Folha de S.Paulo
7.10.2004 | por Valmir Santos
São Paulo, quinta-feira, 07 de outubro de 2004
TEATRO
Temporada paulistana recebe espetáculos do grupo Nós do Morro e dos diretores Hamilton Vaz Pereira e Ivan Sugahara
VALMIR SANTOS
Da Reportagem Local
A partir desta semana, três produções do Rio de Janeiro convergem para temporadas em São Paulo, dizendo muito sobre um teatro de mais experimento e risco, contraponto àquele apoiado nas convenções “televisivas” com mais efeito em palcos cariocas.
O grupo Nós do Morro, da comunidade do Vidigal, completa 18 anos e declara “intromissão” ao “Sonho de uma Noite de Verão”, de Shakespeare. Vai ao cartaz amanhã, no teatro Augusta.
Aos 30 anos de carreira, um dos fundadores do Asdrúbal Trouxe o Trombone (1974-84), desbundado grupo que injetou sangue novo na cena carioca e brasileira, o ator, diretor e dramaturgo Hamilton Vaz Pereira encena “A Leve, o Próximo Nome da Terra”. A “tragédia ridente”, como diz, pré-estréia amanhã no Teatro Folha, para convidados, e segue temporada a partir de sábado.
Também no sábado, chega “Avalanche”, direção de Ivan Sugahara (ligado ao grupo Os Dezequilibrados) para o texto do americano David Rabe, 64. No Sesc Belenzinho.
Latente na maioria dos moradores de Vidigal, a música ganha corpo na adaptação de “Sonho de uma Noite de Verão”, traduzido por Luiz Paulo Corrêa e Castro.
O diretor e cenógrafo Fernando Mello Costa apostou na “aptidão” do Nós do Morro. A fábula musical pretende dialogar com o universo do fantástico recriado por Shakespeare no século 16.
Porém é na peça dentro da peça, quando atores amadores representam a lenda mitológica de Píramo e Tisbe para a realeza, que o projeto se aprofunda.
Moradores de rua e catadores de papel, personagens na peça do grupo “Burro sem Rabo” (2003), migraram para o “Sonho” como “seqüestradores” dessa trupe de atores e acabam “incluídos” nesse teatro desejoso da linguagem popular tão cara a Shakespeare.
“Somos uma sociedade partida neste país. A única forma de quebrar estigmas e estereótipos é por meio da qualidade, senão vira paternalismo”, diz Guti Fraga, 52, ator e supervisor do Nós do Morro, para quem a perspectiva social não está dissociada da arte.
Hamilton Vaz Pereira, 52, diz que jamais escreve ou dirige espetáculos que apontem para a negação da vida. Ao contrário, sublima “o que a vida é, com suas encrencas e maravilhas”.
Em “A Leve, o Próximo Nome da Terra”, seis brasileiros mandam notícias e cenas de vários pontos do planeta, como Nova York, Amsterdã, Florença e Berlim. Estão viajando para estudar, trabalhar ou passear.
Os personagens aparentemente vivem situações do cotidiano, mas redobradas em emoção porque fora do país. São homens e mulheres “maduros”, que invocam o passado, por vezes os ancestrais gregos, por exemplo, ao mesmo tempo que se ocupam do futuro por meio da família.
Oito histórias “algo absurdas, extraordinárias”, em oito cenários distintos, sugeridos pelas imagens projetadas ao fundo. Os personagens/atores (interpretados por Leticia Spiller, Caio Blat, Floriano Peixoto e outros) passam o tempo todo num palco despido de recursos cenográficos. Quando pisam um retângulo chão, estão em cena.
Em “Avalanche”, a terceira produção do Rio, quatro homens ligados à indústria do cinema em Hollywood têm seus caminhos cruzados e “vivem perigosamente”, compartilhando mulheres, festas e drogas.
Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S.Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.