BiocríticaParágrafo Cerrado conta...
12.2.2021 | por Parágrafo Cerrado
Foto de capa: Fred Gustavos
Escrever de onde os pés pisam, tatear palavras que deem a ler um tiquinho daquilo que vemos e sentimos em cena, diante do palco: este exercício de deslocamento é uma tarefa árdua, mas sempre compensa. Depois de cinco anos de estrada, esta é uma das verdades incontornáveis que aprendemos enquanto coletivo.
A semente do Parágrafo Cerrado remonta ao projeto Cena em Questão, do Sesc, em etapa realizada em Cuiabá (MT), em 2016. Os participantes da oficina, em sua maioria profissionais do teatro na cidade, foram incentivados a redesenhar os limites de seu pensamento crítico pela jornalista, crítica e doutora em artes cênicas Beth Néspoli. Desde então, nosso grupo, formado inicialmente por alguns destes participantes, passou a usar a designação “paragrafadores”, leitores de cena, e a escrever o que vemos e de onde vemos.
O núcleo inicial se reuniu para discutir abordagens de escrita, criar proposições de leituras de cena (este é o termo oficial que adotamos para nossas produções textuais) junto à comunidade artística, criar um blog e um perfil nas redes sociais e pensar estratégias de divulgação. Desde o início, um coletivo que mete a mão na massa. O nome Parágrafo Cerrado surgiu como alusão ao nosso trabalho diário na oficina que deu origem a tudo. De um parágrafo, ampliamos para uma página. Nossas leituras de cena eram, e ainda são, um olhar pessoal apoiado na pregnância e respaldado por nossa vivência: artística, acadêmica, territorial e política.
Nosso intuito, no Parágrafo Cerrado, é sempre o de expandir o rol de colaboradores, parâmetros e leituras, na tentativa de não ficar com um único parecer, não correr o risco de soar parcial e a escrita se tornar taxativa, autoritária. Para nós, paragrafar é verbo reflexivo em trânsito para outros encontros e experiências, possibilitando que outras pessoas, que não necessariamente críticos de arte, possam também escrever sobre uma obra
De modo geral, o convite que fazemos é aberto e irrestrito, e o que era um território de artistas se estendeu para pesquisadores de arte e cultura e depois para outros digorestes¹ que toparam. O convite é simples: “Quer escrever para o Parágrafo?”. Se a resposta for “Sim, claro!”, passamos ao próximo passo: esperar o texto, que nem sempre vem. Escrever é custoso, por isso buscamos “amaciar” o processo de todas as formas possíveis para nossos convidados, oferecendo ajuda, compartilhando visões, incentivando olhares.
Passamos a ser figurinha carimbada em toda programação teatral da cidade. Somos atualmente mais de 20 paragrafadores e colaboradores, numa rede rizomática e afetuosa, que se reveza a cada nova empreitada, onde o imprevisto é a tônica do crescimento. Em cada texto, nos posicionamos conforme o que somos: fotógrafos, atores, performers, dançarinos, cineastas, jornalistas, professores. Através da poética do encontro e da pregnância, fizemos do Parágrafo Cerrado a primeira plataforma colaborativa para produção de leituras de cena em Mato Grosso.
Nosso intuito é sempre o de expandir o rol de colaboradores, parâmetros e leituras, na tentativa de não ficar com um único parecer, não correr o risco de soar parcial e a escrita se tornar taxativa, autoritária. Para nós, paragrafar é verbo reflexivo em trânsito para outros encontros e experiências, possibilitando que outras pessoas, que não necessariamente críticos de arte, possam também escrever sobre uma obra.
Reunidos em grupo, ficamos à vontade para errar e acertar, criando uma rede de confiança que permite vencer os desafios de escrever sobre os trabalhos de outros artistas como nós: nossa principal preocupação até hoje. Lemos nossos escritos em grupo e trocamos impressões e observações.
Não raro os espetáculos assistidos costumam ganhar mais de um texto, escritos por paragrafadores diferentes; as vantagens de ter um grupo numeroso. Esta estratégia serve para escapar daquilo que não queremos ser: críticos. Não, não temos nada contra críticos e gostamos bastante deles, mas não nos colocamos nessa posição, simplesmente pelo fato de sermos artistas, antes de qualquer coisa, e lermos uma obra mais com nosso corpo do que com nossos conhecimentos. Um crítico estuda para decupar uma obra e apresentar as entranhas; nós só estudamos para fazer o que já estamos fazendo. Para nós, essa postura nos basta.
Com a sensibilidade de um ouvido fino² , o Parágrafo se organiza conforme a escuta das questões que surgem no coletivo ou no entorno, e faz dos acontecimentos os agentes impulsionadores de uma reação criativa. Foi assim em 2017, quando os alunos do curso de teatro para a infância e juventude (7 a 11 anos) do Sesc Arsenal, em Cuiabá, habituados à programação da unidade, passaram a acompanhar as produções de leitura de cena e manifestaram o desejo de escrever sobre os espetáculos que assistiram durante o projeto Ensaio Aberto daquele ano, inaugurando assim o Paragrafinho.
De modo semelhante, as estatísticas de nossa página no Facebook nos fizeram atentar para as reações positivas de artistas que residiam no interior do Estado, em cidades mais carentes de produção e onde também há produção cultural não propagada. Fato que desencadeou na criação da categoria Paragrafadores Correspondentes. Longe de apenas realizar a conexão entre capital e interior, essa interligação transforma o Parágrafo Cerrado em uma rede de colaboração, solidariedade e gentileza, disparadora de afetos e, claro, de leituras de cena sobre espetáculos fora do circuito da capital.
Pelo seu caráter rizomático, polimórfico e acessível, o Parágrafo Cerrado também acabou se espraiando pelas artes visuais e pelo cinema. Colaboramos ativamente com a 16ª Mostra de Audiovisual Universitário da América Latina (16ª MAUAL), promovida pelo Cineclube Coxiponés da Universidade Federal de Mato Grosso, em 2017. Nesta ocasião, mais um parágrafo se abriu, pois além das leituras de cena de curtas-metragens, aconteceram também as mesas intituladas “Papo Cerrado”, nas quais profícuos debates ocorreram, todos eles mediados por paragrafadores, disparando para a comunidade acadêmica a possibilidade de compartilhar a multiplicidade de olhares e perspectivas.
Em 2018 e 2019, o Parágrafo Cerrado foi convidado a cobrir a extensa programação de festivais de teatro como O Levante (Cuiabá), Aldeia Rosa Bororo (Rondonópolis), Zé Bolo Flô (Cuiabá), Velha Joana (Primavera do Leste) e Aldeia Guaná (Cuiabá), e seguiu em ritmo de produção mesmo durante a pandemia de Covid-19 no mundo. Em 2020, paragrafamos todos os espetáculos apresentados n’O Levante em Cena – Festival Digital.
Recentemente, migramos do nosso antigo blog para o novo site, abaixo, e nossos próximos planos incluem dar manutenção ao conteúdo disponível nesse endereço para oferecer uma troca mais intuitiva com os leitores e ampliar o diálogo com as diversas linguagens artísticas, além da criação de um podcast especializado em comentar espetáculos da programação local.
[1] Algo que é muito bom; no caso, uma pessoa muito boa no que faz (expressão cuiabana).
[2] Expressão própria do falar cuiabano: aquele que escuta com atenção.
.:. Leia mais sobre o dossiê Biocrítica e o site Parágrafo Cerrado.
Equipe do Parágrafo Cerrado – Paragrafadores:
Andreza Pereira – Escritora e jornalista
Caio Ribeiro – Poeta e escritor
Elka Victorino – Doutora em estudos de cultura contemporânea
Éverton Britto – Ator e produtor
Luiz Renato – Doutor em linguagens, poeta, escritor e professor
Leandro Brito – Mestre em linguagens, professor e maquiador
Janete Manacá – Poetisa
Joelson Jogosi – Professor e dramaturgo
Juliana Capilé – Cineasta e dramaturga
Juçara Naccioli – Professora e atriz
Santiago Santos – Tradutor e escritor
Talita Figueredo – Atriz e dramaturga
Tatiana Horevicht – Atriz
Thereza Helena – Atriz, dramaturga, mestre em estudos de cultura contemporânea
Wuldson Marcelo – Escritor e cineasta
Paragrafador visual:
Fred Gustavos – Fotógrafo
Paragrafador correspondente:
Dheysiel Barbosa – Estudante