O Diário de Mogi
6.5.1995 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Sábado, 06 de maio de 1995. Caderno A – capa
Herói picaresco de Antonio Nóbrega prossegue busca com carroça em “Segundas Histórias”, seqüência de “Brincante”
VALMIR SANTOS
Depois de dois anos de temporada no Rio de Janeiro, o ator Antonio Nóbrega está de volta ao Espaço Brincante, em São Paulo. Ele estreou ontem “Segundos Histórias”, mais um espetáculo protagonizado por Tonheta, o personagem que consolidou o teatro de Nóbrega no cenário nacional – prêmio Shell pelo conjunto de sua obra em 1994.
“Segundas Histórias” é a seqüência de “Brincante”, que por sua vez nasceu de “Figural”, dança-teatro apresentada por Nóbrega em 19990. Em “Figural”, Tonheta surgia na última esquete, onde já trazia o desenho do herói picaresco, mistura de clown e bufão.
Em “Brincante”, conquistou espaço com sua carroça, ruminando vida afora, conforme diálogos de Bráulio Tavares, Na peça, sua história é contada por Mestre João Sidurino e Rosalina de Jesus, personagem também interpretados por Nóbrega e a mulher Rosane Almeida.
“Segundas Histórias”, diálogos do mesmo Tavares, começa praticamente onde “Brincante” termina. Tonheta está desiludido pela morte de sua amada, uma Julieta. Na nova peça, eis que Deus aparece para lhe contar a boa nova: sua musa não morreu.
“Deus diz para Tonheta que ele está enganado quanto à morte de sua Julieta e, para reencontrá-la, deve prosseguir em sua demanda”, conta a atriz Rosane Almeida, 31 anos (há 13 casada com Nóbrega, dois filhos). E a “demanda” implica paramentos com a devida nordestinidade do ator, conjugando o clássico e o popular para transformá-los numa poética genuína do artista brasileiro.
Como no espetáculo anterior, “Segundas Histórias” também se utiliza da dança, do canto, da mímica, da música, do circo e até do ventroloquismo para produzir a magia do teatro com a alma brasileira. João Sidurino – jagunço extraído de “Grande Sertões: Veredas”, de Guimarães Rosa – e Rosalina de Jesus continuam contanto a história de Tonheta.
Para quem não viu “Brincante”, festeje: a montagem reestréia na próxima quinta-feira, revezando com “Segundas Histórias” (sexta, sábado e domingo).
A musicalidade é marcante no processo de Nóbrega. Atualmente, surge mais acentuada. Ano passado, Nóbrega chegou a apresentar o show-recital “Na Pancada do Ganzá”, no Memorial da América Latina. A recepção foi tão boa que ele decidiu trazê-lo à tona novamente. Em breve, o show também ocupará o Espaço Brincante, numa viagem pelos ritmos, toques e cantares do Brasil.
O Brincante, na Vila Madalena, teve palco, platéia, camarins e corredores reformados. Ganhou até um bar: o Drincante. A proposta de Nóbrega e Rosane é realizar um curso multidisciplinar, com duração de três meses, explorando linguagem gestual e corporal, voz, habilidade circense e música.
Filme
Outra novidade é o cinema. O diretor Cacá Diegues (“Veja Esta Canção” e atualmente rodando “Tieta”) assistiu a “Segundas Histórias” no Rio e ficou vislumbrado com Tonheta. Propôs a Nóbrega a filmagem. O roteiro deve ficar pronto no segundo semestre. A filmagem está prevista para o próximo ano.
Em entrevista a O Diário, Rosane de Almeida falou sobre o momento atual da carreira de Antonio Nóbrega, 43 anos. “Estamos atravessando uma fase bonita de ver”, afirma. “Não se trata de televisão, onde é mais fácil transformar Xuxa em rainha da noite pro dia; estamos falando de Tonheta, personagem que Nóbrega conseguiu criar e emocionar ecoando o povo brasileiro e suas raízes.”
Nóbrega iniciou nas artes aos 12 anos, tomando aula de violino com um professor catalão. Aos 18, tocou nas orquestras de Câmara da Paraíba e na Sinfônica de Recife. Apesar da bagagem clássica, jamais se distanciou do popular. Participava de festivais de música. Foi convidado por Ariano Suassuna, autor de “O Auto da Compadecida”, para integrar o Quinteto Armorial, movimento dos anos 70 que buscava a união da memória cultural de épocas diferentes.
Abarcando toda essa formação, aliada a uma disciplina rigorosa no processo de preparação de ator, dançarino e músico, Nóbrega consegue universalizar a cultura nordestina no palco. As influências passam por Rabelais e o mestre de bumba-meu-boi Antonio Pereira, seu instrutor nos tempos de amadurecimento em Recife. Antonio Nóbrega é um dos nomes que seguramente já garantiu inscrição na história das artes cênicas.
Segundas Histórias – Criação, direção e interpretação: Antonio Nóbrega. Diálogos: Bráulio Tavares. Com Nóbrega e Roseane Almeida. Sexta a sábado, 21h; domingo, 20h. 90 minutos. R$ 12,00 (sexta e domingo) e R$ 15,00 (sábado). Brincante – Diálogos: Tavares. Direção: Romero de Andrade Lima e Nóbrega. Com Nóbrega e Roseane. Toda quinta, 21h. R$ 12,00. Espaço Brincante (rua Purpurina, 418, Vila Madalena, tel. 816-0575). 170 pessoas O bar Drincante é opção de encontro para o público, antes e depois das apresentações.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.