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O Diário de Mogi

‘Canard Pékinois’ vai ao limite entre corpo e alma

22.8.1996  |  por Valmir Santos

O Diário de Mogi – Terça-feira, 22 de agosto de 1996.   Caderno A 

VALMIR SANTOS

 

Inspirado num trágico evento que se deu em sua cidade natal, na Iugoslávia – o suicídio de atores de um espetáculo de grand guignol -, o coreógrafo Josef Nadj e os artistas do Centre Chorégraphique National d’Orléans criaram uma montagem de impacto. “Canard Pékinois” entra em cartaz hoje no Teatro Sesc Anchieta, mais uma atração do 6° Festival Internacional de Artes Cênicas (Fiac).

Agregado à dança moderna e aos exercícios de artes marciais; o absoluto domínio do espaço e das técnicas do teatro, o espetáculo fala de nostalgia, medos, contradições, perplexidades e recordações. No palco, explora-se os limites do corpo e as profundidades da alma.

Iugoslavo de origem húngara, radicado na França há mais de 15 anos, Nadj é um homem marcado pelo sentimento perpétuo de pertencer a lugar nenhum. “No início, eu queria montar uma peça sobre os temas do desaparecimento e da transformação. O espetáculo foi construído em torno da idéia do reflexo, o reflexo de si mesmo no olhar dos outros. Há ainda, da mesma maneira, o humor, também ele um dos fios condutores”, afirma o diretor.

A companhia Northern Broadsides, que faz hoje a última apresentação de “Sonho de Uma Noite de Verão”, no Teatro Sesc Pompéia, consegue manter o vigor do clássico de Shakespeare sem a paramentação tecnológica dos tempos que correm. Isso implica, por exemplo, abrir mão completamente de efeitos que cubram a ação dos atores.

É como que uma versão rural. Explica-se: a Broadsides vem do norte da Inglaterra e o diretor Barrie Rutter faz questão de manter um certo regionalismo no seu trabalho.

Figurinos coloridos, atores contracenando calçados com tamancos, uma característica do Norte inglês, e uma projeção vocal impactante, responsável pela intensa presença dos intérpretes, enfim, o “Sonho” que se vê aqui nada tem que ver com a versão alegórica de Cacá Rosset e seu Ornitorrinco. Os ingleses fazem uma interpretação de fôlego.

 

Canard Pékinois – Texto e direção: Josef Nadj. Com Centre Chorégraphique National d’Orléans). Estréia hoje, 21h, no 6º Fiac. Até domingo, sempre 21h. Teatro Sesc Anchieta (rua Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, tel. 256-2281). R$ 25,00. Sonho de uma Noite de Verão – Com a Northem Broadsides. Último dia hoje, 21h. Teatro SESC Pompéia (rua Clélia, 93, Vila Pompéia, tel. 864-8544). R$ 25,00.

Quem assistiu ao espetáculo “Brincante”, que fez temporada em São Paulo ano passado e agora está em cartaz no Rio de Janeiro, conferiu um dos trabalhos mais bonitos do teatro nacional contemporâneo. O pernambucano Antônio Nóbrega encantou com a brasilidade mostrada no palco: um cadinho do folclore nordestino em meio à dura realidade de um povo, acostumado a sobreviver combatendo principalmente a fome.
“Brincante” já se mostrava com potencial religioso. O personagem de Nóbrega, o funâmbulo Tonheta, antes de mais nada, tinha fé na alegria de viver. O amor lhe movia montanhas. Um dos responsáveis pelo sucesso de “Brincante”, o artista plástico Romero de Andrade Lima, autor do belo cenário, agora brinda o público com uma montagem própria, “Auto da Paixão”, onde mistura teatro, artes plásticas e canto.
A idéia de “Auto da Paixão” surgiu quando Lima teve de criar uma encenação para a vernissage de uma exposição sua, realizada em maio. As três noites de apresentação se transformaram em sete, por causa da grande procura. Limam, então, decidiu montar uma companhia com As Pastorinhas, um coro formado por 12 meninas.
Elas percorrem 12 retábulos/esculturas de lima que representam a Paixão de Cristo, com narração (feita pelo próprio autor) e cânticos sobre a vida de Jesus. O espetáculo recria procissões, reisados e pastoris, resgatando o espírito da festa popular nordestina, combinando sagrado e profano.
“Auto da Paixão” é como uma procissão. O público acompanha o coro que percorre as obras de Lima, instaladas em pontos diferentes do galpão Brincante, uma cria de Nóbrega, em plena Capital. Guardadas as devidas proporções, a polêmica peça encenada na Igreja Santa Ifigênia.
O espetáculo de Romero de Andrade Lima só é prejudicado pelo excesso de espectadores. As cem pessoas tornam a movimentação das pastorinhas um tanto tensa. A cada cena, elas são obrigadas a se espremer entre o público para se deslocar.
Ademais, “Auto da Paixão” é um deleite para olhos e alma. O repertório é composto de toadas populares que Lima escutava na casa do tio Ariano Suassuna, mentor do movimento Armorial na década de 70. O clima barroco (cenários, iluminação, figurino) transporta a um estado delicado do ser, a uma contemplação do divino de perto. Um espetáculo imperdível.
Auto da Paixão – De Romero de Andrade Lima. Com As Pastorinhas. De quinta a sábado, 21h; domingo, 20h. Cr$ 200 mil (quinta a sábado) e Cr$ 250 mil (domingo). Teatro Brincante (rua Purpurina, 428, tel. 816-0575). Até dia 15 de agosto.

Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

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