fundador do Ontological-Hysteric Theater

Nascido em 1937, Richard Foreman é dramaturgo pioneiro no teatro de vanguarda e performático americano e fundador do Ontological-Hysteric Theater. Desde a década de 70, suas produções refutam a ideia de teatro convencional, principalmente no que se refere a enredo, personagem, ambiente, linguagem e movimentação. O “teatro total” que caracteriza a obra de Foreman une elementos das artes performativas, sonoras e visuais, filosofia, psicanálise e literatura para um resultado singularíssimo.

O estilo de Foreman não se quer “cerebral”. A densidade de seu teatro de composição é uma tentativa de refletir e processar visceralmente tudo o que ele herdou de suas explorações das ideias e das artes do século XX. A obra de Richard Foreman é pouco conhecida no Brasil, sendo difundida apenas em meios acadêmicos ou em estudos de teatro performativo e pós-dramático, normalmente veiculados em universidades e em cursos de artes cênicas. Suas obras apresentam um teatro de negação do diálogo ou da utilização mínima das palavras, em favor da imagem, que provocam o público a formas alternativas de percepção. Em vez de se concentrar no conflito a moldar sua estrutura teatral, a obra de Foreman baseia-se no design e na performance ao vivo de atores, de forma a criar um foco diferente no relacionamento entre o palco e o público. Espectadores não recebem personagens, mas fluxos, redes de ligação e sistemas – e podem, subitamente, ser bombardeados de luz, assumindo a posição de protagonistas.

Foreman tem escrito, dirigido e montado suas próprias peças, nos últimos 50 anos, tanto em Nova York como em outros países. Recebeu o Annual Literature Award, pela Academia Americana e Instituto de Artes e Letras; um prêmio de “Conjunto da obra no Teatro”, pela National Endowment for the Arts, o PEN American Center Master American Dramatist Award, a MacArthur Fellowship. Foi eleito, em 2004, como director do Order of Arts and Letters of France. Escreveu e dirigiu peças como Zomboid! (2006), Wake up Mr. Sleepy! Your unconscious mind is dead! (2007) e Deep trance behavior in Potatoland (2008). Foreman ganhou sete Prêmios Village Voice Obie, incluindo três por melhor peça, e um pelo conjunto da obra.

 Fransergio Araujo e  Carina Casuscelli em 'Badboy Nietzsche'Henrique Oda

Araújo e Carina em ‘Bad boy Nietzsche’

Sinopses:
Bad boy Nietzche
Na peça, uma criança, uma linda mulher e um homem perigoso, indagam Nietzsche sobre diversas questões, em um jogo filosófico e de repetições que beiram o nonsense.

Prosstitutas fora de moda (Um romance real)
A peça é uma viagem vertiginosa sobre quatro vidas em ruínas e fora de prumo, em meio a um vale sombrio de fluxos de consciências. A atual montagem busca mesclar histórias das prostitutas dos grandes centros urbanos, discutindo questões sobre a decadência humana.

Serviço:
Onde: SP Escola de Teatro – Sala R8 (Praça Roosevelt, 210, 8º andar, República, São Pulo, tel. 11 3775-8600)
Quando: Bad boy Nietzsche, quinta e sexta, às 21h3; Prosstitutas fora de moda (Um romance real), sábado, às 21h30, e domingo, às 18h. Até 15/11
Quanto: R$ 20

Ficha técnica:
Projeto 2 X Foreman
Textos: Richard Foreman
Tradução: Fábio Fonseca
Direção: Lenerson Polonini
Com: Fransérgio Araújo, Carina Casuscelli, Rosa Freitas e Afonso Henrique Soares
Participação especial em voz off e vídeo: Paulo Cesar Peréio
Fotos: Henrique Oda

Autora, diretora e jornalista teatral. Pós-graduada em Jornalismo Cultural na PUC-SP, estudou Cultura e Civilização Francesa na Sorbonne, em Paris, e Dramaturgia e História do Teatro Moderno em Harvard, Boston. Escreve para Folha de S.Paulo e revista Vogue. Compõe o júri do prêmio APCA de teatro. É autora e diretora de Nijinsky - Minha loucura é o amor da humanidade (2014), peça convidada a integrar o Festival de Avignon de 2015. Tem cinco peças encenadas, Ilhada em mim – Sylvia Plath (indicada ao prêmio de melhor direção pela APCA de 2014); Espasmo (2013); Correnteza (2012); Parasita (2009), A história dela (2008), além de um livro publicado com suas obras teatrais: Gabriela Mellão – Coleção primeiras obras. Lecionou Laboratório de Crítica Teatral para o curso de Jornalismo Cultural na pós-graduação da Faap, entre 2009 e 2012. Foi crítica da revista Bravo! entre 2009 e 2013, ano de fechamento da mesma.

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