19.10.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 2006
TEATRO
Companhia exibe fusão de teatro, dança e circo de hoje até o fim do mês na 2ª Mostra de Repertórios Contemporâneos
“Cidade dos Sonhos”, o infantil “Os Artistas” e a aula-espetáculo “O Físico e o Simbólico” serão encenados no Centro Cultural São Paulo
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Prestes a completar 14 anos, em outubro, a Companhia Cênica Nau de Ícaros, conhecida pela fusão de teatro, dança e circo, ocupa sua vez na 2ª Mostra de Repertórios Contemporâneos, no CCSP (Centro Cultural São Paulo).
De hoje ao final do mês, serão apresentadas duas peças recentes do repertório, “Cidade dos Sonhos” (2003) e o infantil “Os Artistas” (2002). Também é possível acompanhar, em forma da aula-espetáculo, “De Um Espaço Vazio: o Físico e o Simbólico”, o processo da criação do novo trabalho do grupo.
Segundo Marco Vettore, ator e diretor da Nau de Ícaros, trata-se de estudo coreográfico sobre o corpo e o movimento das danças e manifestações populares brasileiras. A aula-espetáculo, que quer valorizar espaços sociais e históricos, tem apoio do Prêmio Estímulo de Dança da Secretaria de Estado da Cultura. “O Físico e o Simbólico” terá sessões às terças e quartas, às 21h.
Em paralelo, o grupo prevê outra meta até o primeiro semestre de 2007: realizar um espetáculo inspirado no universo literário do paraibano Ariano Suassuna, conforme projeto selecionado no programa municipal de fomento ao teatro.
De quinta a sábado, às 21h, e aos domingos, às 20h, será apresentado o espetáculo “Cidade dos Sonhos”, que Vettore define como uma “ópera bufa circense”. Com dramaturgia de Fabio Malavoglia e co-direção de Leopoldo Pacheco e Vettore, a história resgata o milenar mito de São Saruê, fabulosa terra da prosperidade e da abundância, onde não há dor, suor, velhice ou morte.
Aos sábados e domingos, às 16h, a Nau de Ícaros apresenta “Os Artistas”, de autoria de Paulo Rogério Lopes e direção de Vettore. Dois ajudantes de um suposto Grande Circo ocupam o espaço, montam picadeiro, preparam equipamentos etc. Na hora de iniciar o espetáculo, eles se dão conta de que falta “um pequeno detalhe”: e os artistas?
15.10.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, domingo, 15 de outubro de 2006
TEATRO
Intelectuais como Roberto Schwarz e José Antônio Pasta falam à Folha sobre peça da Cia. do Feijão
Montagem tem temporada prorrogada até dezembro; para pensadores, peça evidencia vivências de povo que “se vira como pode”
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
“O que resta é a memória da gente”, diz o taxista ao final de “Mire Veja” (2003), premiada adaptação teatral de contos de Luiz Ruffato pela Cia. do Feijão. Na nova peça do grupo, “Nonada”, cuja temporada é prorrogada até dezembro na recém-inaugurada sede da companhia no centro, a memória atinge dimensão coletiva e diz respeito à “alma brasileira”.
Pelo menos é dessa maneira que alguns pensadores lêem mais essa aliança “unha e carne” do teatro com a literatura, eixo dos oito anos de trabalho da Cia. do Feijão.
Pensadores como Iná Camargo Costa, José Antonio Pasta Jr., Paulo Arantes e Roberto Schwarz foram alguns dos interlocutores no processo e após a estréia, em julho.
Em espaço que lembra arena circense, “Nonada” conta a história de Natimorto (interpretado por Vera Lamy), espécie de palhaço triste em busca de suas origens. No calvário por identidade, cruzará outros personagens, entre eles seu antípoda, Sr. Leal (por Guto Togniazzolo), proprietário do circo. Para Iná Camargo Costa, a peça evidencia o conflito de classes. “É do confronto entre os dois, que atravessa todo o espetáculo, que se produz o ponto de vista da cena”, afirma a professora aposentada de teoria literária da USP.
Nesse “mundo dos mortos”, o dono do circo é figura colada ao narrador de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. Mas são também outros contos do próprio Machado (como “Pai Contra Mãe”, inclusive visitado pela companhia em “Antigo 1850”, montagem de 2000), de Mário de Andrade (como “Túmulo, Túmulo, Túmulo”) e de Clarice Lispector (como “A Bela e a Fera”) -dramas pessoais ou familiares-, que sustentam a dramaturgia de Pedro Pires e Zernesto Pessoa, também co-diretores.
“Nos três autores, a questão da crise moral é apresentada sob o ponto de vista dos de cima, enquanto os criadores da Cia. do Feijão retomam isso totalmente sob o ângulo de Natimorto, que é o povo desprovido de direitos, que tem que se virar como pode”, afirma Schwarz, crítico e professor aposentado de teoria literária da Unicamp.
Segundo José Antonio Pasta Jr., resulta no espelho de um país que se constitui sem propriamente se formar, ou que se faz se desmanchando.
“O país que sempre se modernizou pela reposição do atraso, impedindo o acesso da maioria a uma vida cidadã, constituiu essa entidade chamada “povo brasileiro” ao mesmo tempo que a suprimia”, afirma Pasta Jr., professor de literatura brasileira na USP e espectador entusiasta de grupos como Teatro de Narradores, Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, Teatro da Vertigem e Cia. do Latão.
Literatura
A Cia. do Feijão foi formada em 1998. É conhecida por tomar a literatura como principal meio de conhecimento da história do Brasil. Ou, no dizer de Pires, citando Schwarz, a literatura como espelho de nossas “idéias fora do lugar”, do eterno descompasso de nossas “modernizações conservadoras”.
Parte da pesquisa que gerou “Nonada” foi subsidiada pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo.
11.10.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 11 de outubro de 2006
TEATRO
Evaldo Mocarzel, que acaba de receber prêmio por “Do Luto À Luta”, é o diretor
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O espetáculo “BR-3”, do grupo Teatro da Vertigem, será materializado em película, para além da memória daqueles que o assistiram ao vivo.
“BR-3”, o filme, virá com assinatura de Evaldo Mocarzel. Na verdade, serão dois registros: um, “fidelíssimo” à montagem, e outro, documentário propriamente dito, decomposição do processo de cerca de três anos, incluindo expedição do grupo por Brasília e Acre.
Ocorreram apenas 50 apresentações em São Paulo, entre março e maio, num trecho do rio Tietê. A temporada foi interrompida por falta de recursos para uso de embarcações que conduzem público e elenco por leito, margens e pontes. Das cerca de 170 horas de gravação (boa parte delas captadas por nove câmaras), editou-se um clipe de dez minutos, em exibição até novembro na Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza.
O mesmo é projetado hoje na programação do 7º riocenacontemporânea, o festival internacional de artes cênicas do Rio. “O espetáculo fez uma intervenção urbana. O rio é o espelho da cidade, e São Paulo tem dificuldade em se ver nesse espelho narciso, comatoso e pútrido”, diz Mocarzel, 46, que está em busca de recursos para finalização do projeto.
“BR-3” obteve seis indicações ao Prêmio Shell 2006. Por enquanto, não há perspectiva de reestréia. O festival riocena estuda para 2007 apresentações da peça na baía de Guanabara (www.riocenacontemporanea.com.br).
6.10.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, sexta-feira, 06 de outubro de 2006
TEATRO
Em tributo ao cantor, ator produz e co-dirige com Flávio Marinho musical que estréia amanhã em SP
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Diogo Vilela não tem notícias de que Cauby Peixoto tenha assistido a “Cauby! Cauby!”, o musical. Foram 11 semanas em cartaz no Rio. “A família dele viu”, diz o ator. Agora, são mais 11 semanas em São Paulo, onde o cantor terá chance de ver o que se canta e conta de sua vida.
Vilela diz saber o que quer quando se propõe a produzir e estrelar uma biografia musical. Ele já dirigiu um espetáculo sobre Elis Regina (2002) e protagonizou outro sobre Nelson Gonçalves (1996).
“O desafio é contar a história do biografado e torná-la verossímil, de maneira que exista uma dramaticidade sempre pungente, principalmente quando se trata de Cauby, dono de uma teatralidade natural”, diz Vilela, 48.
Muitos dos acertos de “Cauby! Cauby!” ele credita ao autor, Flávio Marinho, com quem divide a direção. É a primeira parceria deles.
A peça fala de um artista que acredita ter que viajar ao exterior para ser feliz. “A melancolia é muito forte no espetáculo”, diz Vilela.
A cronologia da vida e da carreira de Cauby não é linear. O personagem conversa com um jovem jornalista, com quem estabelece “um jogo de memória”. O repórter, interpretado por Rodrigo França, transforma-se ao longo do diálogo, refutando possível descaso quanto à geração de Cauby. Quando toca em um assunto, esse surge algumas cenas adiante.
“O jornalista e o público vão se ajustando ao tempo de Cauby e ao curso da história do próprio país”, diz Vilela.
“Criamos “pilares” como Di Veras, espécie de alter ego das situações que o Cauby viveu. Ele se valia muitos das amigas, da Ângela Maria, da Lana Bittencourt, da Maysa, que não aparece, mas é citada.”
Segundo o ator, há passagens doloridas, como aquela em que se fala do ostracismo que Cauby experimentou pós-bossa nova. De acordo com Vilela, a história emana algo de Fausto, o personagem de Goethe que “vende a alma ao Diabo”, Mefistófeles, em troca de sucesso.
“É legal exercitar coisas que aprendi nesses quase 36 anos de carreira, com personagens de diversas faixas etárias”, diz Vilela, que já fez “Hamlet”, de Shakespeare, e “Diário de um Louco”, de Gógol.
Vilela relata que a pesquisa de campo (assistiu a vídeos e a pelo menos quatro shows) e os estudos de técnica vocal lhe consumiram três anos. “Você diz isso no Brasil e ninguém acredita, mas é verdade”, afirma o barítono.
5.10.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 05 de outubro de 2006
TEATRO
Dirigido por Roberto Lage e Juca Rodrigues e escrito pela alemã Dea Loher, “Cachorro” homenageia o escultor suíço
Peça promove interface com a literatura, tendo como referência Jean Genet, e as artes visuais, que aparecem em instalação cenográfica
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O escultor e pintor suíço Alberto Giacometti (1901-1966) dizia-se fracassado diante da impossibilidade de transpor para a arte a realidade que o cercava. Ela, a realidade, lhe escapava na mesma proporção em que era perseguida. Um tanto dessas solidão e miséria humanas, que grudam nos calcanhares feito o trabalho vicioso de Sísifo, estão retratadas no espetáculo teatral “Cachorro”.
A dramaturga alemã Dea Loher (de “A Vida na Praça Roosevelt”) toma emprestado o título de uma obra de Giacometti, “Cachorro”, justamente uma das esculturas no apartamento da personagem Velha Puta, ao lado das criações “Mulher em Pé” e “Homem que Anda”.
O ano é 1966, em Paris. O Ladrão Coxo (Edson D’Santana) encontra na rua a Velha Puta (Irene Stefania). Vai ao apartamento dela em busca de três obras do escultor que recentemente morreu na Suíça. São obras desconhecidas, deixadas com sua provável amante.
“Poderia resumir a peça como uma história de amor entre excluídos, mas é mais que isso. O Giacometti também era coxo, por exemplo, o que permite a metáfora do artista como um ladrão de imagem”, diz Roberto Lage, 59, que co-dirige o espetáculo com Juca Rodrigues.
Como o texto de Loher, a montagem promove interface do teatro com a literatura e as artes visuais. Estas ganham relevo na instalação cenográfica que ocupa a sala Subterrâneo do Instituto Cultural Capobianco, onde o espetáculo faz temporada a partir de amanhã.
Concebida pelo Ateliê Estúdio de Arte La Tintota, surgido na Venezuela há cinco anos, a instalação abriga o espetáculo nas sessões noturnas e, de dia, pode ser visitada pelo público em geral, a partir de 10/10, quando se completam 40 anos da morte de Giacometti.
Na literatura, a principal referência é o escritor francês Jean Genet (1910-86), cujo ensaio “O Ateliê de Giacometti” (vertido para o português pela artista plástica Célia Euvaldo) é considerado uma recriação literária da obra do escultor.
“A beleza tem apenas uma origem: a ferida, singular, diferente para cada um, oculta ou visível, que o indivíduo preserva e para onde se retira quando quer deixar o mundo para uma solidão temporária, porém profunda”, escreve Genet. “A arte de Giacometti parece querer descobrir essa ferida secreta de todo ser e mesmo de todas as coisas, para que ela os ilumine.”
4.10.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 04 de outubro de 2006
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O Brasil recebe pela primeira vez a companhia belga de teatro Needcompany. São 20 anos de experimentos de linguagem costurados a outras formas de expressão, como dança, música e artes visuais. E sem prejuízo da cena de origem, o verbo.
“O que faço é teatro. Teatro da palavra”, diz o diretor artístico Jan Lauwers. Ele assina ainda dramaturgia e cenografia de “O Quarto de Isabella”, que estreou no Festival de Avignon em 2004 e foi exibido há dez dias na Bienal de Dança de Lyon, na França.
Na criação, Lauwers conjuga a perda recente de seu pai à dor de um mundo acossado por terrorismo.
São duas apresentações no Sesc Vila Mariana, na Temporada Sesc de Artes, hoje e amanhã, e duas no riocenacontemporânea, dias 7 e 8, no Sesc Ginástico (RJ). Segundo Lauwers, trata-se de “uma história de verdade” com janelas para a ficção. A narrativa linear contrasta com outras montagens da Needcompany, conhecida pela disponibilidade para o risco e o experimento.
A memória de Isabella puxa fios pessoais, afetivos, em meio a um painel histórico. Contracenando com nove atores, Viviane de Muynck vive a velha cega, que habita um quarto em Paris repleto de objetos antigos, parte da coleção do pai do diretor.
São Paulo, quinta-feira, 28 de setembro de 2006
TEATRO
Kama Ginkas traz ao Brasil montagem baseada na miséria de Katerina Ivánovna
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Numa de suas noites numa engordurada taberna de São Petersburgo, o protagonista de “Crime e Castigo”, o estudante Ralskólnikov, é abordado por um beberrão que lhe conta sobre a vida miserável que leva: ele, Marmieládov, três filhos menores e a mulher, Katerina Ivánovna.
Esta personagem secundária do romance do russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1866, ganha corpo e voz no espetáculo teatral “K.I. do Crime” -suas iniciais. A montagem do diretor lituano Kama Ginkas (pronuncia-se “guinkas”), um solo da atriz Oksana Mysina, estreou em Moscou há 12 anos. Conquistou prêmios e viajou a outros países da Europa e EUA.
O Brasil pode assisti-la desde a semana passada, quando estreou no 7º Cena Contemporânea-Festival Internacional de Teatro de Brasília. Em São Paulo, haverá sessões de hoje (para convidados) a domingo, no Sesc Ipiranga. Na próxima semana, é a vez da também 7º edição do evento riocenacontemporânea, no Rio.
No livro, Katerina Ivánovna é apresentada sob o ponto de vista do marido. Na dramaturgia adaptada por Daníl Gink, 37, filho de Ginkas, 65, ela surge em desespero após a morte do marido, que se autodenominava “um porco”. Soma-se ao baque a tuberculose que abate a viúva, magra e irascível também por causa da fome, a ponto de encaminhar a filha mais velha, adotiva, para a prostituição.
“Como Dostoiévski, preocupamo-nos não somente com os problemas sociais, que existem na Rússia de ontem e de hoje, como em outros países. O que nos interessa é o problema do ser humano e a sua relação com Deus”, afirma Ginkas.
Inevitável a associação com Jó, personagem bíblico. “Todo humano tem o direito de perguntar: por que estão me obrigando a provações para mostrar o meu lado negativo? Todo ser contém as faces do santo e do demônio”, diz o diretor, que atende a reportagem em quarto de hotel em São Paulo.
Em “K.I. do Crime”, a personagem como que convida o público a entrar em seu quarto, um canto frio onde ela organiza um almoço em memória do marido, uma cerimônia tradicional entre os russos após a morte de um familiar.
Nesse espaço opressivo -em São Paulo, a garagem do Sesc Ipiranga é adaptada para cerca de 80 pessoas-, vem à tona o estado confuso de Ivánovna, em meio às crianças (três atores russo) ao seu lado.
Remoinho
Oksana Mysina interpreta o texto em russo, mas lança frases em português e inglês, aqui e ali, o que não significa clareza no discurso que remoinha.
Guinkas chegou a ensaiar a peça com a veterana Mariana Neyolova (que passou há pouco pela cidade com “O Capote”), mas problemas na agenda impediram que ela seguisse. Mysina abraçou o projeto de tal forma, desde a estréia em 1994, que o espetáculo tornou-se sua extensão orgânica. “Não poderia ser feita por outra mulher”, diz o encenador-pedagogo ligado ao Teatro do Jovem Espectador de Moscou (1918). “K.I. do Crime” encerra o projeto Estação de Teatro Russo-Brasil 2006, que desde julho trouxe cinco montagens daquele país, uma realização da Funarte/MinC, Sesc SP e Festival Internacional de Teatro Anton Tchecov, entre outras parcerias. Mais detalhes no site www.teatrorusso.com.br.
14.9.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 2006
TEATRO
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Em “Carreiras”, que fez temporada em julho em São Paulo, a personagem, âncora de telejornal, passava boa parte da peça ao telefone. Na nova incursão de Domingos Oliveira pela cidade, em que co-escreve e dirige “Rita Formiga”, a protagonista também tem no aparelho um aliado.
Estamos nos anos 60. A história que se verá no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) paulistano, onde o espetáculo pré-estréia hoje, é fruto de passagem autobiográfica dos autores, Oliveira e a atriz Maria Gladys, nome presente em produções do cinema novo.
Há cerca de 40 anos, Oliveira morava em um apartamento em Copacabana. Gladys era sua amiga. E vizinha. Na época, ela não tinha telefone e usava o dele. Invariavelmente, no meio da tarde, quando o escritor tinha mais inspiração em escrever.
Eram horas no aparelho conversando com uma amiga, o que afetava a concentração de Oliveira. O jeito foi transformar os “percalços da intimidade” em uma peça.
“A Maria Gladys é dona de uma personalidade fascinante. Veio do subúrbio, foi musa do teatro, do cinema, uma mulher com muita generosidade. Falava coisas interessantes no meu telefone. Um dia, pedi a ela que repetisse, gravei e compus o texto. Ficou completamente documentário, como se fosse [o trabalho de] um repórter”, afirma Oliveira, 69.
Ao texto, acrescentou uma segunda narrativa em que o personagem Escritor acaba criando sua primeira peça teatral a partir das histórias da vizinha. Rita Formiga (Guga Stresser) irrompe no apartamento, às vezes sem cumprimentar ao Escritor (Cláudio Tizo), e vai direto ao telefone falar com Íris, interlocutora com quem compartilha conquistas e desilusões amorosas, mais essas que aquelas.
Rita vê o amor chegar, mas também o vê partir num cotidiano em que freqüenta bares como o Degrau e o Zepelin. “Há um pouco de crônica da boemia ipanemense dos anos 60”, conta o autor.
Em meio à voz da narradora, ora chorosa ora esfuziante, o Escritor apela ao algodão no ouvido, mas sucumbe à condição de espectador privilegiado.
E por que Formiga? “Não tem um motivo. Às vezes, se você der um nome que não é o do personagem, ele reclama”, explica Oliveira.
11.9.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 11 de setembro de 2006
TEATRO
Atração do 13º Porto Alegre em Cena, versão de “O Pequeno Polegar” é assistida em camas individuais
VALMIR SANTOS
Enviado especial a Porto Alegre
Se algum espectador dormir, não quer dizer que o espetáculo seja ruim. Pelo menos não no caso de “Buchettino”, que a companhia italiana Societas Raffaello Sanzio estréia hoje no 13º Porto Alegre em Cena, o festival internacional de artes cênicas que vai até domingo.
Crianças ou adultos deitam-se em 50 camas individuais para ouvir e imaginar a história de “O Pequeno Polegar”, como se fossem ninar. “É um espetáculo em que não se vê, só se sente”, diz o integrante da companhia Federico Lepri, 32, um dos técnicos responsáveis pelos efeitos sonoros.
Enquanto a atriz Monica Demuru, na pele de Mãe, narra (em português) a lenda européia na versão do francês Charles Perrault (1628-1703), do lado externo do espaço cenográfico retangular chegam as sonoridades, em percussão ou playback, que reforçam a atmosfera de suspense sobre as aventuras do personagem-título, caçula de sete irmãos. Eles atravessam perigos num bosque, com direito a aroma de eucalipto, e são ameaçados por lobos, morcegos e um ogro.
Uma das companhias conceituais mais respeitas da Europa, a Societas Raffaello Sanzio nasceu em 1981, na cidade de Cesena (norte da Itália), iniciativa de Chiara Guidi e dos irmãos Claudia e Romeo Castellucci, então jovens estudantes embevecidos pelo signo das artes visuais e sob contaminação absoluta de outras áreas, como a música, a ópera, a ciência, a medicina, a teologia etc. A companhia passou por São Paulo nos anos 90, inclusive com uma versão de “Hamlet”.
Grupo lituano
Em sua primeira semana, um dos destaques internacionais do festival, além da passagem da companhia da coreógrafa alemã Pina Bausch, foi o grupo lituano Meno Fortas, dirigido por Eimunthas Nekrosius.
A versão de “Othelo”, de Shakespeare, apresentada até ontem no teatro São Pedro, dura cerca de quatro horas. Na concepção de Nekrosius, Othelo, Iago e Desdêmona são personagens que têm pesos equilibrados em meio ao torvelinho de inveja e ciúmes em que são enredados. A metáfora da água surge o tempo todo, referência à ilha de Chipre onde se passa parte da ação. A cenografia, os adereços, os objetos e a música transportam o público para uma embarcação.
Nekrosius, que já havia mostrado em Porto Alegre cinco anos atrás seu “Hamlet”, em “Othelo” revela que não sucumbe ao maneirismo visual no seu modo de fazer teatro. Ao contrário, é um apaixonado diretor de atores como Vladas Bagdonas (Othelo), Rolandas Kazlas (Iago) e Egle Spokaite (Desdêmona).
Num momento em que o Brasil recebe o projeto Estação de Teatro Russo, circulação de cinco espetáculos daquele país, é pena que Nekrosius e Meno Fortas, que vêm de uma das repúblicas do Mar Báltico que pertenciam à ex-União Soviética, ainda sejam desconhecidos em São Paulo e Rio.
13º Porto Alegre em Cena
Quando: 5 a 17/9
Quanto: R$ 20. Mais informações pelo tel. 0/xx/51/ 3235-2995 ou através do site www.poaemcena.com.br
10.9.2006 | por Valmir Santos
São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2006
TEATRO
Autor russo é encenado nas peças “Ralé Ainda Pulsa”, em prédio em ruínas no centro, e “A Mãe”, no Fábrica SP
Raramente visto no Brasil, espetáculo “A Mãe” é adaptação feita por Bertolt Brecht para o romance homônimo de Gorki
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Um escritor que assina “Minha Triste Infância” dificilmente olhará o mundo com condescendência. Foi com esse título que Máximo Gorki (1868-1936) lembrou seus primeiros anos de vida.
Na literatura e no teatro, sua escrita sempre diz respeito à miséria material e humana. Duas peças em cartaz refletem isso ao mergulhar no modo realista com que o russo Gorki encarava a sobrevivência e a convivência em sociedade.
No Teatro Fábrica São Paulo, o Núcleo 2 monta “A Mãe”, adaptação de Bertolt Brecht para o romance homônimo de Gorki raramente vista no Brasil, num espaço cenográfico conformado em uma arena.
Já o grupo de Teatro Meio transpõe a ação de “Ralé Ainda Pulsa”, peça baseada em “Ralé” (ou “No Fundo”), de Gorki, para São Paulo em uma triste atualidade, segundo os criadores: a do Castelinho, como é chamada a construção de 1912, ora decadente, na rua Apa, região central.
“Nossa opção foi menos pela idéia de encenar em um espaço alternativo simplesmente e mais pela vontade de provocar o espectador -o de classe média, de um modo geral- com as cores, texturas e cheiros desse mundo de miséria, tão próximo de nós e numeroso, e ao mesmo tempo, como diz o texto [de Gorki], tão ignorado: “As pessoas se acostumam com a pobreza e nem olham mais'”, afirma o diretor do espetáculo, Alex Brasil, que também assina a adaptação.
Cortiço
Dentro do Castelinho, conta Brasil, foi montado um cortiço. “Exatamente igual a diversos cortiços visitados na região. O próprio Castelinho já foi um, de fato, quando ainda tinha teto”, diz o diretor. “O público entra nesse cortiço e sente, por uma hora e quinze minutos, a pulsação de vida que ainda resiste dentro dele.”
Ainda de fora do Castelinho, antes do início do espetáculo, o Teatro Meio exibe um vídeo de oito minutos que condensa a pesquisa realizada em áreas miseráveis da cidade.
Considerado uma das obras-primas de Gorki, “A Mãe” promove diálogo sintomático entre o autor russo e o alemão Brecht (1898-1956). “O romance de Gorki vai até 1905, um dos anos mais violentos da história da Rússia, que ele viveu in loco, quando milhares de camponeses morreram em luta por terra, e várias greves foram deflagradas”, afirma Sérgio Audi, diretor de “A Mãe”. “Brecht vai lá, ressuscita a personagem e amplia a trajetória da Mãe até 1917, ano da Revolução Russa.”
Gorki teria tomado como inspiração a trajetória de uma mãe de operário que liderou um movimento de conscientização social naquele início de século 20.