5.12.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quarta-feira, 05 de dezembro de 2007
TEATRO
Quebra de imagem de santa por um rapaz, em 1978, inspira peça de Carlos Alberto Soffredini montada pela filha Renata
“Minha Nossa” estréia hoje no Espaço dos Satyros 2 e mantém características do teatro popular e do circo-teatro de Soffredini
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Em maio de 1978, na Basílica Nacional de Aparecida (SP), um homem de 19 anos, integrante de uma romaria, ergueu as mãos para o altar e, num impulso, esmurrou a redoma de vidro e agarrou a imagem da santa. As luzes teriam se apagado e, no fuzuê, a imagem católica da padroeira do Brasil foi ao chão em mais de 160 pedaços.
Quase linchado pelos romeiros, Rogério de Oliveira foi preso por tentativa de roubo e, em seguida, internado em hospital psiquiátrico. Na Folha de 19 de maio de 1978, um padre declarou que o rapaz fora “possuído de uma psicose religiosa”.
O dramaturgo Carlos Alberto Soffredini (1939-2001) recriou esse episódio em “Minha Nossa”, peça escrita para o extinto grupo Mambembe (estreou em 1984) e definida como “reportagem para sete atores, em cinco partes”. Agora, o drama popular é montado por sua filha, Renata Soffredini, em temporada a partir de hoje no Espaço dos Satyros 2.
“É o texto dele mais documental, com depoimentos colhidos em campo e trechos do que revistas e jornais publicaram à época”, diz Renata, 45, que segue as estéticas do teatro popular e do circo-teatro que balizaram o autor de “Na Carreira do Divino”.
Para a diretora, ao reconstituir dramaturgicamente o “atentado” à imagem de Nossa Senhora Aparecida, o autor compõe simbolicamente “quase a origem do povo brasileiro, da família, dos costumes e dos desgovernos desde a colonização portuguesa”.
O cenário é reduzido a um telão ao fundo, pintado. A igreja, políticos, polícia, pais, enfim, todos se perguntam o porquê do ato do rapaz, que no início se chama Ramar (“da mesma forma que crescem as ramas das árvores”) e, no final, vira Rumar (“que se vai embora”).
3.12.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 03 de dezembro de 2007
TEATRO
Livros narram as trajetórias do escritor e empreendedor cultural Alfredo Mesquita e da atriz Dulcina de Moraes
Biografia do criador da Escola de Arte Dramática em SP e coletânea de histórias da atriz expõem formas de “amor ao teatro”
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Os centenários de nascimento do escritor e empreendedor cultural Alfredo Mesquita, neste ano, e da atriz Dulcina de Moraes, em 2008, trazem suas memórias à tona. Eles foram contemporâneos no “amor ao teatro”, que os conduziu a ações objetivas, mas suas trajetórias não se tocaram.
Mesquita (1907-85) é mais conhecido pela criação da Escola de Arte Dramática em São Paulo. Dulcina (1908-96) legou a Fundação Brasileira de Teatro, em Brasília. Eles convergiram no ideal de formação e reconhecimento profissional de atores nos anos 1940, quando a cultura do teatro firmava seus primeiros passos em busca de teorias e práticas mais modernas.
É o que mostram os livros “Alfredo Mesquita – Um Grã-Fino na Contramão”, da jornalista e dramaturga Marta Góes, primeira biografia sobre o escritor, e “Dulcina de Moraes -Memórias de um Teatro Brasileiro”, da atriz e pesquisadora Michelle Bastos.
Inaugurada em 1948, a EAD passou 20 anos sob o comando de Mesquita. Em 1968, a crise financeira levou a escola a ser incorporada pela USP, instituição que catalisa o trabalho de Góes. Mas a autora contextualiza o percurso intelectual que ajuda a entender como a vocação para educador ganhou consistência.
O filho do dono do jornal “O Estado de S.Paulo” protagonizou feitos como a abertura de uma livraria em sociedade, a Jaraguá, no centro paulistano (1940-54), freqüentada por Oswald e Mário de Andrade, além de jovens como Hilda Hilst. Coube a Mesquita lançar a “Clima” (1941-44), “uma revista de gente nova e desconhecida”, como a publicação se auto-declarava. Gente como Décio de Almeida Prado (teatro), Paulo Emílio Salles Gomes (cinema), Antonio Candido (literatura), Lourival Gomes Machado (artes plásticas), Antonio Lefèvre (música) e outros.
Em 1944, Mesquita criou o Grupo de Teatro Experimental (GTE), integrado por artistas amadores. Escreveu e dirigiu peças que atraíram o industrial Franco Zampari para aquela arte, inspirando-o a inaugurar o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) em 1948, na Bela Vista.
Em abril daquele ano, a EAD começou a funcionar no porão do externato Elvira Brandão, nos Jardins. A cidade contava apenas três teatros: o Municipal, o Boa Vista (atual Sérgio Cardoso) e o extinto Santana. No semestre seguinte, a EAD ocupou o 2º andar do TBC a convite de Zampari. A sede mudou depois para um casarão em Higienópolis (1952-60) e o prédio da atual Pinacoteca do Estado, antes de ir de vez para a Cidade Universitária, em 1970.
“Alfredo acreditava que os fundamentos da formação do ator eram cultura, disciplina e ética”, escreve Góes. Entre os mestres, estavam Cacilda Becker, o crítico alemão Anatol Rosenfeld, o filósofo tcheco Vilém Flusser e o cenógrafo italiano Gianni Ratto, além da então secretária e bibliotecária da escola, Maria Thereza Vargas.
A EAD formou turmas de 1950 a 2007. São centenas de artistas, da geração de Myriam Muniz à de Marat Descartes. A autora não pisa o terreno afetivo de Mesquita, reservado no trato pessoal. “A intimidade o assustava mais do que o desrespeito ou a agressão.”
30.11.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sexta-feira, 30 de novembro de 2007
TEATRO
Ator quer endereçar carta de “amor e repúdio” ao país na última parte da série que traz a SP
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Meia hora ao telefone com Michel Melamed, 30, dá a medida da urgência que imprime à verborragia. Ele fala sem parar do “desejo absoluto e perpétuo de fazer arte sem concessão”, de espalhar “verdades plurais” no livro ou no palco, de “produzir pensamento”, de “desestabilizar o olhar” do espectador e, mais recentemente, desestabilizar até “o ouvir” do público.
“Homemúsica”, novo trabalho do poeta e ator, estreou no Rio em setembro. É a última parte da “Trilogia Brasileira” que ganhou pernas próprias com “Regurgitofagia” (2004), performance na qual ele recebe descargas elétricas -no que vê como libelo ao engajamento voluntário do público-, e “Dinheiro Grátis” (2006), em que promove a circulação literal, em espécie, na platéia.
São Paulo vê a trilogia de hoje a domingo, no Sesc Santana, dentro da Mostra Sesc de Artes -inédita na cidade, “Homemúsica” fica mais uma semana. “Como apresentar um personagem que a cada movimento do corpo gera o som de um instrumento?”, questiona Melamed, criador e intérprete do jovem Helicóptero. A trajetória desse sujeito, seus impasses e superações, compõem uma carta de amor e repúdio ao Brasil, conforme roteiro e encenação assinados pelo artista.
“A música surge como símbolo da criatividade, da multiplicidade das potências que nos fazem enfrentar as maratonas do dia-a-dia. E, por outro lado, fala de um Brasil onde não há cidadania e das impressionantes matizes dessa sociedade.”
O protagonista também busca a fama. Sua trajetória inclui passagem por um programa de auditório, o “Show do Estupra”, migrado de “Regurgitofagia”. A proposta é de obra aberta, como nos trabalhos anteriores, em nome de um espectador ativo na “produção de sua subjetividade, de sua verdade”.
Guitarra em punho, dessa vez o show-de-um-homem-só é acompanhado por uma banda, “não no sentido musical canônico”, tenta explicar. São incorporados recursos tecnológicos. “Um dos postulados da trilogia é trabalhar com diversas linguagens, o teatro, a performance, a stand up comedy, a poesia falada”, diz.
“Eu quero me entender como poeta. É meu desafio”, diz Melamed, também apresentador do “Re[corte] Cultural”, da TVE. Diferentemente de “Regurgitofagia”, que deriva de livro homônimo, “Homemúsica” gera um romance a ser publicado em breve, além de um CD com as canções do espetáculo.
26.11.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, segunda-feira, 26 de novembro de 2007
TEATRO
Evento gratuito realizado pela Folha e pelo teatro Augusta discute produção atual nos dois países
Debate “Da Encenação à Realidade” reúne hoje, em São Paulo, curador artístico italiano Michele Panella e três especialistas brasileiros
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
A dramaturgia contemporânea da Itália, um país de autores clássicos como Carlo Goldoni e Luigi Pirandello, finalmente deu um salto no final dos anos 90. Até então, era difícil identificar consistência no experimento de novos caminhos para a escrita teatral.
A avaliação é de Michele Panella, 35, curador artístico do teatro Della Limonaia (Florença), que participa hoje em São Paulo da mesa-redonda “Da Encenação à Realidade – Intercâmbio Cultural Brasil-Itália”, no teatro Augusta.
“Pode-se falar de um renascimento da dramaturgia italiana a partir da década passada, sobretudo em conseqüência da União Européia, que fortaleceu os intercâmbios”, diz Panella.
Ele traçará um panorama da cena atual de seu país em encontro com a pesquisadora Neyde Veneziano (Unicamp), especializada em teatro italiano; a diretora Débora Dubois, que participou de projeto no Della Limonaia há cerca de três anos; e o crítico daFolha Sérgio Salvia Coelho, que situará a produção brasileira recente. A mediação será feita pela atriz Inês Aranha.
O evento gratuito marca os cinco anos da Associação Cultural Augusta. Panella vem ao Brasil por meio da parceria do teatro Augusta com a Folha.
Ele destaca três autores da nova safra: Letizia Russo (1980), Fausto Paravidino (1976) e Spiro Scimone (1964). “Essa geração pratica um realismo muito particular. É um tipo de estrutura de texto que surge da fala cotidiana”, diz.
Desde o final dos anos 80, o Della Limonaia realiza o festival Intercity, uma ponte com autores de outros países. Em 2004, o Brasil marcou presença com a encenação de textos do cearense Marcos Barbosa e do paulista Aimar Labaki. “Em geral, esses brasileiros alcançam linguagem universal a partir de realidades locais e histórias de intimismo”, afirma. A abertura e o final do encontro terão apresentação musical de Andréa Kaiser e Rosana Civile, ao piano.
22.11.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2007
TEATRO
Bruce Gomlevsky estudou gestual e maneiras de falar e cantar do músico
Peça, que entra em cartaz no CCBB após 200 apresentações no país, mostra ator em “show” no qual narra passagens da vida do cantor
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Pessoalmente, Bruce Gomlevsky diz que não tem nada a ver com Renato Russo, mas há dois anos ele traz de volta, num palco de teatro, o cantor e compositor da banda Legião Urbana, com seus gestos, voz, barba, bigode, óculos e camisas de mangas largas.
“Dizem que eu “incorporo”, mas não gosto da palavra, apesar de ser um elogio”, diz o ator. O carioca Gomlevsky faz 33 anos hoje, na estréia para convidados, em São Paulo, do solo musical “Renato Russo”, no teatro do Centro Cultural Banco do Brasil, onde fica em cartaz até fevereiro do ano que vem, descontado recesso de final de ano. A peça estreou no Rio em outubro de 2006, nos dez anos da morte de Russo. Percorreu vários Estados e ruma a 200 apresentações. Foi vista por mais de 60 mil pessoas. Em São Carlos (SP), a sessão ao ar livre reuniu cerca de 6.000, o recorde.
O molde é o mesmo de um show, em que o personagem narra passagens da vida e da carreira, na maioria das vezes à frente de uma banda -que, na ficção, é a embrionária Aborto Elétrico ou a Legião Urbana, mas, na realidade, é a Arte Profana -que acompanha o Russo de Gomlevsky em 22 canções.
Na peça, seu interlocutor de fato é o público, mas há também os invisíveis, como amigos, familiares e jornalistas, como quer a dramaturgia de Daniela Pereira de Carvalho, em colaboração com o ator e o diretor Mauro Mendonça Filho. “Por onde a gente passa, de Norte a Sul, as pessoas cantam todas as músicas. Nunca tinha feito uma peça que emocionasse tanto”, diz o protagonista.
Ele destaca ainda a adesão de adolescentes que descobrem a Legião agora.
Gestos e canto
Gomlevsky diz ter estudado “internamente” a aproximação física nos gestos e maneiras de falar e cantar do vocalista.
“Sempre quis trazer a alma do Renato para a cena”, diz Gomlevsky, que rejeita a pecha de “cover”. Ele idealizou o espetáculo há quatro anos, quando ganhou da mulher e co-produtora, a atriz Julia Carrera, uma biografia de Russo. Botou a voz num CD, tirou fotos caracterizado e pediu autorização à família do artista, que endossou o pré-projeto e, depois, cedeu os direitos para o espetáculo.
Mauro Mendonça Filho, 42, atribui a recepção do trabalho não apenas à técnica de Gomlevsky, há 14 anos na estrada (dirigido por Gerald Thomas, Enrique Diaz, Felipe Hirsch e outros) e que dias atrás defendia o papel-título de “Macbeth”, no Rio, ou ainda foi visto na TV Globo no especial “Por Toda a Minha Vida”, homenagem ao líder da Legião.
Para o diretor, o que o ator alcança seria fruto de sua “sensibilidade”. Daí certa “confusão espírita”, conclui ele, quando se está diante de um artista que “recria a alma, e não a imita”. É o resultado que esperam lmanter na transposição do musical para o cinema, em breve.
São Paulo, segunda-feira, 19 de novembro de 2007
TEATRO
Festival que termina nesta noite colocou dramaturgias locais em perspectiva
VALMIR SANTOS
Enviado especial a Recife
Na semana passada, o grupo Clowns de Shakespeare, de Natal, saiu de São Paulo, onde atualmente mostra o seu repertório, para se apresentar no Festival Recife do Teatro Nacional, cuja décima edição termina na noite de hoje. Leia mais
16.11.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sexta-feira, 16 de novembro de 2007
TEATRO
Samir Yazbek evoca heterônimos de Pessoa ao narrar passagem à idade adulta
Direção abusa da repetição para jogar com o tempo das cenas; peça tem cenários e figurinos com elementos cubistas e simbolistas
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O metateatro é recurso comum nas peças de Samir Yazbek, 40. A premiada “O Fingidor” (1999), por exemplo, encontrou terreno fértil ao lidar com Fernando Pessoa, o poeta dos heterônimos.
No drama “Diálogo das Sombras”, o autor paulista pretende radicalizar o que entende como contradições dos papéis que o indivíduo representa diante do outro nas relações pessoais e sociais.
A obra vem a público hoje, no Sesc Paulista, sob encenação de Maucir Campanholi.
Pai, mãe, tio, namorado e amiga, todos dão “sermões” sobre os rumos de uma jovem estudante (interpretada por Rubia Reame), em crise no rito de passagem para a vida adulta, pressionada a trabalhar e corresponder às expectativas daqueles que a cercam. Yazbek fala em “reencenação da vida” a que todos os envolvidos na história são submetidos.
Cabe ao tio (Hélio Cícero), um homem de negócios, capitanear um misterioso ritual em que as máscaras incitariam cada um a encontrar suas “pequenas verdades”, não raro em tom moralista.
“Com essa peça, talvez pela primeira vez, consegui fazer uma ponte entre o individual e o social. Tento compreender como essa jovem foi formada, que valores determinaram o seu caráter; o que fizeram dela e o que ela está fazendo consigo mesma”, diz Yazbek.
Num exercício que pretende ser polifônico, o autor rebate a crítica recorrente ao comportamento individualista na sociedade contemporânea.
O diretor Campanholi diz jogar com os tempos das cenas, pela fragmentação e pela repetição de trechos. As opções funcionam como eco dos acontecimentos ou como memória.
Recorre a projeções de imagens cubistas dos locais em que a ação transcorre, reforçando o espaço cenográfico que co-assina com Isabelle Bittencourt. São dela os figurinos com elementos realistas e simbolistas. Também atuam em “Diálogo das Sombras” Eduardo Semerjian (pai), Maristela Chelala (mãe), Duda Mattos (namorado) e Júlia Corrêa (amiga).
Com essa montagem, o trio Yazbek, Cícero e Campanholi consolida a Companhia Teatral Arnesto nos Convidou, homenagem ao universo do compositor Adoniran Barbosa.
15.11.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 2007
TEATRO
Marcado pelo sucesso de “Vau da Sarapalha”, coletivo paraibano estréia peça em SP
Montagem de conto de Guimarães Rosa marcou a dramaturgia brasileira da década passada; peça continua a ser encenada
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
O Grupo de Teatro Piollin passou metade dos 30 anos, completados em 2007, ancorado em “Vau da Sarapalha” (1992). A recriação do conto de João Guimarães Rosa, encenada por Luiz Carlos Vasconcelos, marcou a história do coletivo de João Pessoa (PB) – e a cena brasileira da década passada -ao expressar a cultura popular no sumo. Forma e conteúdo regionais e universais, mas sem exotismo.
Em seu novo espetáculo, “A Gaivota (Alguns Rascunhos)”, o Piollin tenta livrar-se do estigma do sucesso que estanca. Depois de “Sarapalha”, que viaja pelo Brasil e pelo exterior, o grupo não gerou outro espetáculo – seus atores participaram de projetos pontuais.
“Debatemos sobre esse estigma que nos incomodava. Agora encaramos com mais tranqüilidade. O público não quer se livrar do passado, mas para a gente é uma coisa superada”, diz o ator Nanego Lira, 43.
“Continuamos a fazer [“Sarapalha’] porque o espetáculo é bom e o público quer ver, e não porque não conseguimos fazer outra coisa.”
Pela primeira vez, o grupo trabalha com um diretor convidado. O carioca Haroldo Rêgo, 38, também assina a adaptação do clássico do russo Anton Tchecov (1860-1904). Segundo Rêgo, o subtítulo “alguns rascunhos” indica que se trata mais de um processo do que de tentativa de chegar a um resultado. “Nesse sentido, a idéia do esboço complementa a estrutura narrativa que criamos.”
Sua releitura preserva cerca de 30% do original, circulando em dois triângulos amorosos para corresponder ao elenco formado por quatro atores e uma atriz (além de Nanego, Ana Luisa Camino, Buda Lira, Everaldo Pontes e Paulo Soares).
“Alguns personagens de Tchecov são artistas falando sobre arte o tempo inteiro.
Trocamos nossa experiência de criação com as que o autor propõe em seu texto, lidando com a linha tênue que divide ficção e realidade”, diz Rêgo.
A montagem enfatiza a relação entre os atores e destes com o espectador. Não há propriamente uma representação, diz o diretor, que investe no sentido de presença, no olho no olho com a platéia mantida próxima da cena. Nos ensaios, quando perguntado sobre como montar um clássico com sotaque nordestino, Nanego Lira respondia com outra pergunta: “E clássico tem sotaque sudestino?”
8.11.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 08 de novembro de 2007
TEATRO
Grupo dirigido por André Garolli estréia em SP “Longa Viagem de Volta pra Casa”, terceira parte do projeto “Homens ao Mar”
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Eugene Gladstone O’Neill (1888-1953) viveu parte da adolescência no condado de New London, no Estado americano de Connecticut, onde o cais do porto e o convés dos navios eram territórios propícios à conversa -mais à escuta- das aventuras de marinheiros. Isso antes de se tornar, ele também, um dos homens ao mar na fase seminal dos esboços de dramas e tragédias que pôs no papel.
“Longa Viagem de Volta pra Casa”, que a Cia. Triptal de Teatro estréia hoje, para convidados, no Sesc Pompéia, alude à biografia do Nobel de Literatura e autor de “Longa Jornada de um Dia Noite Adentro”.
Ao contrário das duas peças anteriores da Triptal, dentro do projeto de repertório “Homens ao Mar”, dedicado a O’Neill (“Rumo a Cardiff”, de 2003, e “Zona de Guerra”, 2006), essa terceira não se passa em alto-mar, mas em terra firme. Ou nem tanto. “Os personagens não deixam de ser náufragos ou encalhados [como metáfora]. Ou seja, com O’Neill não tem saída”, diz o diretor André Garolli, 40. Quatro marujos de um navio desembarcam em Londres e vão a um bar para a despedida de um deles, álibi para encher a cara e dormir com prostitutas.
A ovelha a desgarrar é o sueco Olson, que, desta vez, promete fazer diferente. Quer ficar sóbrio para não se perder na noite e conseguir voltar para casa. Faz pelo menos dez anos que não vê a mãe e o irmão. Mas, com o destino, são outros quinhentos.
Ausente em “Cardiff” e “Zona de Guerra”, o elemento feminino surge com força e mobilizará o universo masculino dominante. Entre barris e velas, o bar é o ambiente de sedução e de exploração, quase um purgatório, na visão de Garolli.
Para o diretor, estão em xeque as identidades individual e coletiva e as ilusões que impedem o sujeito de estabelecer contato direto com a realidade. Entre os 12 atores estão Daniel Ribeiro (como Olson), Kalil Jabour, Wagner Menegare, Juliana Liegel e Beth Rizzo.
Ainda na unidade, reestréia, no próximo dia 14, “Zona de Guerra”, com sessões às quartas e quintas, às 21h30, até 6/12. A companhia fechará a tetralogia “Homens ao Mar” com “Luar Sobre o Caribe”, no ano que vem.
Zona de guerra
Onde: Sesc Pompéia – galpão
Quando: reestréia dia 14/11; qua. e qui., às 21h30; até 6/12
Quanto: R$ 4 a R$ 16
3.11.2007 | por Valmir Santos
São Paulo, sábado, 03 de novembro de 2007
TEATRO
“Argumas de Assaré” discute temas da obra do compositor, como má distribuição de renda, fome e seca
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
Patativa do Assaré perdeu o olho direito aos quatro anos, “dor d’olhos” com a qual viu o mundo até a casa dos 70, sem perder o humor pela vida. Sua obra, entrelaçamento do homem, do poeta e do cantador, é adaptada para o teatro em “Argumas de Assaré”, que estreou ontem no teatro Alfredo Mesquita e tem entrada franca neste primeiro final de semana.
O espetáculo do Teatro do Pé, de Santos, estreou há três anos e percorreu o interior paulista. Segundo o diretor, Mateus Faconti, 31, o desafio é transpor para a forma dramática a estrutura lírica da obra de Patativa do Assaré (1909-2002), o agricultor cearense Antônio Gonçalves da Silva.
O espetáculo, que inaugura o trabalho da companhia, recorre ao teatro de bonecos, inclusive o mamulengo típico da cultura popular nordestina, e à música tocada e cantada ao vivo pelos quatro intérpretes: Danilo Nunes, Iris La Cava, Juliana Bordallo e Mateus Lopes.
“O roteiro abre com um lugar mais escuro da obra dele, como em “A Morte de Nanã”, com palavras de lamento, e fecha com uma imagem do Nordeste que “zomba de sofrer”, como em “Cabra da Peste”. A gente quer retratar em cena essa dinâmica da superação do sofrimento”, diz Faconti, que co-assina o tratamento dramatúrgico com Olavo Dada O’Garon.
Para Faconti, a peça é “resultado de um painel de temas recorrentes na obra dele, como a questão da má distribuição de renda, da fome, da seca”. Uma realidade que contrasta dor e alegria. Como Patativa afirma por meio de seus versos, “Digo a verdade completa/ Pois tenho rima de saldo”.