21.11.2010 | por Valmir Santos
GAZETA DO POVO – CADERNO G, 30.out.2010
CÊNICAS
O teatro curitibano sob olhar dos críticos
Valmir Santos, de São Paulo, e Daniel Schenker, do Rio de Janeiro, estão na cidade para refletir sobre a cena local
Esta semana, a cena teatral curitibana está sob o olhar de dois críticos de atuação nacional. Daniel Schenker, carioca, veio à cidade como convidado para assistir à 6.ª Mostra Cena Breve e publicar no blog do evento suas reflexões. Valmir Santos, paulista que há dois anos cumpriu a mesma tarefa do colega, retorna para debater os espetáculos do 2.º Pequeno En contro de Teatro para Crianças de Todas as Idades.
Foi o primeiro contato mais intenso de Santos com o teatro infantil feito na cidade. Bonecos e objetos animados dominaram a cena nas primeiras apresentações. “As duas primeiras semanas do Pequeno Encontro foram tomadas por temas da memória e dos jogos e brincadeiras abordados com inteligência, combinando conteúdos mirins ou de ‘gente grande’ com investimento no apuro de linguagem”, avalia o crítico.
Ele destaca a surpresa que teve ao conhecer a história de mais de duas décadas da Companhia Filhos da Lua com o teatro de mamulengo, “à altura do que se vê no Nordeste”, e reconhece a clareza da pesquisa de linguagem feita pela Cia. do Abração rumo a uma dramaturgia “de traços existencialistas”, que fala de velhice e ancestralidade.
Se identificou “deslizes menores”, caso de problemas em um ou outro texto, intérpretes desnivelados ou “resquícios de entretenimento caricatural”, Santos os credita ao modo de produção volátil das companhias, que não permite o tempo de dedicação exclusiva necessário à lapidação das criações.
Adultos
Entre as atrações para crianças, o crítico pôde assistir a um espetáculo tramado para o público adulto que lhe causou excelente impressão: Os Invisíveis, da Armadilha, cuja temporada se encerrou há uma semana no Novelas Curitibanas. “Saí admirado pela inventividade na dramaturgia e direção de Diego Fortes, pela forte presença do elenco com Maureen Miranda, Ludmila Nascarella e Alan Raffo. É montagem para figurar nos melhores festivais do país.”
Unindo os dois cenários, o adulto e o infantil, Santos considera o mais instigante na cidade essa “vocação para o teatro de pesquisa”, além da dramaturgia que se lança além das palavras, para narrar também pelo corpo, objetos, luz e espaço. “A cena expandida é perceptível em Olga Nenevê, Paulo Biscaia, Marcio Abreu, Sueli Araujo, Marcos Damasceno, Cia. Silenciosa”, cita.
Recém-chegado para a Cena Breve, Daniel Schenker admite ter uma “visão bastante parcial” do teatro local, construída durante a cobertura anual do Festival de Curitiba.
“Em todo caso, considerando os espetáculos que vejo e também os que desembarcam no Rio de Janeiro, não há como deixar de destacar o trabalho continuado da Cia. Brasileira de Teatro. Fiquei particularmente impressionado com a montagem para Apenas o Fim do Mundo, de Jean-Luc Lagarce. Felipe Hirsch também vem desenvolvendo trabalho sólido com a Sutil Cia., particularmente, Por um Novo Incêndio Romântico, A Memória da Água e Thom Payne/Lady Grey”, diz.
Em contrapartida, nas visitas ao Fringe, Schenker nota uma tendência a investimentos em espetáculos comerciais, “flagrantemente televisivos”.
Sem concessões
O papel do crítico deve ser o de “colocar-se como mediador entre o público e o criador, sem fazer concessões para nenhum dos lados”, acredita Valmir Santos. Para tanto, julga ser fundamental, ao formular uma reflexão, ter a consciência de para quem se escreve.
Shenker acrescenta que ideal seria o crítico de teatro de algum modo integrar o processo criativo, em vez de apenas dar um juízo de valor diante de uma obra fechada. “Afinal, o espetáculo teatral, diferentemente de um filme, é um organismo vivo, que sofre mudanças a cada apresentação”, argumenta.
Para o carioca, não se pode comparar a crítica praticada na atualidade à feita por Decio Almeida Prado “no formato de capítulos” ou mesmo ao espaço ocupado nos anos 80. No Rio de Janeiro, ele destaca o trabalho cumprido por Macksen Luiz no Jornal do Brasil e por Daniele Ávila e Dinah Cesare na revista eletrônica Questão de Crítica.
A transição para a crítica on-line é a tendência identificada por Santos, que a exerce no site Teatro Jornal. Mas a atividade crítica ainda se sustenta nos veículos impressos, diz. “É auspicioso, por exemplo, ver dois críticos escalados para a cobertura teatral na Folha de São Paulo, quando seu concorrente local, O Estado de S.Paulo, já vinha de revezar dois ou três profissionais. Na im prensa paulista, os críticos mais influentes são Mariangela Alves de Lima (O Estado de S.Paulo) e Luiz Fernando Ramos (Folha de S.Paulo).”
O paulista levanta um porém. “Ainda fico com a sensação de que a recepção crítica, em geral, não consegue dar conta das mudanças que estão acontecendo no mapa do teatro brasileiro, com avanços dramatúrgicos e estéticos para além do chamado eixo Rio-São Paulo. Falta-nos uma crítica que redimensione esse caráter nacional do teatro contemporâneo.”
Serviço:
6ª Mostra Cena Breve. Teatro Novelas Curitibanas (Rua Carlos Cavalcanti, 1.222), (41) 3222-0355. Hoje: 1999=10 – com Quem Somos Nós?; Calçolas – com o Núcleo Vagapara; Prólogos – com a Cia. Subjétil. Amanhã: Se Conselho Fosse Bom Seria Ação de Classificados – com os Cães Lacrimosos; RG – 38 e Mais Nada – com a Cia. As Medéias; O Treinador – com a Pausa Cia. Às 19 e 21 horas. R$ 10 e R $5 (meia).
2º Pequeno Grande Encontro de Teatro para Crianças de Todas as Idades. Teatro José Maria Santos (R. Treze de Maio, 655), (41) 3322-7150. Hoje: Surpresa – com a Cia. Manoel Kobachuk. Amanhã: Sobrevoar – com a Cia. do Abração. Às 16h. R$ 10.
23.3.2010 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 11 de novembro de 1990. Local – Página 8
Valmir Santos
O grupo Teatro Experimental Mogiano (TEM), um dos expoentes da arte cênica na história da cidade, está completando 25 anos de atividade. Para comemorar as bodas de prata, uma troupe de ex-atores que participaram da criação do TEM, em 1965, apresenta amanhã e terça-feira, às 20h30, no Teatro Municipal “Paschoal Carlos Magno” – com entrada franca – a peça “Ainda Tem,” retrospectiva das montagens do grupo até o início da década de 70.
Segundo Regina Lúcia Moreira Gomes, 42, e João Antônio Dias, 47, ex-atores que integram a equipe responsável pelo espetáculo, “Ainda Tem” marca o encontro de todo o elenco que atuou entre 1965 e 1972, um dos períodos mais férteis do grupo que ainda está em atividade (leia texto nesta página). “É a forma que encontramos para mostrar que o sonho, o ideal do teatro, ainda não acabou”, afirmam. “Nós, os mais velhos, passamos nossa experiência à geração que está aí e tem tudo para dar certo também”.
Hoje, boa parte dos ex-integrantes do TEM desenvolvem atividades em outras áreas. São advogados, professores, administradores, artistas plásticos, escritores, poetas. Alguns ainda moram em Mogi das Cruzes; outros se mudaram, mas não perderam contato com o grupo.
O embrião do TEM foi o Grêmio Estudantil Ubaldo Pereira (Geup) do Instituto Washington Luís, o pólo político-cultural-esportivo dos estudantes mogianos em meados da década de 60. Ali, percorreram o caminho das artes. Música, poesia e teatro eram o carro-chefe. Semanalmente acontecia o show de auditório “Escola de Grupo”, ao vivo, onde apresentavam poemas, canções e esquetes teatrais.
A primeira apresentação do grupo aconteceu em agosto de 1965, com a leitura radiofônica da peça “Em Tempos de Inconfidência”, escrita por Milton Feliciano de Oliveira, no salão da antiga Rádio Marabá (hoje Rádio Diário de Mogi), que funcionava no prédio onde está localizado hoje o Cine Avenida.
“Em Tempos de inconfidência” antecedeu o espetáculo “Noite de Poesia e Bossa”, censurada pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão do governo federal, devido à analogia política que fazia ‘ com a situação do País, no pós-golpe militar. Era dezembro de 1965. No mesmo mês acontecia outro espetáculo, “Tem Noite Feliz”, um auto de Natal.
Depois de alegres intervenções radiofônicas e dos lamentáveis dribles sobre a marcação cerrada da censura do governo Castelo Branco, finalmente o TEM subiu ao palco para apresentar a primeira montagem efetiva: “A Exceção e a Regra”, do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, com direção de Armando Sérgio da Silva. Foi encenada no Liceu Braz Cubas, em agosto de 1966 (um ano depois da criação do grupo). Participando do 4º Festival do Teatro Amador do Estado de São Paulo, realizado naquele ano, a peça obteve prêmios de melhor espetáculo, direção, sonoplastia, maquilagem e iluminação.
No ano seguinte, 1967, foi a vez de “Canudos”, histórico brasileiro sobre a vida de António Conselheiro; em 1968, ‘Yerma”, do escritor espanhol Federico Garcia Lorca, e “Aquele Que Diz Sim, Aquele Que Diz Não”, de Milton Feliciano (parte do elenco chegou a ser detida certa vez quando distribuía panfletos da peça, tida como “subversiva”); e, finalmente, “E a Sua Família Continua Unida?”, também escrita por Feliciano. Nesse período, realizaram ainda montagens infantis (“Pluft, o Fantasminha”, “A Bruxinha Que Era Boa”, “A Árvore Que Andava” c “Tio Platão”).
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Ex-secretário de Cultura foi um dos idealizadores
Armando Sérgio da Silva, 44, ex-secretário municipal de Cultura, na gestão do prefeito António Carlos Machado Teixeira, foi um dos fundadores do TEM. Lembra com saudades das suas participações nos shows que aconteceram no “palquinho” do Instituto Washington Luís. Havia um quadro semelhante à “Escolinha do Professor Raimundo”, da Rede Globo, no qual, aos 14 anos, ele interpretava um dos alunos pentelhos da classe. Também foi um inveterado dublador das canções de Elvis Presley e do conjunto The Platters.
Na Rádio Marabá, Armando realizou vários esquetes. Os programas eram escritos por Antônio Benetazzo, desaparecido durante a ditadura (de acordo com Armando, sua ossada foi encontrada há poucos meses numa vala clandestina do cemitério Dom Bosco, no bairro paulistano de Perus). A locução ficava por conta de Sérgio Corrêa.
Segundo Armando, o TEM surgiu da necessidade de se fazer um teatro voltado para a pesquisa, desvinculado da prática convencional. Identifica o grupo com o movimento Oficina, emergente nos anos 60, pelo trabalho mais espontâneo, não levando tanto em consideração a apuração técnica e formação do ator, a exemplo do que acontecia no Teatro de Arena.
Armando Sérgio dirigiu “A Exceção e a Regra”, de Brecht, uma das peças mais premiadas do TEM. Permaneceu no grupo até 1967, quando foi estudar na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), onde atualmente leciona pós-graduação na disciplina Interpretação do Ator, tendo estrelas globais entre os alunos, como Irene Ravache e Regina Braga. Também dá aulas no curso de Comunicação Social da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC).
Na sua opinião, o movimento teatral em Mogi “sempre foi forte”. Cita, como exemplo, os 23 grupos que existiam na cidade durante sua gestão na Prefeitura (1982-1988). Armando, no entanto, se esquiva de avaliar a arte cênica mogiana na atualidade, alegando estar “afastado” das atividades locais em função das aulas na USP. Dos 23 grupos que citou, hoje, pelo menos 80% se dissolveram. (V.S.)
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Diretora diz que montagem ignora nomes fundamentais
Na opinião da diretora do TEM, Clarice Jorge, 53, há 20 anos no grupo, o espetáculo preparado para homenagear os 25 anos deixou nomes importantes de fora. “Os ex-atores se detiveram apenas aos primeiros cinco anos do TEM e se esqueceram dos outros 20 anos”, disse. “Eles não foram leais e, para o homem, lealdade é fundamental, sob risco de se tornar tão somente um bicho a mais na natureza”.
Entre os integrantes que passaram pelo grupo, Clarice cita Mário e Marco Aurélio Namura, Paulo Fernandes, Levi Quintas Oliveira, Mário e Márcia Clacenko, Carlos Leonel Pastos, Aírton Durval da Mota, Marina Nogueira, Gina Muffo e José Miguel de Matos.
Clarice afirmou que foi convidada a participar da montagem de “Ainda Tem”, mas achou por bem não entrar na peça porque ainda atua no TEM. “Não sou ex”, disse. “Continuo no exercício da atividade teatral, o que na minha opinião é mais importante que comemorar os 25 anos”.
O TEM dos anos 90 se resume a seis atores. O grupo é presidido pelo escritor Nelson Albissú. Atualmente ensaiam “Os Cantores do Rádio”, de Albissú, cuja estréia está programada para janeiro do próximo ano — em dezembro serão feitas apresentações em creches e entidades carentes de Mogi, em caráter beneficente.
A diretora lembra/emocionada da peça “Ultima Estação”, também escrita por Albissú, que percorreu mais de 120 cidades entre 1985 e 1988. A montagem mais recente do grupo foi “O Aniversário de Mamãe Júlia”, do mesmo autor, realizada no ano passado. (V.S.)
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Feliciano escreveu “Ainda Tem”, uma retrô das peças
Principal autor das peças montadas pelo TEM durante os primeiros seis anos de vida do grupo, o escritor e poeta Milton Feliciano de Oliveira, 47, preparou “Ainda Tem” para o reencontro dos amigos. “Nossa aventura teatral foi importante”, conta. “Retratamos um período em que Mogi teve uma forte resistência político-cultural e, por isso, não poderíamos deixar os 25 anos passarem em branco.”
Feliciano integrou o TEM de 1965 a 1971. Entre as principais montagens de sua autoria, estão “Tiradentes”, “Canudos”, “Aquele Que Diz Sim, Aquele Que Diz Não”, “E a Sua Família Continua Unida?” e “Leone e Lena”. Foi um dos idealizadores do show “Escola de Grupo”, no Instituto Washington Luís, a gênese do grupo.
Em “Tiradentes”, censurada pelo Dops, Feliciano fez um paralelo com o sufoco do regime militar vigente. “Através da história de Joaquim José da Silva Xavier, que curiosamente não se auto-intitulava doutor, tampouco era alienado, mostramos a batuta dos militares sobre nossas cabeças”, explica. Na oportunidade, ficou detido no Dops, em São Paulo, durante quatro horas tentando convencer “Dona Solange” – a mulher da tesoura – a liberar a peça. Nada conseguiu.
O escritor se afastou do TEM em 1971, quando se mudou para Porto Alegre (RS). Em 1977, voltou para Mogi com “Bandeirinha ou Boné, Cavalheiro?”, com o grupo Teatro Sérgio Corrêa. Foi uma passagem rápida. No ano de 1980 trouxe ao público mogiano “Amor (te) Natal”, uma versão diferente sobre a vida de Jesus Cristo. Esta peça também foi censurada em 1970 e liberada uma década depois.
Hoje, à frente da Distribuidora Porto Alegre, Milton Feliciano continua escrevendo. Na última quinta-feira lançou o livro “Olhei Minha Vida” – uma retro do seu fazer teatral. Em “Ainda Tem”, que será apresentado amanhã e terça no Municipal, traz fragmentos das peças que montou no grupo, além da leitura de poesias e trechos de músicas da época. “Teatro se comemora com teatro”, afirma. (V.S)
23.3.2010 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 15 de dezembro de 1991 – Local – Página 6
Valmir Santos
Um cavalo provido de cabeça humana casou-se ontem com uma moça acometida pela doença do coqueiro — mais para girafa —, filha do cangaceiro António das Almas. O enlace aconteceu em frente à Igreja Matriz. Antes das pazes, porém, houve muita confusão. Quem passou pela praça Coronel Almeida a partir das 12 horas viu de perto as armações de uma bruxa escatológica tentando azucrinar o pacato cotidiano de uma cidade de Pernambuco. Eram os 18 integrantes do grupo Teatro da Universidade de Mogi das Cruzes, o Tumc, encenando “O Capeta de Caruaru”, de Aldomar Conrado.
Sob a direção de Adamilton Andreucci Torres, 38 anos, o Tumc optou por levar o teatro às ruas e praças públicas na passagem dos seus dez anos de existência (veja o box). “O Capeta de Caruaru” encerra a trilogia iniciada em 89 com “A Cara Nossa de Cada Dia”, seguida por “Cenas em Cena”, apresentada na UMC no final do ano passado, com participação especial do grupo folclórico Meninos da Porteira, de Sabaúna.
Por l hora e 20 minutos a praça Coronel Almeida serviu de território-limite de Caruaru. O cenário, resumido num painel de pano de cerca de oito metros de largura, lembrando o formato de uma casa, traz os indícios da caatinga nordestina: o sol abrasador, o cacto ressecado, a mula esquelética e a pequena igreja, símbolo da fé daqueles que só deixam o cariri no último pau-de-arara.
O prefeito António Cipriano e o padre Damião — que também passam, respectivamente, pelo beberrão Chico e o caipira Piu — são o pivô da história. A troca de personagens confunde os moradores. Dona Cosma está preocupada com o marido que transou com uma égua, dando origem ao cavalo de cabeça de gente. Este se apaixona pela moça que não pára de crescer e já está com a cabeça ao nível das telhas da casa. O pai, António das Almas, reivindica fervorosamente, junto à prefeitura local, um guindaste para que a filha possa se locomover. Eis os fenômenos absurdos que indicam a presença do capeta em Caruaru. Tudo, é claro, pincelado pelo humor escrachado dos nordestinos, profundos amantes da superstição.
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Muitos assistiram teatro pela primeira vez na vida
A apresentação do Tumc foi marcada pela descontração. Meia hora antes do início do espetáculo, as pessoas olhavam curiosas o elenco que se maquiava e vestia a roupa de cena. Com o cenário colorido, de autoria do artista plástico Ulisses Torraga Miranda Bruno, tudo exalava teatro. Aos poucos, o público se acomodou e estava formada a roda — o palco da rua ou, no caso, da praça.
Muitos assistiam a uma peça pela primeira vez na vida. “Estava passando por aqui e resolvi apreciar. É tudo muito bonito”, disse o ajudante-geral João de Assis Siqueira, 52 anos, emocionado com a arte cênica que nunca assistiu “por falta de tempo e muito trabalho”.
A escriturária Luciana de Moraes, 21 anos, chegou na metade de “O Capeta de Caruaru” e diz que foi “pega” pela energia transmitida pelos atores do Tumc. “É difícil acompanhar teatro em Mogi”, lamenta. “Felizmente, ainda temos o Tumc por aqui.”
Crianças, acompanhada pelos pais assistiam à apresentação, sorridentes. A Bruxa horrorosa, por incrível que pareça, era o personagem que mais provocava risos. “Esse pessoal é muito divertido. Tem tudo para fazer sucesso”, comenta o garoto Ricardo Vieira dos Santos, 16 anos, que já havia conferido a peça na praça João Pessoa, no sábado passado.
“E o primeiro espetáculo que assisto. É um barato”, elogia.
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Tumc faz público soltar risos e cumpre seu papel
De antemão, o teatro é das manifestações culturais que mais interfere nas transformações sociais. Quando ele é levado às ruas, às praças públicas — chega às pessoas que por “n” motivos jamais pisaram nos acarpetados teatros tradicionais— então ele assume proporções ainda maiores.
O Tumc fecha os seus dez anos de vida com chave de ouro. “O Capeta de Caruaru” disse a que veio. O público riu o tempo todo. A peça de Aldomar Conrado foi feita para isso. Mas o escracho recheado com pitadas de LBA e crise econômica fica ainda mais interessante.
Sob um sol comportado, comparando-se com a temperatura dos últimos dias, o elenco suou a camisa mais uma vez. Com idades que variam de 19 a 30 anos, são todos estudantes ou ex da UMC. Compartilham os estudos com os ensaios. Adamilton os preparou muito bem. Na verdade, o Tumc tem uma característica que o difere de um grupo de teatro convencional: é um conjunto de pessoas umbilicadas pelo coleguismo de escola. Mas a amizade transcende e faz com que continue entre aqueles que já concluíram os estudos.
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Uma década em cena
1981 – “O Planeta dos Palhaços”, de Pascoal Lourenço Teudesch, e “Pluft, o Fantasminha”, de Maria Clara Machado.
1982 – “A Bruxinha Que Era Boa”, de Maria Clara Machado, e “Uma Chama de Luz”, de Botira Camorin.
1983 – “Uma Luz no Céu”, de Jane Gatt.
1984 – “Pluft, o Fantasminha de Maria Clara Machado no Século da Te-le-Visão do Pessoal do Tumc”, uma adaptação anarquista de Ademilton Andreucci Torres.
1985 – “A Vida Escrachada de Joana Martins e Baby Stompanato”, de Bráulio Pedroso.
1986/87 – “Uma Eleição em Bruxópolis”, do mogiano Denerjânio Tavares de Lyra.
1989 – “A Cara Nossa de Cada Dia”, montagem coletiva do Tumc, a partir da poética dos próprios atores.
1990 – “Cenas em Cena”, montagem coletiva do grupo, com colagem de textos de Brecht, Peter Weiss, Oswald de Andrade e Nelson Rodrigues. Participação especial do grupo folclórico Meninos da Porteira, de Sabaúna.
8.3.2010 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi, sem data. Caderno A – capa
VALMIR SANTOS
O espírito da brincadeira em “Nas Trilhas da Transilvânia”, o esboço, um ano atrás, está presente no primeiro ato de “Drácula e Outros Vampiros”, título da montagem agora em cartaz em São Paulo. Antunes Filho, aos 67 anos, libera sua verve juvenil no novo espetáculo.
Com um elenco repleto de adolescentes, a sensação é de que estamos acompanhando um bando de estudantes aprontando das suas num playground de horror e riso.
De fato, na primeira parte, com exceção do transe efêmero provocado pela vibração dos movimentos dos atores, adaptado de uma dança de Bali (kecak), não há indícios de um trabalho do qual o público assimile imediatamente se tratar da assinatura do diretor, um mestre da cena brasileira.
Um Antunes surpreendente e aventureiro é o que desponta nesta montagem do Centro de Pesquisa Teatral (CPT). A começar pelo peso do tratamento visual em cena. Parênteses para a equipe de J.C. Serroni, com um cenário entranhado no mito do vampiro, sobretudo nas texturas. Idem para o tratamento de sombra na iluminação de Davi de Brito.
No início, muito gelo seco ao som de Black Sabbath. A competente trilha sonora de Raul Teixeira é crucial nas passagens em que a atmosfera, a instalação do clima (gótico ou passional, com direito a tango), importa mais do que propriamente o jogo interpretativo.
Sim, o ator que Antunes sempre colocou em primeiro plano, surge aqui diluído. O álibi talvez fique por conta da safra de novatos, a maioria com “bagagem” de apenas quatro meses de CPT.
Resta a investida no coletivo, na “coreografia” de palco que o diretor domina muito bem. O deslocamento dos coros (Mortos-Vivos, Comitê de Recepção e Dracula’s Club, por exemplo) se dá harmoniosamente no espaço cênico.
Antunes inverte a expectativa para trazer à tona o “trash” que assume em sua formação. Permite-se revelar um outro lado criador – mais anárquico, por que não? É escancarado o ar patético com o qual constrói o Drácula interpretado por Eduardo Cordobhess. Um Drácula palhaço.
No segundo ato, volta o encenador-cabeça. E “Drácula e Outros Vampiros” diz a que veio. Entra em cena a metáfora da burguesia sanguessuga e da direita extremista que avança à beira do próximo milênio. A síntese do espetáculo demora, mas aparece: a cena em que Drácula é convertido em Hitler, emoldurado no esquife, discursando raivosamente. A intolerância está na ordem do dia.
Mas não é o arremate antuniano que se esperava. Apesar das várias citações (o coreógrafo Kurt Jooss, a cineasta Leni Riefenstahl, o escritor Baudelaire), a peça resulta uma metáfora pálida. Nem Sepultura, ao final, dissimula a frustração. A concepção da montagem que fruía na cabeça de Antunes quando da conversa com os jornalistas, na véspera da estréia, prometia mais encantamento e fúria.
DRÁCULA E OUTROS VAMPIROS – Concepção e direção: Antunes Filho. Com Grupo Macunaíma (Lulu Pavarin, Geraldo Mário. Ludmila Rosa e outros). Quarta a sábado, 21h; domingo, 19h. TEATRO SESC ANCHIETA (rua Doutor Vila Nova, 245, Vila Buarque, tel. 256-2281). R$ 16,00 e R$ 20,00 (sábado). 75 minutos
7.6.2005 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 07 de junho de 2005
TEATRO
Companhias de Argentina, Bolívia e Chile circulam por festivais em Londrina, Curitiba, Brasília e Rio de Janeiro
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Temporada de teatro sul-americano no Brasil. Isso é raro. Historicamente dedicado ao segmento, o Festival Internacional de Londrina (Filo 2005) irradia projetos como Corredores Culturais do Mercosul (que também vai a Curitiba e a outras cidades do interior paranaense) e a Mostra Internacional de Teatro (MIT), que percorre os centros culturais do Banco do Brasil em Brasília e Rio.
A programação conjunta envolve pelo menos três projetos emblemáticos. É o caso de “Gemelos” (gêmeos), espetáculo com ex-integrantes da Cia. La Troppa, do Chile, dissolvida em março passado após 18 anos de atividades.
Os atores assumem o lugar dos bonecos para dar vida aos personagens adaptados da história da escritora húngara Agota Kristof (“O Grande Caderno”). Trata-se da infância de dois irmãos gêmeos numa cidade européia durante a Segunda Guerra Mundial.
Da Bolívia, o grupo Los Andes traz “En un Sol Amarillo” (sob um sol amarelo). Retrata a corrupção na seqüência do terremoto de 1998 que abalou cidades camponesas daquele país.
A jogatina financeira que rege as vidas pública e privada também se reflete na montagem do grupo argentino El Patrón Vazquez para “La Estupidez”, de Rafael Spregelburd. Em chave cômica, três policiais em serviço, um grupo de amigos em férias, dois contrabandistas de obras de arte, um cientista que mantém uma relação problemática com o filho e uma jovem em cadeira de rodas se desdobram em “papéis” como jogadores compulsivos, investigadores e mafiosos italianos.
25.10.1998 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 25 de outubro de 1998. Caderno A – 4
Montagem da Cia. Folias D’Arte aposta na transformação pela ética
VALMIR SANTOS
São Paulo – De Fellini, o espírito libertário. Do brasileiro anônimo, a sobrevivênCia. Em ambos, enfim, a resistência. “Folias Fellinianas” chacoalha as bases do país, expõe suas chagas e imediatamente celebra a ética, em todas as suas instâncias, como única possibilidade criativa e transformadora para os tempos que correm.
Quem, afinal, em sã consciência, pode compartilhar da pregação rasteira de que “ética demais atrapalha”? Como exercer a cidadania com a bandeira do “rouba, mas faz”? “Folias Fellinianas” questiona tudo isso sem xenofobismo de araque. Faz um grito de alerta para esse Brasil neoliberal e globalizado que vem invertendo absurdamente os mínimos valores. A fala de um dos personagens é suprassumo: “Integridade, em tempos de crise, é crime”.
A montagem da Cia. Folias D’Arte atualiza o engajamento do teatro brasileiro nos anos 70, quando o “inimigo”, o regime militar, era mais visível. O suporte agora está fundado não exatamente na política, mas no ser humano, na figura dos milhões marginalizados socialmente e, ainda assim, depositários de esperanças a perder de vista.
Tampouco se prega o discurso direcionado dos Centros Populares de Cultura (CPCs), no auge da União Nacional dos Estudante (UNE). Os tempos são outros. No espetáculo, o conteúdo político-ideológico é emoldurado pela alegoria, pelo vôo dos artistas.
Evoca-se o espírito mambembe, a comédia de arte, o musical, a festa popular, a poesia cantada, o painel suspenso que retrata a história do povo como nos murais de Torres García, enfim, a matéria-prima é toda ela composta do ato de criar, de transcender para derrubar os “muros”, para “salvar o sonho”.
“Folias Fellinianas” cita Euclydes da Cunha, Castro Alves, Joãosinho Trinta, entre outros, para reciclar as memórias vivas. Aqui, os personagens não têm identidade. O Diretor (Guilherme Sant’anna), a Produtora (Nani de Oliveira), a Jornalista (Patrícia Barros), o Brasil (Rogério Bandeira), o Velho (Valdir Rivaben), a Mãe (Saryda Andara), o Rapper (Edgar Bustamante) e o Anjo Branco (Fernando Correa) patinam em suas perspectivas a curto, médio ou longo prazo.
Reunidos por acaso em torno da gravação de um filme, eles serão mobilizados pela presença de Ninguém (Renata Zhaneta), um mensageiro incumbido de entregar cartas, a pedalar por aí em sua bicicleta.
O texto de Reinaldo Maia, gestado em processo com o elenco, concede a Ninguém o tesouro a ser cobiçado: a plenitude de uma ética pessoal coerente com o mundo que o cerca; uma fluência de viver em contraste com o final de século acelerado. A saída está no indivíduo e não na nação.
Esclarecidas as partes, tem início a canibalização de Ninguém, alçado à condição de “santo” graças às visões que têm por conta de uma dor de cabeça intermitente, pela qual roga apenas uma aspirina – mas lhe receitam a “canonização”.
O circo de horrores, com tintas neo-realistas, apresenta desde números sensacionalistas, como as irmãs siamesas (na sugestão para acabar com a fome, uma come o que a outra defeca, ciclo da miséria), até culminar com a morte de Ninguém, queimado vivo tal qual o índio Galdino Jesus dos Santos.
É um espetáculo que não dá um soco no estômago e nem rouba o chão do espectador. Simplesmente não ignora a história que passa diante dos olhos de quem está disposto a ver. Ao peneirar o passado para constituir seu presente com verdade, “Folias Fellinianas” estabelece uma ponte contundente, porque embalada com o talento dos seus artistas.
Renata Zhaneta está à vontade no papel masculino de Ninguém. Arma a voz e o corpo com desenvoltura, é tranqüila na passagem interativa com a platéia. Extrai magia na relação com a bicicleta, curiosamente o veículo que equilibra o personagem no chão da razão ética.
Guilherme Sant’anna não fica atrás com seu Diretor histérico, ganhando a empatia instantânea do público. As demais atuações também envolvem com criatividade. Uma ressalva para Rogério Bandeira (Brasil), com matizes remanescentes de “Cantos Peregrinos”, o que limita as possibilidades mil do personagem.
Na estréia, quarta-feira passada, “Folias Fellinianas” ressentia-se ainda, aqui e ali, de um excesso de retórica no texto. São algumas reiterações, dico tomias (bem x mal, solidários x mercadores da alma) que terminam por dispersar a atenção do espectador.
O que fica, porém, é a coerência estética e ideológica da Cia. Folias D’Arte e do seu diretor, Marco Antonio Rodri gues. Como em “Verás Que Tudo É Mentira” (1994), depois em “Cantos Peregrinos” (1997), trata-se de um projeto que elege a arte popular, em sua excelência, como veículo de formação de um público de teatro mais crítico e, por extensão, de seres humanos mais dignos com seus papéis na sociedade.
“Sonhar, viver, criar”, esse é o espírito. Pode haver engajamento mais honesto?
Folias Fellinianas – De Reinaldo Maia. Direção: Marco Antonio Rodrigues. Direção Musical: Sérgio Villafranca. Cenografia: Fernando Monteiro de Barros. Figurino: Atílio Belline Vaz. Preparação corporal e circense: Mariana Maia. Quinta a sábado, 21h; domingo, 19h. Teatro Aliança Francesa (rua General Jardim, 182, Vila Buarque, tel. 259-0086). R$ 10,00 (quinta) e R$ 20,00. Duração: 120 minutos. Até final de novembro. Apoio: Fundação Conrado Wessel.
Rodrigues dirige 4 peças
São Paulo – Com “Folias Fellinianas”, Marco Antonio Rodrigues soma quatro peças na atual temporada paulistana. Andrade (leia crítica abaixo)
O musical “Cantos Peregrinos”, de José Antônio de Souza, está em cartaz há um ano e meio, agora no Teatro Ruth Escobar, com a Cia. Folias D’Arte.
A comédia “O Assassinato do Anão do Caralho Grande”, de Plínio Marcos, que estreou há um ano, fica até hoje no Sérgio Cardoso, interpretada por 35 atores oriundos da Oficina Cultural Oswaldo de Andrade (leia crítica abaixo).
E a tragédia “Senhora dos Afogados”, de Nelson Rodrigues é encenada por alunos recém-formados no Teatro-Escola Célia Helena, onde, permanece em cartaz.
“É uma coincidência feliz poder trabalhar com essa gente que praticamente forma uma família, no bom sentido”, diz Rodrigues. “Para nós o teatro nunca deixou de ser engajado”
A Cia. Folias D’Arte tem cinco anos. Entre as montagens anteriores destaca-se “Verás que Tudo é Mentira” (1994), de autoria de Maia.
Senhora dos Afogados – Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h. Teatro Escola Célia Helena (rua Barão de Iguape, Liberdade, tel. 279-0470). R$ 10,00. Até dia 15.
Cantos Peregrinos – Sexta e sábado, meia-noite. Teatro Ruth Escobar (rua dos Ingleses, 209, Bela Vista, tel. 289-2358). R$ 3,00 (consumação mínima).
“Assassinato…” traz atores sem vícios
São Paulo – O circo fala alto no peito do dramaturgo Plínio Marcos, 61 anos. Ele que já foi palhaço e tem no picadeiro a base para o fazer artístico. “Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se valer da técnica mecânica”, encerrou assim o seu célebre manifesto “O Ator”.
Em “O Assassinato do Anão do Caralho Grande”, dos textos mais recentes (1996), o autor de “Dois Perdidos Numa Noite Suja” (1965) retoma a defesa orgânica do artista como ser em constante conflito com a sociedade em que vive.
Plínio sabe esquadrinhar o Brasil em que vive, O poder, em sua constatação mais medíocre, é representado pela prefeitura, pela justiça, pela mídia, na base da velha e viciada estrutura.
Do outro lado, a resistência humanista dos artistas. Aqui, representados pelos ciganos do Gran Circus Atlas. São trapezistas, acrobatas, enfim, gente que trabalha sob lona e sobrevive da magia de encantar o público.
Essa dualidade na forma de olhar a vida ganha relevo na montagem do diretor Marco Antonio Rodrigues, com jovens das Oficinas Culturais Oswaldo de Andrade. O espetáculo estreou em janeiro e encerra temporada hoje no Sérgio Cardoso.
Pelo caráter alegórico de “O Assassinato do Anão…”, um libelo à arte do circo, Rodrigues tem a seu favor a energia com a qual o grupo de 35 atores pisa no palco.
São interpretações despojadas e fundamentadas em pesquisa cênica que leva em consideração o corpo como instrumento crucial para desenhar personagens tão arraigados na cultura brasileira.
Fábio Ferretti (Dona Ciloca), Ireny Silva (Mãe Di), Nani de Souza (Zolá Manuche), Paulo Henrique (Macaco) e Denis Goyos (Bicha Lili), para citar alguns, têm seus personagens nas mãos. E são papéis no limite do estereótipo, felizmente recriados de acordo com o talento de cada um. (É louvável, por exemplo, a forma como Henrique coloca seu corpo e alma à disposição do seu Macaco, sem superficialidade).
O diretor costura a montagem com mão barroca. É minucioso na expressão dos atores, na ocupação harmônica do espaço, inclusive no plano aéreo. A cenografia (Atílio Beline Vaz) catalisa a cena com tranquilidade, transitando da periferia para o centro do palco sem prejuízo dos territórios dedicados ora ao “coro”, ora à atuação solo.
“O Assassinato do Anão…” consagra a força do ator jovem, despido de vícios, aberto para um novo com o qual dialoga de igual para igual, sem se apequenar. Isso quando o diretor – caso de Rodrigues – deixa.
O Assassinato do Anão do Caralho Grande – De Plínio Marcos. Direção: Marco Antonio Rodrigues. Cleber Toline, José Paulo Dantas, Ibrahim Lyra, Rodolfo Falcão, Mariana Maia, Natasha Rodrigues, Nei Gomes, Allan Benatti etc. Última sessão hoje, 20h. Teatro Sérgio Cardoso (rua Rui Barbosa, 196, Bela Vista, tel. 288-0136). R$ 10,00. Duração: 100 minutos.
Em comédia, Dip inspira reflexão
São Paulo – “Eu não quero mudar de computador, de você, de milênio!”, protesta a personagem de “Por Água Abaixo”, uma “comédia filosófica” escrita e interpretada por Angela Dip. Esta comediante de mão cheia condensa maturidade nesta que é das suas melhores aventuras pelo teatro, escrevendo e atuando com esmerado senso de inventividade e leveza.
A começar pela gênese do texto. Dip se inspira na história da professora de etiqueta e dança Annie Taylor. Em 1901, esta doidivanas desceu as Cataratas do Niágara (EUA), protegendo seu corvo com apenas um barril. Resultado: esconações, aqui e ali, e muita fama à custa da coragem.
Pois a atriz surge com um barril-cenário-figurino e, em torno desse objeto esférico, ela convida o público a embarcar nas desventuras de uma mulher desesperada à beira do milênio, em crise como todos, mas a apenas alguns minutos de se atirar da catarata.
Os queixumes vão desde a pêndega com Deus sobre a velhice, passam pela implicância com as regras gramaticais (notadamente os coletivos de “chinelos”, “cupins”, espelhando a busca da própria individualidade), enfim, e chegam aos protestos pela modernidade que impõe mais do que interage.
É com esse espírito desbravador que a mulher não se atribui um nome à personagem, conferindo-lhe um caráter universal pela média acaba rompendo totalmente com as noções de espaço, explorando todas as direções. “O chão não é o limite, é o teto”, filosofa.
Nesse movimento centrífugo, a mulher transforma-se em furacão de si. De outra forma, não conseguiria sair do marasmo, ir adiante para “viver, dorrmir, sonhar, quem sabe?”, como deixa claro o bordão da anti-heroína politicamente incorreta, chata e encantadora em sua transparência.
Angela Dip esbanja a segurança de uma Denise Stoklos em monólogo, corroborada pela direção de Vivien Buckup (“Para Sempre”, “Cenas de Um Casamento”), que a cada espetáculo afina sua relação com o trabalho de ator e, como conseqüência, o privilegia com equilíbrio. (Aliás, ressalta-se aqui o feminismo subliminar do texto).
A exigência corporal de Dip é atendida com muita técnica. “Por Água Abaixo” é uma montagem enxuta. Na sua brevidade de 50 minutos, estimula a reflexão com recursos iminentemente artísticos (a extremidade oposta da solidão) e, cereja no bolo, traz uma Angela Dip em estado de graça.
Por Água Abaixo – Texto e atuação: Angela Dip. Direção: Vivien Buckup. Sexta e sábado, meia-noite. Teatro Crowne Plaza (rua Frei Caneca, 1.360, Cerqueira César, tel. 289-0985). R$ 15,00. Duração: 50 minutos.
24.10.1998 | por Valmir Santos
No papel da esposa que morreu faz 30 anos, mas com quem o professor aposentado conversa no presente – a atemporalidade é outra característica marcante da peça, fundindo vários planos -, a atriz Mara Carvalho cumpre com elegância a brevidade que o papel lhe confere. Petrônio Gontijo, como o filho, é um contraponto um tanto melodramático, se comparado à performance suave de Fagundes – já se escreveu que o espetáculo é dele, pois não?
Homenagem a João Pacífico em CD
Amor filial às últimas consequências
A Rainha da Beleza de Leenane – De Martin McDonagh. Tradução: Adriana Falcão e Tatiana Maciel. Com Xuxa Lopes, Walderez de Barros, Chico Diaz e Marcelo Médici. Direção: Carla Camurati. Teatro Alfa/Sala B (rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro, tel. 5693-4000). Sexta, 21h; sábado, 19h e 21h30; domingo, 19h. R$ 30,00 e R$ 35 (sábado). Duração: 95 minutos. Até 19 de dezembro.
11.10.1998 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 11 de outubro de 1998. Caderno A – 4
Inspirada na mitologia indígena, peça surpreende pelo despojamento e interpretações
São Paulo – O chamado teatro regional conquista cada vez mais espaço na cena brasileira. Desde os tempos de Ariano Suassuna (“Auto da Compadecida”), nos anos 60, até os dias que correm, ele vem descentralizando o foco do sotaque e dos cacoetes para alcançar um caráter mais universal, sem prejuízo das suas raízes.
Pode-se citar alguns encenadores que contribuíram, em maior ou menor grau, com leituras inovadoras: Antunes Filho (“Macunaíma”), Antonio Nóbrega (“Brincante”), Romero de Andrade Lima (“Auto da Paixão”), Carmem Paternostro (“Merlim”), Luiz Carlos Vasconcelos(“Vau da Sarapalha”), Nehle Frank (“Divinas Palavras”) etc.
Cada um em seu pedaço de chão (São Paulo, Salvador, João Pessoa, Recife, enfim) conceberam pesquisas de linguagem cênica que abriram flancos para o Brasil de dentro e, ao mesmo tempo, conectaram com o de fora, por obra e graça da sua eminência humana.
O espetáculo “Honorato”, em cartaz no Teatro Brasileiro de Comédia, filia-se a essa categoria de teatro regional que foge de facilidades como o diabo da cruz. Não foi à toa que seu diretor Paulo Ribeiro, sediado em São Paulo, levou pelo menos oito anos para chegar ao formato atual.
Ele também é autor do texto. Escreveu-o tomando como ponto de partida a lenda da Cobra Norato, garimpada pelo folclorista Luís Câmara Cascudo e vertida para o romance por Raul Bopp, dando origem à principal montagem do grupo mineiro Giramundo, comandado por Álvaro Apocalypse, outro pesquisador contumaz.
Ribeiro, ex-assistente de Vladimir Capella (“Píramo e Tisbe”), agregou outros elementos à história. O autor amplia a carga simbólica da mitologia indígena (Boto, Iara e Co bra Grande) criando elementos que têm o impacto das tragédias gregas.
Em “Honorato”, Joana Candiru (Selma Luchesi) é amante de Jaguarari (Eldo Mendes), um relacionamento que equivale à lenda amazônica do Boto, o homem misterioso que surge do nada, na calada da noite, e atrai as moças com seu olhar sedutor. Eles têm dois filhos, Honorato (Sandro Alvares) e Maria Caninana (Verônica Menezes). Como Jaguarari pertence a outra instância, coube a Joana Candiru dar conta da criação de sua prole.
São informações que chegam ao espectador num pêndulo sutil de flash backs. No presente, Honorato é um jovem encruzado com a maldição da Cobra Grande, o que lhe impede de viver como um ser humano comum. Na ânsia de libertar-se do estigma, ele conhece seu pai, Jaguarari, que lhe revela a fórmula para afastar a Cobra Grande.
Se Honorato enxerga no pai redivivo a chance de uma guinada, sua irmã tem uma posição o-posta. E ela, Maria Caninana, a propulsora de toda a tragédia.
Primeiro, esfaqueia a mãe. Depois, mata o, pai. Ao cabo de tanto sangue, é assassinada pelo irmão. Toda essa violência é deflagrada sem se apelar à visceralidade. Caminha-se pelo fio da fábula, do fantástico, sempre com precisão visual e interpretativa.
Como encenador, Ribeiro é econômico na medida em que a simplicidade torna-se um tesouro. Seus atores, jovens em maioria, são bem preparados. Entregam-se por inteiro a personagens difíceis, porque entranhados de uma cultura autóctone, distante das grandes cidades.
Selma Luchesi faz uma interpretação apaixonada de Joana Candiru. Aos 30 anos de carreira, a atriz domina as nuanças da mãe com parcimônia. Cristaliza a dor com controle absoluto, sem exagero.
Eldo Mendes também se destaca como Jaguarari, personagem calcado na imagem indígena. Nota-se a riqueza dos detalhes, da postura de um ser que brota da natureza e desconhece condicionamentos. Mendes, como Selma, como Ribeiro e como toda a equipe de “Honorato”, rezam a cartilha do instinto que a tudo move e a tudo pode – tal qual os personagens da históna.
É um espetáculo que emociona pelo brilho ingênuo e sincero, pela energia de atores como Renata Quintela (Joana jovem) e Daniel Alvim (Soldado de Cametá). Sem contar a encarnação primitiva do Pajé de Hizidio Carrigo.
Sandro Alvares, no papel-título, não chega a arrebatar, visivelmente pela pouca experiência de palco, jovem que é. Seu Honorato pode não envolver na medida dos demais personagens, mas demonstra fôlego, sobretudo nas passagens mais dramáticas.
Rogério Moura, autor da música original do espetáculo, também entra em cena como João, mas serve melhor ao músico do que ao ator.
(Inclusive, é um elenco que também canta letras de Geraldo Azevedo e Chiquinha Gonzaga, entre outros.)
Aliados aos intérpretes, estão Telumi Helen (figurinos) e J. C. Serroni (consultor visual) emoldurando uma atmosfera perfeita para uma peça que destrói completamente as noções de tempo e espaço. E sem a caricatura da floresta (o cenário desmaterializa-se e fica por conta da imaginação do espectador). Mais a iluminação de Giggio Deliberato, e a suspensão está completa.
“Honorato” dá visibilidade ao trabalho de Paulo Ribeiro, tim diretor que coloca o teatro em uma escala maior, recolhendo-se muito aquém do tom personalista cooptado por boa parte dos colegas. Afinal, quando um jovem diretor pesquisa durante oito anos para montar uma peça – descontados problemas estruturais -, é porque possui timing suficiente para penetrar o indevassável território do palco.
Honorato – Texto e direção: Paulo Ribeiro. Assistente de direção: Paulo Capovilla. Assistente de iluminação: Vanderlei Conte. Quinta a sábado, 21h; domingo, 19h. Teatro Brasileiro de Comédia (rua Major Diogo, 315, Bela Vista, tel. 3104-5523). R$ 10,00. Até 20 de dezembro.
‘Química’ de atrizes sustenta montagem
São Paulo – Não é a mesma coisa. Um, dois anos atrás, Rosi Campos dividia a cena com Zezeh Barbosa em “As Sereias da Zona Sul”. Era uma dobradinha afiada. Agora, a atriz volta ao cartaz com nova parceira, Cláudia Borioni. E a química se renova para melhor.
Na montagem anterior, a peça de Vicente Pereira e Miguel Falabella, também agora sob direção do último, promovia um encontro de duas atrizes de estilos se não parecidos, no mínimo próximos.
Era um embate que as nivelava e, de certa maneira, as continha em cena – uma em função de não ofuscar a outra, tamanho o poder de cena, e vice versa.
Com Cláudia, a mudança é significativa. Sua verve é mais sutil, de gestos pequenos, de olhares capciosos. Esse desequilíbrio sustenta o espetáculo, aqui numa versão visualmente mais “pobre”, comparada à anterior (no Teatro Hilton), ocupando aqui um teatro de poucos recursos, o Cacilda Becker, no bairro da Lapa, zona oeste paulista.
Até essa pressuposta pobreza é alçada ao mote de piada para “madames” Rosi e Cláudia deitarem e rolarem, a la Hebe e Ana Maria Braga. A química é perfeita. Nos quadros, num total de quatro, as diferenças físicas (uma é alta, outra baixa), bem como os estilos de interpretação, constituem combustão para deslanchar o humor.
“O Gabinete da Dra. Hully Gully”, o segundo quadro, cristaliza as “especialidades” de cada uma. Rosi, na pele da médica-monstro. Cláudia, como a pobre velhinha que tem dores no rim e vê seu órgão sendo cotado para venda.
São momentos hilários, onde a médica usa de todas as artimanhas – incluindo um gorila – para tentar convencer a velhinha da “venda”. Mas esta não se faz de rogada e quer saber tim-tim-por-tim-tim, num confronto surrealista.
À comédia ligeira de Pereira e Falabella, ainda que pesem seus escorregões racistas, sexistas – depois instituídos de vez no programa dominical “Sai de Baixo” -, Rossi e Cláudia acrescentam seus estilos marcantes. Soltas, à vontade, despachadas, elas convertem “As Sereias da Zona Sul” em entretenimento de alta voltagem cômica.
As Sereias da Zona Sul – De Vicente Pereira e Miguel Falabella. Com Rosi Campos e Cláudia Borioni. Elenco de apoio: Isabela Chiapetta e Carlos Pereira. Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h. Teatro Cacilda Becker (rua Tito, 295, Lapa, tel. 864-4512). R$ 10,00. Duração: 80 minutos.
11.10.1998 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 11 de outubro de 1998. Caderno A – 4
Antunes Filho celebra humildade e sensibiliza em mais um exercício de palco com o CPT
VALMIR SANTOS
São Paulo – A espectadora questiona o elenco após a apresentação: “Qual foi meu papel nesta noite?” O que vim fazer aqui?”. A pergunta, perturbadora, sintetiza a experiência de “Prét-à-Porter 2”, mais uma empreitada de Antunes Filho à frente do seu Centro de Pesquisa Teatral (CPT/Sesc).
Como na versão primeira, que veio a público em março passado, não se trata de espetáculo, mas de “trabalho”, de “apresentação”. Tampouco corresponde a moldes como “happening”, “performance” ou “work in progress”. A melhor forma de compreender o novo Antunes Filho é, tal como ele, desarmar-se das verdades estabelecidas; é arriscar-se em busca da simplicidade, o que é extremamente complexo em se tratando da natureza humana.
Foram deixados de lado os “truques”, “macetes”, tudo a favor da essência da interpretação, da dramaturgia, da concepção estética, enfim.
Em sua franqueza e despojamento, “Prét-à-Porter 2” desconstrói para reerguer a poesia cênica desbotada no balaio pós-pós.
Sob o primado absoluto do ator, a quem delega o poder da criação em instância maior – e advogando para si a capa de coordenador, não mais diretor -, Antunes vive um hiato dos mais produtivos.
Ele está nu, cercado por jovens em seus primeiros passos no teatro e com toda a energia redobrada para erguer e destruir coisas belas. É sob essa condição transitória que se deve ir ao Sesc Consolação. O encenador escolheu um caminho radical e horizontal que vai de encontro ao público pela via do avesso.
É como se estivéssemos detrás da coxia, contemplando as tentativas, os erros, os acertos. Tal procedimento não constitui propriamente novidade no teatro, mas surpreende por causa do quilate de um Antunes. Aqui, a ruptura é total.
Antes de cada cena – sempre interpretadas por duplas -, os atores fazem a chamada “gênese” do personagem, espécie de resumo biográfico que situa o espectador na ação que virá a seguir.
A eliminação simbólica do vão entre palco e platéia, por conta da proximidade da semi-arena montada no hall do Sesc Consolação, transcende ao espaço e é refletida na atuação, no texto, na cena como um todo. Daí o impacto do público diante da experimentanção, do não-espetáculo que instiga tanto quanto.
“Prét-à-Porter” sustenta-se sobretudo pelo modo como sua dramaturgia é levada à cena. Fica claro que a construção do texto e o trabalho de voz (ainda incipiente, mas há anos-luz da realidade dos intérpretes brasileiros) ganharam status de bola da vez no CPT.
São histórias curtas, não necessariamente interligadas. Desesperados, angustiados, presos no porão da consciência, perambulando alhures, seus personagens se (des)equilibram no limite da existência.
Há o tempo interior, o silêncio, a palavra introjetada e depois reverberada com peso beckttiano. Como no excerto de um diálogo em “Horas de Castigo”.
ELE – Onde é que a gente está quando não está dentro da nossa cabeça?
ELA – Fora da cabeça…
ELE – Não, a gente não está.
ELA – É.
O diacho é que, amiúde distanciamento, naturalismo, enfim, há momentos em que a emoção nos captura a lembrar que, na essência humana como ela é, ou no teatro sem filtro, nada subverte a condição de seres vivos no contato olho a olho, corpo a corpo.
Lianna Matheus, Sílvia Lourenço, Emerson Danesi, Luiz Pãetow e Sabrina Greeve exercitam seus textos com segurança. São atores, são autores, são personagens, são discípulos-teen do “mestre” Antunes e, no entanto, não esmorecem diante de tanta responsabilidade. Ao contrário, levam a caravana com coragem.
Incomoda, porém, um certo ar etéreo nas interpretações, uma frieza atribuída ao tratamento naturalista que está em xeque. (Mas lembre-se: não estamos diante de um espetáculo).
E ainda que a razão nos guie pelo “contrário” do projeto – o público é instado, desde o início, a cumprir seu papel de coadjuvante, inclusive retirando-se da sala a cada intervalo -, ainda assim, não há como se esquivar do envolvimento.
Somos cúmplices incondicionais dessa cruzada anti-naturalismo que faz justamente uso do seu duplo. É a contramão do entretenimento comezinho, da expiação midiática que bloqueia os sentidos e dessensibiliza a todos.
Antunes Filho está decantando os jovens atores perante os olhos de um espectador acuado pela desaceleração cometida em cerca de três horas. Com voz para opinar/desabafar ao final, o público é assim demovido da violenta passividade desse final de milênio. E aí, é amar ou odiar – jamais a indiferença.
São privilegiados aqueles que perscrutam o exercício de palco “Prét-à-Porter 2” e sentem seu pulso. É o chamado geral de quem há pouco girou em torno de si em “Gilgamesh”, mas não atingiu o eixo; pôs os bichos para fora em “Drácula”, mas não seduziu; e agora, em mais um zero a zero, celebra a humildade para encarar a tragédia grega (“Fragmentos Troianos”?) que vem por aí.
Prét-à-Porter – Criação coletiva dos atores do CPT. Coordenação: Antunes Filho. Sábado, 19h50. Sesc Consolação/Hall de Convivência (rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, tel. 234-3077, após 13h). R$ 10,00 e R$ 5,00 (comerciários e estudantes). Duração: 180 minutos. Até dezembro.
“Giramundo” homenageia Myrian Muniz
São Paulo – O colega Marcos Caruso (“Porca Miséria”) lhe atribui, apropriadamente, um “humor paulista de sotaque italiano”. De fato, é a veia da comediante que ganha relevo nos 40 anos de carreira da atriz Myrian Muniz, celbrandos agora com o lançamento de uma espécie de “biografia associada”.
Organizado por Maria Thereza Vargas, o livro “Giramundo – Myrian Muniz, o Percurso de Uma Atriz” percorre os seus melhores momentos no palco, na TV, no cinema e na sala de aula, sob a ótica dos amigos que somou ao longo do caminho. Claro, também foi recolhido um rico depoimento da própria.
Apesar da relutar inicialmente à homenagem, recolhendo-se à sombra das aulas do curso que ministra na Capital, Myrian, 66 anos, acabou cedendo ao projeto de Maria Thereza (também autora da biografia de Cacilda Becker, em parceria com Nanci Fernandes, e no momento preparando uma retrospectiva dos últimos 20 anos do Oficina, hoje Uzyna Uzona, de Zé Celso.
“Giramundo” reúne artigos de diretores, atores e ex-alunos de Myrian Muniz. A arte de ensinar interpretação continua rendendo bons momentos para a atriz. Ela já deu aulas na Escola de Artes Dramáticas (EAD), onde também formou-se sob a batuta do lendário Alfredo Mesquita; foi uma das fundadoras da Escola Macunaíma; e há 15 anos inspira atores nas salas da Funarte, no Santa Cecília.
Passaram pelas suas mãos, por exemplo, Paulo Betti, Eliane Giardini e Cristina Pereira. Os três têm seus depoimentos registrados no livro. Também estão lá os diretores Gianni Ratto, Gianfrancesco Guarnieri, Fauzi Arap, Marcos Caruso, Augusto Boal, Carlos Alberto Soffredini, mais a cineasta Ana Carolina, que, por assim dizer, “monopolizou” o talento de Myrian na tela grande (“Mar de Rosas”, “Das Tripas Coração”, sendo que o próximo, “Páscoa em Março”, estréia ano que vem).
Na TV, o colega Juca de Oliveira lembra sua presença no seriado “Nino, o Italianinho” (1969), onde Myrian roubava a cena na pele de Dona Benta.
Da Bruxa Caolha de “A Bruxinha que Era Boa” (1962), de Maria Clara Machado, até a Michelina de “Porca Miséria” (1993), é no teatro que Myrian fez as pazes com a vida. É a paixão maior, que aprendeu a cultivar nas suas passagens pelo Oficina, TBC e Arena – e continua disseminando no coração dos jovens aspirantes do palco, a despeito de todas as dificuldades de ontem e de hoje.
A organizadora Maria Thereza Vargas escalou um time coeso, dando um tratamento confessional e ao mesmo tempo longe da reverência óbvia.
Com uma diagramação arejada, corroborada por um excelente álbum fotográfico (são 52 imagens), que pontua os artigos do início ao fim, “Giramundo” testemunha o que Myrian Muniz faz e continua fazendo pelo teatro brasileiro. Felizmente, sublima mais a vida que está aí, em curso, do que a efeméride, regra editorial (quiçá, cultural) no País.
Giramundo – Myrian Muniz, O Percurso de Uma Atriz – Organização de Maria Thereza Vargas. Lançamento da Editora Hucitec (tel. 240-9318 ou 543-0653). 198 páginas. R$ 30,00.
Atriz ensina jovens há 25 anos
São Paulo – O curso de interpretação teatral com a atriz Myrian Muniz já tem uma tradição de 25 anos. Depois de passar pela EAD, Sesc, Macunaíma, ela agora dá aulas na Funarte.
Além de dotar os alunos com as ferramentas básicas do teatro, o curso trabalha passo a passo a montagem de um espetáculo através de improvisações, jogos dramáticos, pesquisas de textos, palestras sobre temas específicos, leituras de mesa, desenhos, figurinos, cenários, iluminação etc.
Curso de Interpretação Teatral Myrian Muniz – Segundas e terças, das 20h às 23h. Funarte (Alameda Nothman, 1.058, tel. 3662-5177). Matrícula. R$ 50,00; mensalidade, R$ 150,00.
13.9.1998 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Domingo, 13 de setembro de 1998. Caderno A – 4
Montagem de Beth Lopes, com Regina Braga, traduz força e lirismo do drama de Tennessee
VALMIR SANTOS
São Paulo – Há Tennessee Williams (1911-83) para todos os gostos. Pode-se encarar seus textos a partir da bruma indelével da superfície. Pode-se mergulhar mais fundo e deparar com seres atordoados pela existência. E neste patamar, ora rastejando, ora reunindo força para dobrar o destino, que se vai enxergar nos olhos e tocar na alma dos seus personagens.
Em cartaz no Teatro Faap, a história de “À Margem da Vida” (44) se passa no plano baixo, o subsolo, espaço imaginário compreendido entre o asfalto e o teto de uma ponte. Para vir à público, no palco, a família Wingfield precisa descer as escadas de um cenário cinza e impessoal, como as paredes de concreto dos túneis do metrô.
Frieza e distanciamento visual conferem com o enredo. Estamos diante de um núcleo humano em dissolução. Amanda (ReginaBraga), a célula-mater, tenta a todo custo sustentar as aparências se agarrando aos fiapos do cotidiano comezinho.
Laura (Luah Guimarãez), a filha envolta em “bolha” de timidez gestada pela perna ligeiramente maior que a outra, prefere se abster de tanta hipocrisia e cria seu mundo paralelo, habitado pelos bichinhos de vidro que coleciona desde criança. E um esforço inglório, pois a freudiana castração materna, aqui, é elevada à potência de morte, simbólica e gradativa.
Recai sobre Tom (Gabriel Nunes Braga), o varão dos Wingfield, a atitude dissonante. Não se trata de escape machista do autor. Ao contrário, o corte umbilical do filho é questão de sobrevivência. Romper com o determinismo do lar constitui etapa das mais dificeis para jovens inquietos diante das possibilidades da vida descortinada pelo tempo.
Tom foi submisso até o limite em que já não pertencia a si, mas à mãe e, por extensão, à irmã. Como o pai, que abandonou o barco no passado – mas é um personagem que flutua nas entrelinhas do texto com peso determinante -, ele também deixa o “bunker”.
“O homem é por instinto guerreiro, vai à guerra”, afirma Tom na vã ilusão de convencer Amanda do comichão poético que lhe invade e impede de ver o cor-de-rosa da realidade pintada pela mãe.
Tennessee Williams escreveu um drama que explicita o processo de crescimento pela via da dor. Em verdade, as opções de Laura e Tom são iguais. As escolhas, porque inerentes ao âmago de cada um, elas sim são diferentes.
Toda essa pungência de “À Margem da Vida” desponta com equilíbrio na montagem dirigida por Beth Lopes. Equilíbrio não propriamente de espírito, mas de estado. Há um domínio preciso da diretora na reorganização do espaço e da atuação que traduz a essência do dramaturgo norte-americano, sem verter tanta densidade para melodrama ou empolação – um risco eminente.
Lopes conta com uma equipe dos sonhos de qualquer diretor. Daniela Thomas fez a direção de arte, com cenário de Felipe Tassara, iluminaação de Wagner Pinto e música composta por Marcelo Pellegrini. Luz e trilha, em particular, harmonizam a delicadeza interior dos personagens com a tempestade por que passam – cuja melhor metáfora é a britadeira cortando o concreto…
Na base da interpretação, o elenco passou pelas mãos de Renata Meio (“Domésticas”). Ao que parece, a coreógrafa trabalhou mais no sentido de contenção do que propriamente expansão, como requer um Tennessee Williams, contrastando com a fisicalidade recorrente dos espetáculos anteriores de Beth Lopes.
Luah Guimarãez é quem despende maior esforço para levar sua Laura adiante. Há um tênue fio a separá-la da loucura, mas a consciência não lhe escapa por completo (“O que vamos fazer do resto de nossas vidas”, pergunta) – o que também tem lá o seu custo.
Regina Braga consegue extrair humor do histerismo da Amanda. Como recomenda o autor, a mãe não deve ser interpretada sob o signo fácil do exagero, do estereótipo. A atriz não só segue à risca, como amplia as possibilidades da personagem, conferindo-lhe uma estatura mais demasiadamente humana na insegurança e na insensatez.
A revelação fica por conta de Gabriel Nunes Braga, filho de Regina. Seu Tom transita entre ação e narração com naturalidade. É encantador acompanhar o personagem no desprendimento da família, na disposição em sair para a vida – ou “para o cinema”, como insiste no álibi de boêmio e poeta que é. Enfim, uma interpretação segura.
O ator André Boll surge sem comprometimento na segunda metade da peça no papel de Jim, Amigo de serviço de Tom, que a mãe tenta empurrar para Laura sem sucesso.
Com esse Teneessee Williams, Beth Lopes dá por encerrada, definitivamente, a fase “O Cobrador” com a qual ficou estigmatizada nos últimos anos, à frente da Cia. de Teatro em Quadrinhos – sem desmerecer aquela montagem marcante no início da década, mas o teatro, como a vida, é ciclo. “À Margem da Vida”, superproduzida esteticamente simples, coroa a maturidade e o talento de uma grande diretora parcimoniosa na arte de tocar o público.
À Margem da Vida – De Teneessee Williams. Tradução: Marta Góes. Figurino: Verônica Julian e Flávia Ribeiro. Programação visual: Gringo Cardia. Quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Teatro Faap (rua Alagoas, 903, Higienópolis, tel. 3662-1992). R$ 25 e R$ 30,00.
“Doce Lembrança” reinventa saudade
São Paulo – A delicadeza que Beth Lopes perscruta em “À Margem da Vida” surge em estado bruto em “Doce Lembrança”, a montagem que dirigiu com seus alunos de interpretação na EAD/USP. A peça permaneceu dois meses em cartaz, até final de agosto, e tem perspectiva de reestrear em breve.
Adaptação da obra fundamental de Ecléa Bosi – “Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos” -, o espetáculo expõe uma diretora que já se sabia aliada à exigência física dos atores, mas não se vislumbrava, até aqui, uma diluição mais vertical de tempo e espaço, liberando-os, ao menos de vez em quando, da ação em si.
De cunho experimental, o trabalho resultou extremamente rico em signos, a começar pela ocupação inventiva do porão do Centro Cultural São Paulo. O público era recebido com bolos e pãezinhos, acompanhados de chá e café, bem ao estilo dos nossos avós.
Conquistado pela boca – a gastronomia como poderosa aliada da memória -, sentamos na platéia semi-arena para acompanhar a aventura de seis personagens pelo túnel do tempo de suas vidas.
E tudo começa pelo extremo, lá na outra ponta, na infância. “Pirulito que bate bate/ Pirulito que já bateu…”, entoam. A memória, essa instância sublime que conjuga tristeza e alegria, é recomposta aos poucos, em insights mútuos.
Da mesma forma, e paralelamente, vai-se dando a reconstrução – ou “reinvenção” – dos móveis e adereços. Aos poucos, eles ganham forma em cena.
Um amálgama de corpos arqueados, cacarejos e cacoetes; mais panos, rendas, flores, fotos, cartas, documentos, sapatos, enfim, desenham um esforço tremendo diante do sentimento da saudade, tão peculiar à alma brasileira.
As principais passagens políticas do País, como o auge da Era Vargas, são pincelados aqui e ali. Num Brasil que não leva a sério os dois extremos da vida, o velho e a criança, o entrelaçamento do privado e do público é alentador.
Quando se fala em terceira idade, esse “palavrão”, remete-se logo aos eternos problemas da Previdência Social. “Doce Lembrança” não passa ao largo disso, mas valoriza mais o indivíduo -ou a amizade e sua celebração em grupo.
A via aqui é a da felicidade possível e, porém, esmaecida num passado não muito distante e pouco distinto dos nossos aucestrais. A cena final, em que cada personagem retorna ao caixote que lhe cabe nesta reta final da vida, é memorável.
Trata-se, sobretudo, do resultado de um elenco esforçado, disposto a empreender a gana da sua juventude, sem sobressaltos, em projeto tão comovente.
Doce Lembrança – Direção: Beth Lopes. Com Ana Gallotti, Eduardo de Paula, Fabiana Barbosa, Guadalupe Vivanco, Mara Leal e Vera Canolli. Cenografia: André Moia. Figurinos: Luciana Pareja. Iluminação: João Donda.
Eterno retorno de “Noturno”
São Paulo – Não é dificil explicar o “eterno retorno” de “Noturno”. O musical de Oswaldo Montenegro, de volta ao cartaz, tem ingredientes na medida para seu público alvo: jovens munidos de adrenalina para se aventurar por aí, atrás de utopias d’antes não conquistadas – algo como a dupla paz-amor ou o triô liberdade-igualdade-fraternidade.
Aquele espírito libertador e datado de “Hair”, nos anos 60, pouco legou à geração dos 90. Embaçados pelas perspectivas esotéricas – um tal ex-parceiro de Raul Seixas só corrobora o caldo retrô -, os “teens”, como querem, divagam na poesia do “chato” Oswaldo Montenegro.
“Chato” porque assim auto-denominou-se em uma das suas canções. Mas é assim, sincero em seu canto – como o sabem milhares de fãs bem crescidinhos – que Oswaldo Montenegro chega junto da moçada sem medo de pisar na bola.
O musical, em seis anos de estrada, um CD, junta um bando de 60 atores, jovens em sua maioria oriundos da Oficina dos Menestréis, curso ministrado por Deto Montenegro e Candé Brandão, sempre no temporão Teatro Dias Gomes, onde a montagem segue em cartaz nas segundas e terças, alternativas e de casa invariavelmente cheia.
A trilha vai de Prince a Peter Gabriel. Destaque para as belas vozes de Tânia Maya e Débora Reis.
“Noturno” utiliza todo o espaço do teatro (em uma perspectiva de 360 graus), conjugando coreografias em massa e jogos de sombra de luz. A platéia é literalmente envolvida pela ação dos atores, ora no palco, ora dependurados em cordas, ora ziguezagueando pelos corredores. Maiores detalhes sobre a empatia dos estudantes para com um espetáculo que prega a utopia como condição sine qua non, só conferindo. Poesia pouca é bobagem.
Noturno – Direção: Oswaldo Montenegro. Com Estela Cassilatti, Tânia Maya, Débora Reis, Gordo Marques, Marcelo Palma, Marco de Vita e outros. Segunda e terça, 21h. Teatro Dias Gomes (rua Domingos de Moraes, 348, metrô Ana Rosa, tel. 571-6177). R$ 15,00.