O Diário de Mogi
28.12.1995 | por Valmir Santos
O Diário de Mogi – Quinta-feira, 28 de dezembro de 1995. Caderno A – capa
São muitos os signos presentes na montagem de Antunes Filho, em cartaz até sábado, como a convivência do bem e do mal
VALMIR SANTOS
Antunes Filho está encantador. Há dois meses, ele mostrou o que considera um esboço do sua nova montagem, “Nos Caminhos da Transilvânia”. Já um trabalho impactante, ele definiu o espetáculo como o segundo de sua trilogia “fonemol”, inaugurada com “Nova Velha Estória” quatro anos atrás. A terceira peça ainda está por vir.
O “fonemol” vem da linguagem absolutamente inventada e utilizada pelos atores em cena. Antunes desconstrói o português para buscar um estado superior de consciência, primitivo, prematuro. Um linguagem destituída da compreensão oral concebida pelo Ocidente; é gutural (lembra alemão ou russo, mas não é).
Uma oportunidade para conferir este mergulho junguiano é assistir a remontagem de “Nova Velha Estória”, em cartaz até sábado na Capital.
Aqui, Antunes revisita o clássico infantil universal, “Chapeuzinho Vermelho”, para tocar no tema da sedução e, principalmente, discutir os conceitos de bem e mal em voga na humanidade.
O seu Lobo Mau, por exemplo, não é tão mau assim. A relação – literalmente – com a menina desprotegida se apresenta terna, sem a ferocidade pressuposta. Ao mesmo tempo, Chapeuzinho nada tem de ingênua.
Graças ao desenho cenográfico de J.C. Serroni, a leitura do espetáculo se dá também pelas linhas horizontais que cruzam o palco. Quando Chapeuzinho anda sobre a linha branca, obedece à Vovó. Quando sobre a vermelha, segue pelo desconhecido, o inesperado. E ela vai.
As marcantes bolhas suspensas de Serroni também estão lá, fazendo valer o paradoxo da transparência que separa. Os signos são muitos em “Nova Velha Estória”, instigante.
Na primeira versão, tinha-se Luis Melo e Samantha Monteiro nos papéis de Lobo Mau e Chapeuzinho, respectivamente. Agora, Ian Cristian e Ludimila Rosa, além de Luiz Furlanetto (Vovó), Inês de Carvalho e Sandra Babeto (Amigas), emprestam um sentido maior de jovialidade, de traquinagem e, consequentemente, de jogo de sedução à história. Nunca ficou tão claro o que Antunes vive repetindo sobre seus atores: eles estão brincando em cena.
Nova Velha Estória – Concepção e direção: Antunes Filho. Cenografia: J.C. Serroni. Iluminação: Davi de Brito. Com Geraldo Mário, Luiz Furlanetto, Ian Cristian, Ludmila Rosa e outros. Últimas apresentações de hoje a sábado, 21h. Teatro Sesc Anchieta (rua Dr. Vila Nova, 245, Consolação, tel. 258-2281). R$ 16,00 e R$ 20,00 (sábado). Duração: 104 minutos.
Araújo evoca arte do ator em “Plantonista”
Logo depois da única apresentação de “Plantonista Vilma”, no Espaço Cultural Yázigi, há pouco mais de duas semanas, o ator Márcio Araújo conversou com o pequeno público mogiano – a maioria atores iniciantes. Na oportunidade, falou da sua formação. Não fez escola de teatro. “Aprendi de ouvido”, brincou. O monólogo de Araújo, mais do que propriamente o bate-papo, revelou sua dedicação plena à arte de atuar.
O formato de “Plantonista Vilma” permite apresentar o espetáculo em espaços não-convencionais, como praças e colégios. Em São Paulo, cumpriu temporada no Espaço Cultural Lélia Abramo, mantido pelo Sindicato dos Bancários.
No alternativo Yázigi, também improvisou o espaço cênico. Com uma cadeira, poucos recursos de luz e som, Araújo consegue agigantar sua Vilma em cena. Faz rir e emocionar, numa variação tênue e profunda.
A partir do texto original de Noemi Marinho, o ator se permitiu introduzir um pouco da sua própria vivência. Dilui, desta forma, a densidade que dominava a peça, emprestando-lhe pitadas de humor – uma tragico-média, enfim.
O tema não é novidade no teatro: solidão. Vilma é plantonista de uma espécie de CVV, o serviço Você Não Está Só!. O desassossego, a voz dos outros serve de antídoto contra sua solidão.
Seria um prato cheio para cair na tragédia. Felizmente, Araújo faz do monólogo também um convite ao entretenimento. E aí sua Vilma é vislumbrante sem a afetação corrente dos homens que se transformam em mulher no palco.
O que surpreende em “Plantonista Vilma” é a habilidade artística de Márcio Araújo. Dos poucos recurso – inclusive pouco público –, ele respeita o teatro e dá seu recado com sinceridade. Virtudes escassas.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.